Março 2007


Recebido via Maria Lisboa

Caros amigos e colegas… O motivo que me leva a enviar este email tem a ver com o facto de no passado fim de semana um colega meu, professor, ter abdicado do seu fim de semana familiar com uma criança e a mulher, para poder acompanhar um grupo de alunos que iriam participar no Corta Mato, inserido no Desporto Escolar em Sta Maria da Feira, onde a nossa cara e digníssima Sr.ª Dr.ª Ministra de Educação esteve presente com a sua comitiva.

Quando esta senhora… se é que podemos designar de tal (desculpem o meu desabafo) se dignou a proferir algumas palavras, foi vaiada com um valente “hhhhhuuuu”, por parte do público ali presente, constituído na sua grande maioria por alunos do ensino básico… Perante tal comportamento, a senhora teve a reacção mais admirável, pedagógica e sensata que algum adulto, pedagogo e acima de tudo uma pessoa bem formada e responsável poderia fazer: simplesmente desafiou-os dizendo que saberia fazer mais barulho que eles e pegando no seu enorme instrumento de trabalho (microfone) desatou aos berros, gritando uns valentes “hhhuuusss”, referindo-se às crianças deste país que conseguiria gritar mais que elas…

ISTO é a nossa EDUCAÇÃO!

Gostaria que levassem este email em consideração e sem querer qualquer protagonismo… analisem o que vos conto e divulguem este email a quem de direito entendam que o deva assistir. A nossa política educativa não poderia estar em melhor mãos….

NÃO ACHAM?

Façamos algo de concreto… reflictam sobre o que se passa, comentem este vídeo, tal como a política educativa com os vossos amigos, amigos dos amigos, pessoas que estejam em posição de analisar o que se sucede no nosso ensino. O meu obrigado pelo que venham a fazer!

Ricardo da Branca

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Obviamente, o problema está na opacidade da atitude José Sócrates em relação so seu trajecto pessoal e à forma como liberta informação só a muito custo, proibindo mesmo a divulgação de outra.

Toda a peça do Expresso de hoje é uma demonstração – para quem não tem nada a ocultar ou tempo a ganhar para algo – de um desnecessário secretismo e de uma aversão pelo desejo de saber se Sócrates, afinal, falou verdade sobre o seu currículo ou não e se entrou em esquemas facilitistas ou não na sua passagem pela Universidade Independente.

Entretanto, o que se vai sabendo é extremamente gravoso desde já: uma universidade que não mantém a documentação legal a que é obrigada, um poder político (na altura socialista) que não fiscaliza eficazmente o funcionamento do ensino privado e antes é por ele controlado (já o sabíamos há muito, pois na mesma época Marçal Grilo tinha como assessor alguém muito próximo da Moderna), pautas “verdadeiras” destruídas de acordo com um professor (então estas serão o quê?), um reitor que guarda consigo os dossiers de alunos destacados, documentos com datas e dados incongruentes, turmas-fantasma de meia dúzia de alunos com professores-fantasma, documentos lavrados ao domingo. Sei que eram os meados dos anos 90, em que no ensino superior privado havia de tudo e para tudo, mas há limites quanto ao que se pode admitir a quem quer governar um país e, para mais, surge com um discurso de regeneração e purificação do que está mal na Educação e Formação profissional dos portugueses. E ao que parece a ascensão e queda da Independente não será feita sem danos colaterais.

Talvez seja por conhecimento directo que José Sócrates duvide do sistema de ensino. Talvez por isso tenha procurado blindar o ME, colocando lá outro quase conterrâneo irascível da sua confiança e trajecto igualmente sui generis, para a sua investida contra os docentes. Mas deixou a porta semi-aberta do Ensino Superior e agora resta saber até que ponto isso lhe vai ser fatal.

Hoje a generalidade dos títulos em diversos periódicos começa a ser-lhe manifestamente adversa. São as nomeações pouco transparentes e os gastos excessivos dos gabinetes de acordo com dados do Tribunal de Contas (Sol, Público), é a questão do seu percurso académico (Expresso). Enfim, começa a esboroar-se nos media uma imagem fabricada nos e pelos media. Sócrates não é Cavaco, e não o é por esta ou aquela característica idiossincrática essencial, mas porque este último não foi uma mera fabricação dos meios de comunicação social. Sócrates, ainda mais do que Santana Lopes, é apenas algo que funcionou em função da imagem catapultada pelos media. Porque Santana tinha, apesar de todos os seus enormes  defeitos, um passado em nome próprio. Sócrates não, apenas era alguém que tinha aparecido em função de outrem e alimentado por facções do PS. E neste momento, um dos mundos que ajudou a fabricá-lo como homem de Estado providencial parece estar insatisfeito.

