Quarta-feira, 7 de Novembro, 2007


(c) Antero Valério, que tem muito mais sobre o tema

Uma reacção mais fresquinha e irónica ao facto de Diário de Notícias, o Público e talvez o Jornal de Notícias (a notícia deste é demasiado curta e vaga para ter a certeza, mas….) terem usado este post do Umbigo e respectivo anexo como fonte para tratarem os resultados das provas de aferição dos 1º e 2º CEB e se terem refugiado em considerações vagas sobre esse facto, aludindo a um “blogue” e ao modo de fazer a pesquisa para lá chegar, mas terem pudor em fazer a citação clara.

Fosse eu de perder tempo e escrevia para o Provedor do Leitor lá dos sítios. Mas tenho reuniões intercalares, PCT’s, PEI’s e mais uma série de coisas com siglas estranhas para preencher.

E como já percebi que eles passam por cá, se calhar é melhor jogar no meu terreno.

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Escreve o Público sobre a questão das provas de aferição e a sua inacessibilidade ao comum dos mortais (página 12, sem link permanente online):

Documentos apenas acessíveis às direcções das escolas

O trabalho ficou concluído no fim de Outubro, tal como prometido pela tutela, e neste momento as sete mil escolas onde se realizaram provas de aferição têm acesso ao relatório nacional e por escola, com informação desagregada por turma e a indicação do professor. No entanto, a consulta destes documentos, incluindo o relatório nacional, só está disponível aos conselhos executivos, os únicos que têm uma password que lhes permite o acesso. Compete depois às direcções distribuir os relatórios aos coordenadores de departamento de Matemática e Português.
Mas uma simples pesquisa na Internet através do motor de busca Google (indicando “relatório nacional provas de aferição 2007”) acaba por permitir o acesso, pelo menos, ao relatório nacional. O PÚBLICO encontrou o documento na página de um blogue dedicado a temas de educação. (peça assinada IL de Isabel Leiria)

Pois, caramba. Raios. Fiz a pesquisa. Estou tramado. Acedi a informação confidencial sem dar por isso. Quebrei a barreira do secretismo. E há um monte de dias. Até parece que sou mais consultado do que o próprio GAVE. A sério… Serei da Al-Qaeda?

E não foi ninguém da minha escola – esclareça-se já – que me deu o acesso. Pelo contrário, fui eu que cedi na semana passada os dados do relatório a um elemento estupefacto do meu CE que no site do MISI tentava, sem resultados, aceder ao documento.

Agora só um detalhe: eu sei que foi para minha protecção, não vá o ME processar-me mas – e como o Público até já citou o Umbigo mais de uma vez no seu P2 – é de mera cortesia citarem as fontes onde se serviram para a vossa peça. Eu não cobro nenhuma taxa. E era bonito. Eu faço sempre isso convosco. E a Isabel Leiria é uma boa jornalista. Pelo que leio e pelo que me contam dela. Não havia necessidade de, ao criticar o secretismo, se cair na mesma forma enviesada de divulgar a informação.

Não tenho culpa de ter fontes mais rápidas e fiáveis que o vosso jornal nestas matérias.

O Diário de Notícias tem hoje uma notícia profundamente enigmática na forma como está elaborada. O título é:

Só um em 10 alunos do 6.º teve 100% a Gramática

A seguir citam-se os dados do relatório do GAVE sobre as provas de aferição no qual se refere, como aqui se mostrou, que só 11% dos alunos do 6º ano tiveram as respostas completamente certas na parte destinada a avaliar o conhecimento explícito da língua. A certo passo escreve-se que:

Os dados, destinados à informação das escolas e dos professores, foram divulgados por um “blogue” dedicado a questões de educação, chegando a alimentar a ideia de que 89% dos estudantes do 6.º ano tinham falhado na gramática. Porém, o director do GAVE, Carlos Pinto Ferreira, assegurou ao DN que essa leitura é “ompletamente” errada.

Como o blogue não é identificado (são critérios jornalísticos, estes de colherem os dados e depois não citarem onde, o que é estranho em Pedro Sousa Tavares – será apenas homonímia?) julgo que não se trata aqui do Umbigo e que não foi aqui que foram buscar a tal ideia dos 89% de insucesso. assumir isso seria demasiado narcísico. Mas, para esclarecer as coisas, o que aqui se escreveu foi que existia um esquisito diferencial entre a margem de acerto dos alunos do 4º e 6º ano na ordem de mais de 50% nas questões do conhecimento explícito da língua, enquanto que nas restantes partes da prova esse diferencial era relativamente menor.

Fico com curiosidade em saber em que blogue se terá fundamentado o DN para interpelar o director do GAVE (vou já dar uma volta pela blogosfera educativa), cuja explicação é divertida, em especial na parte das «respostas imaculadas, sem qualquer falha», quando que classificou as provas sabe que de imaculadas muitas respostas cotadas com o máximo tinham pouco. Basta ir ler os critérios de classificação. Mas fico satisfeito por saber que:

Ainda assim, o director do GAVE admitiu que “faltam apurar os motivos para a diferença entre o 4.º ano e o 6.º”, lembrando que “está a ser preparado um relatório público sobre as provas de aferição”.

Era trabalho que tinha ficado prometido estar acabado em Outubro passado, mas provavelmente os relatores foram pouso assíduos e estão a fazer provas de recuperação para se saber se podem continuar a fazer o trabalho. 

