0 – Confissão
«O cinismo consiste em ver as coisas tal como elas são e não tal como elas devem ser.» (Bernard Shaw)
«Todos conhecem, com certeza, a história do soldado que descobriu que todo o seu batalhão (excepto ele, é claro) estava com o passo trocado. Dou comigo constantemente nessa posição divertida. E tenho muita sorte, pois, regra geral, alguns dos outros membros do batalhão estão dispostos a acertar o passo. Isto aumenta a confusão; e, como não sou um admirador da disciplina filosófica, fico satisfeito enquanto suficientes membros do batalçhão estão com o passo suficientemente trocado em relação aos outros.» (Karl Popper, O Realismo e o Objectivo da Ciência. Lisboa: D. Quixote, 1987, p. 41)
Quando um mero candidato a aprendiz de oficial de um nobre ofício, como a História inegavelmente o é, se aventura a discorrer sobre a essência do dito, sobre aqueles que a si próprios e entre si se acham/reconhecem, de pleno direito, primeiros oficiais ou (já agora, porque não ?) mestres do mesmo e ainda sobre o estado geral e qualidades de um e outros, deve-se-lhe, antes de qualquer outra coisa que acaso nos ocorra ao espírito, recomendar com a maior firmeza três coisas, a apresentar por ordem decrescente de prioridade:
Em primeiro lugar, que desista do intento ou que mude de temática (de preferência, que se dedique a estudar os evidentes testemunhos da influência do elkemento mental residual suevo no projecto de colonização portuguesa do Tibete nos mjeses de Janeiro a Junho de 1526 – isto no caso do lapso de tempo se não revelar excessivamente ambicioso). É mais prático, mais natural, de maior interesse cienbtífico-académico e, fundamentalmente, MUITO mais seguro.
Em segundo, caso insista,a conselha-se o inconsciente a que proceda com prudência, cautela, discrição, apagamento, circunspecção, conformismo e quietude q.b., que lhe permitam passar o mais despercebido possível, para que ninguém dê por nada, se possível que o público adormeça disfarçadamente, durante a exposição, quer oral, quer escrita, e assim possa vir a ser assegurada a sua futura sobrevivência no meio, onde o receberão como um dos deles.
Na remota e desgraçada eventualidade de o infeliz manter inabaláveis as suas convicções, diga-se-lhe, o mais singela e brevemente possível (por forma que ninguém repare que com ele, alguma vez, mantivemos contactos pessoais), que se inscreva com rapidez num qualquer curso de formação profissional subsidiado, de preferência para desempregados de longa duração (servindo à medida o de verificador de rebites), se quer, por qualquer meio, assegurar a sua subsistência.
Em seguida, afastemo-nos do local e esqueçamos tudo.
É melhor, para o nosso próprio bem.
É que nem todos têm a sorte de se chamar Popper (Karl).
E lembremo-nos que já um senhor, há pelo menos 200 anos, dizia que:
«…não será natural que as pessoas privadas de um fundo de virtude tão grande que lhes permita colocar-se acima das reflexões resultantes de tão tristes circunstãncias, não será natural, dizia, pensarem que mais vale abandonarem-se à torrente do que resistir-lhe, dizerem que a virtude, por muito bela que seja, quando, infelizmente, não tem forças para se opôr ao vício, se transforma no pior partido que se pode tomar e que, num século inteiramente corrompido, o mais seguro é proceder como os outros ?» (Marquês de Sade, Os Infortúnios da Virtude. Lisboa: Minerva, 1973, p. 47)