Se no duelo com os docentes, os media se mantiveram neutros ou favoráveis a Sócrates e isso foi fatal à classe docente, neste caso o duelo vai ser a muito breve prazo entre os media e Sócrates e o seu esforço por controlar o fluxo de informação. E é novamente um duelo desigual…

A vingança serve-se fria, só é pena que por vezes peque por tardia.

Enquanto ia hoje acabando o texto de um compromisso já demasiado atrasado, decidi ir espreitar a documentação do projecto Novas Oportunidades, esse enorme balde para os últimos fundos comunitários europeus, que me parece vir a ter uns furos de dimensão muito desproporcionada para o escoamento dos ditos, com o aparato burocrático a sorver certamente o maior quinhão.

A documentação essencial encontra-se disponível aqui, onde se disponibilizam diversos materiais para a orientação de formadores, formandos e instituições. Afirmando a propaganda que esta é uma iniciativa destinada principalmente à (re)qualificação da população activa portuguesa numa perspectiva de estreita ligação ao mundo do trabalho, inspirado no exemplo e prática do conceito anglo-saxónico de lifelong learning, estava longe de pensar que viria encontrar alguns nacos do mais delicioso eduquês, estilo portuguese very light dos últimos anos.

Se no ensino regular o discurso em torno das competências ainda é apanágio forte da documentação relativa aos três ciclos do Ensino Básico, estando um pouco mais esbatido no Ensino Secundário, no caso do programa Novas Oportunidadesele espraia-se de forma profusa pelo que será a formação de nível pós-básico. Veja-se a esse propósito o documento Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos,assim como um outro com o respectivo Guia de Operacionalização, que estão repletos de passagens que julgo não terem sido ainda lidas por Nuno Crato, porque se assim fosse teríamos por aí nova obra polemizante.

É que se o chamado eduquês, em especial nas suas versões mais simplistas, foi ficando algo desacreditado nos últimos tempos em matéria de referencial para o discurso educacional, ao que parece isso foi compensado por uma entrada em peso e de forma avassaladora no universo, agora bem rentável, da Formação Profissional. Os documentos em causa, mas não só, parecem uma manta de retalhos do que de mais balofo o eduquêstem para oferecer sendo que, como já acima referi, isto é tanto mais incongruente quanto a iniciativa pretende estar vocacionada para a vida prática. Eu sei que os documentos em causa não são dirigidos aos formandos, mas que são textos de exposição dos referenciais conceptuaise de proposta de operacionalização, mas mesmo assim são de uma extrema vacuidade. Mas eu exemplifico com algumas passagens que estão longe de esgotar todo o rico manancial existente.

Comecemos pela definição dos conceitos (Referencial, p. 12):

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Agora já temos para além de competências, as competências-chave, sendo aquelas uma «combinatória [sic] de capacidades, conhecimentos, aptidões», etc, etc. Para começar não poderia haver melhor.  Mas continua em crescendo, em especial quando se passa para a forma como se reconhecem e validam competências (p. 17).

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Todo este parágrafo é um verdadeiro mimo. E como já acima disse, é impossível dar conta de toda a cascata  de enfoques e processos inter e intra-relacionais que se vão descobrindo a cada página. E então quando a coisa se transforma em representações gráficas, ganhamos toda uma dimensão estética, acho que talvez intersubjectiva. Ou será intra?

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Mas se pensam que isto é apenas porque o documento é apenas de índole teórica, o que acham da forma como no guia de operacionalização se definem «os elementos comuns e transversais às Áreas do referencial»? Deixo-vos aqui com o quadro-síntese da página 19 e não digam que não gosto de vos presentear com o que de melhor podemos ter em matéria de discurso educacional esvaziado de conteúdo e/ou completamente a leste da situação concreta que lhe serve de pretexto.

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Mas eu acho – e recomendo vivamente – que tudo isto seja observado de perto, descarregado e lido com toda a calma e atenção que merece toda a obra de alta comédia de outrora, tipo P.G. Woodehouse ou Jerome K. Jerome. Porque há prazeres que devem ser saboreados com todas as condições e conforto, para melhor revelarem todos os seus cambiantes.