Extremamente lamentáveis são as declarações do Presidente da Associação de Professores de Português, de que agora tenho bastante orgulho de não pertencer, nem nunca ter pertencido, pois foi extremamente rápido a apontar o dedo aos colegas sem qualquer fundamentação que não seja o seu fraco senso comum.

Paulo Feytor Pinto, da Associação de Professores de Português, admitiu que a quebra poderá ficar a dever-se a factores como o facto de a componente gramatical do 1.º ciclo ser de “muito menor quantidade e complexidade” e a existência de “muitos professores, no 2.º ciclo, sem formação linguística-literária de base“.

Esta declaração só é compreensível à luz do trauma aparente que alguns (reforço o alguns) docentes formados na tal área linguística-literária de base têm relativamente aos docentes que leccionam Língua Portuguesa com origem em outras áreas académicas, mas que fizeram a profissionalização no 1º grupo de docência do 2º CEB. Sou originariamente de História, sei o que já ouvi por parte de gente de fraca formação pessoal de base, mas por acaso consegui que uma turma de PCA’s tivesse um desempenho acima da média nacional, quando muita gente super-formada de base em coiso e tal não conseguiu o mesmo.

Fica ainda por explicar por Paulo Feytor Pinto, na sua iluminada presciência, que formação de base terão então os docentes do 1º CEB que tão bons resultados alcançaram.

Regista-se ainda que PFP nem sequer levanta a questão da hesitação sobre a implementação da TLEBS durante o ano lectivo anterior, que tanta desorientação levantou nas escolas. Suponho que seja porque PFP não tenha uma especial relação de afinidade com tal ciclo de ensino, cheio de docentes… como é?… ahhhhh, já me lembro «sem formação linguística-literária de base». E quase que aposto sendo poucos associados da APP.

E depois ainda me perguntam se existem divisões na classe ou se há quem dê dela uma má imagem.

Nem precisamos de ajuda, pois com amigos destes não há qualquer necessidade de adversários ou inimigos. À primeira oportunidade atiram logo em cima dos colegas de classe.

Pelo menos a Associação e a Sociedade de Professores de Matemática têm um pouco mais de solidariedade para com os colegas e firmeza na forma de enfrentar estas questões.

PS aprova possibilidade de faltar às aulas e passar de ano

Desde que passe nas provas de recuperação, o aluno poderá ultrapassar indefinidamente o limite de faltas sem perder o ano. Só a ausência injustificada a estes testes ou o chumbo nos mesmos – sendo que, dependendo da altura do ano, está prevista uma segunda oportunidade – poderão conduzir os estudantes à exclusão ou reprovação.

É que o fax está tão demodé

Por um lado adoro a sua aprente fresca ingenuidade, por outro abomino a forma como se deixaram instrumentalizar pela facécia da “meritocracia” quando se discutiu o ECD.

São todos aqueles que, como o aqui já mencionado Pedro Norton, mas também o supostamente mais esclarecido e informado Carlos Fiolhais (obrigado ao J. Figueiredo pela menção em cima do momento), acham que só agora é que o Ministério e a ministra da Educação erram relativamente ao Estatuto do Aluno e que antes a sua acção “determinada” e “voluntarista”, iria “arrumar a casa”.

Diria o clássico Mister T. I pitty the fools.

Porque o código genético da acção do ME estava desde o início marcado pela ditadura dos números, desdobrada em duas fases:

  • A primeira, mais premente, era contabilística e visava diminuir a carga salarial dos professores. Foi essencial levá-la a cabo na primeira fase do mandato, quando andava tudo tão maravilhado com a nova maioria que parece que ficaram encadeados com as consequências e matizes da nova legislação, que agora se vão descobrindo (desprotecção na doença, eliminação de direitos laborais e sociais básicos). Falaram-lhes em mérito e rigor e aquiesceram pavloviamente.
  • A segunda, era igualmente importante, mas podia esperar um pouco e era supostamente popular para a segunda fase do mandato. Era a meta estatística do insucesso e abandono escolar. A forma de a alcançar parecia ser fácil e rápida: aprovam-se uns diplomas que proíbem por decreto que se considere o abandono escolar como tal e liga-se a avaliação dos docentes à sua avaliação dos alunos. E já está, em dois anos temos estatísticas “europeias” fruto da acção governamental “determinada” e “voluntarista”. Só que, desta vez, parte da coisa custou a ser engolida. Porque colocou desastradamente em causa o trabalho anterior de um assessor da Presidência e porque muitos opinadores adivinharam que, nas suas coutadas universitárias, cada vez chegariam alunos mais ineptos e mal-comportados. E então houve protestos.

Afirmar agora que estas medidas são uma inflexão da acção ministerial é, como escrevi acima, ser escusadamente ingénuo para adulto bem-informado, ou apenas uma forma de virar a casaca, dizendo que ela se virou sozinha.

Sejamos minimamente sérios nestas justificações. Caso contrário, nunca saberemos se o que estes analistas/opinadores escrevem é fruto de verdadeira análise e conhecimento dos factos ou mera aceitação do valor facial da retórica servida nos jornais ao pequeno almoço.

Não, apenas aquilo que em Português Técnico se chama uma graçola parva, para ver se provoca a malta. Se é deste tipo de “investigadores” (em biotecnologia, não é?) que Portugal está servido, está explicada a nossa indigência na matéria.