Se isto tem algo vagamente a ver com a requalificação profissional dos portugueses é toda uma outra conversa.

domes.jpgPode parecer que é um qualquer tipo de embirração especial por Daniel Sampaio e eu confesso que parcialmente o é. As razões são diversas e já antes as expliquei. O passado fim de semana, voltei a ter motivo para me encrespar, embora só ontem tenha acabado por ter tempo para ler devidamente a prosa. Em peça na Pública agora sobre a violência doméstica, DS alinhava com natural à vontade um quinteto de medidas que devem ser colocadas em prática contra este mal social e conclui com a seguinte recomendação:

A inclusão do tema da violência em todas as escolas, numa política geral de Educação para a Saúde, felizmente já recomendada pelo Ministério da Educação.

Felizmente, é bem verdade, mais que não seja porque a dita recomendação emana de um documento produzido sob os auspícios do próprio Daniel Sampaio. Penso que só a modéstia o terá impedido de referir esse dado de sublime importância. O do ME afinal fazer, bem, o que DSampaio especialista recomenda e DSampaio opinador valida com convicção.

Embora ainda não tenha visto se saiu em DR, aqui está a versão aprovada em Conselho de Ministros do diploma que vai regulamentar o primeiro concurso para professor titular.

Análise mais detalhada, mesmo em período de interrupção lectiva, só lá mais para diante que outros valores se vão levantando.

Mas confesso desde já que o preâmbulo, como de costume, começa logo por me irritar com aquela habitual camada de retórica hipócrita auto-justificativa, disfarçando os abusos com a desculpa recorrente da salvação do mundo e arredores.

Como detalhe, descubro agora que, afinal, os licenciados em História e docentes do 1º grupo do 2º CEB  concorrem pelo departamento de Línguas como durante algum tempo esteve previsto mas pelo das Ciências Sociais e Humanas (na 4ª versão já existia esta distinção). Afinal é possível que alguém no ME tenha finalmente percebido como são formados os grupos disciplinares e como é feito o seu recrutamento. Mesmo se a solução tenha os seus problemas…

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Nada de esperanças que isto não é texto de profundo ensaio, com a fórmula dourada que finalmente desvendará qualquer Graal até agora oculto a gente bem mais desempoeirada e diplomada do que eu. São apenas alinhavos.

O fenómeno educativo, sob esta ou aquela fórmula organizacional, mantém uma essência quase imutável de há muitos milhares de anos para cá, a qual me parece ser bastante simples e que passa por duas vertentes essenciais:

  • A transmissão geracional (e também horizontal no caso de novas experiências bem sucedidas) de saberes, que por comodidade definiremos como “técnicos”, indispensáveis para a sobrevivência da espécie, para além do que seja “instinto” ou conhecimento “inato” (sei que esta última questão não é pacífica, mas esqueçam isso por agora…). No fundo começou em questões tão elementares como a melhor forma de obter alimentos sem apanhar valentes problemas gastro-intestinais a cada refeição, de fugir de animais de porte e hábitos menos amistosos, de observação dos astros para determinar a época do ano e tudo por aí abaixo. Ou seja, a preparação para o Trabalho.
  • A transmissão, também naturalmente geracional, de um conjunto de elementos “ideológicos”, a que de início designamos como “míticos”, sobre a origem e identidade do grupo em que os indivíduos nasceram e foram criados. É o aspecto da Educação que visa socializar o indivíduo nos hábitos, tradições e projectos do grupo alargado a que pertence ou a que é suposto pertencer. E é por aqui que passa o nascimento do que de forma assumidamente simplista eu designarei como Cultura.

Desde há não sei quantos anos antes de Cristo, Marx e Zarastrusta, o fenómeno educativo passou por aqui, apenas se tendo transformado progressivamente a forma como se processou, deslocando-se gradualmente da “família” para a “sociedade” e finalmente para o “Estado”. De início a transmissão de saberes e competências, sendo restrita para os nossos padrões e porque envolvia um pequeno número de indivíduos, era possível no ambiente de um grupo reduzido. Com o crescimento dos grupos humanos, a complexificação das relações e funções no seu seio, a Educação foi-se deslocando progressivamente para uma esfera “especializada”.

Seria entediante tentar demonstrar como isso se processou desde o tempo das civilizações anteriores à escrita até ao advento das sociedades industriais que conhecemos há 200 anos. Interessa apenas reter que, para mim, a Educação sempre permaneceu condicionada por dois factores que são a necessidade de assegurar a sobrevivência e daí a preparação para o mundo do Trabalho e a necessidade de criação de um sedimento social ou identidade para os grupos humanos e daí a exigência de transmissão do que, num sentido algo restrito, poderemos considerar Cultura.

Após períodos em que as duas variantes do fenómeno educativo se afastaram (caso da Idade Média) e se mantiveram de acordo com lógicas fragmentárias localizadas e regionalizadas, o conflito entre estas duas tendências agudizou-se quando o Estado decidiu erguer sistemas de ensino de massas, nacionais, visando a homogeneização da formação dos cidadãos e foi necessário conjugar uma preparação “técnica” com uma formação “humanista” nos currículos.

Há 200 anos que se discute o peso e a importância relativa de cada uma destas componentes nos currículos, o momento em que os indivíduos devem ser introduzidos em diversas das matérias ligadas a cada uma delas, quando é necessário optar por uma ou outra, etc, etc, etc.

Muito do que se discute de forma recorrente, não sendo estéril ou desnecessário, não passa da consequência de algo que acho por demais evidente: a Educação não pode fugir muito a nenhuma dessas duas suas facetas.

Desligar a Educação da formação para o mundo do trabalho – alegando que isso é reduzir os indivíduos a peças incaracterísticas de um sistema que as usa de forma descartável ou a meros seres-máquina, quais antigos homo faber – é atractivo para certas tendências de pensamento, mas é claramente algo distópico mais do que utópico. Queria ver depois o ar de certos defensores do puro humanismo educativo se quando o computador avariasse e a net fosse abaixo e não existissem simpáticos trabalhadores competentes para colocar tudo a funcionar de novo… É uma caricatura, mas válida.

Mas desligar a Educação da sua componente mais teórica, humanista, cultural, whatever, seja em nome da não transmissão de um sistema de valores homogeneizadores que anula a capacidade crítica indidividual ou em nome da desnecessidade de tal formação para o mundo tecnológico contemporâneo, é dar um passo em relação ao abismo da atomização da sociedade e para a destruição de quaisquer laços de coesão social (nacional ou outra).

Qualquer das atitudes está errada por ser edutora. A Educação precisa de manter essas duas perspectivas, para o bem de todos nós, individualmente e como grupo mais ou menos alargado. O equilíbrio é instável, por vezes existem balanceamentos qu fazem pender demasiado a balança para um dos lados, mas mais tarde ou mais cedo dá-se um necessário reequilíbrio.

Quanto ao aspecto ideológico da Educação, queria deixar aqui apenas um pensamento simples: em nenhum momento a Educação não foi uma transmissão de conhecimentos com um enquadramento ideológico qualquer. Platão não era um mestre neutro, ele transmitia os seus valores com os seus ensinamentos, sendo que a sua mensagem era fortemente política. Numa oficina medieval, a aprendizagem técnica de um aprendiz de ferreiro ou tecelão ia acompanhada de todo um leque de pressupostos sobre a organização da sociedade envolvente. Mesmo numa qualquer idílica sociedade nómada perdida nos confins de uma selva imaginária, a transmissão de conhecimentos faz-se sempre com base em pressupostos que correspondem a um aparato ideológico mais ou menos complexo.

É inútil procurar no passado ou futuro uma sociedade em que a Educação seja completamente desideologizada – pois mesmo o apelo à neutralidade é uma forma de ideologia como o meu amigo António sempre me afirma quando discutimos a Esciola Pública. Isso seria negar quase por completo a sua natureza.

O problema é que há quem, talvez por deficiente formação ou por uma educação amputada ou distorcida, pense que é possível educar sem que alguma ideologia esteja envolvida ou que o essencial passa por uma transmissão de meros saberes técnicos.

Sei que estamos a atravessar um período em que esta visão cinzenta da Educação parece predominar. O conhecimento da História (talvez por isso seja, com a Filosofia, cada vez mas mal amada pelos transitórios senhores dos tempos) ajuda-nos, porém, a saber que é uma fase passageira como tantas outras que pareceram nos seus tempos bem mais dramáticas. Isto não é um apelo à resignação. Pelo contrário, é um encorajamento à resistência e à acção para acelerar a modificação deste estado de coisas. Mas sem ilusões quanto ao facto da Educação poder vir a ser algum dia “pura”. Isso seria o pior de tudo.

É pela sua impureza que a Educação se constitui como instrumento essencial de Progresso e não meramente de Conservação. A pérola nasce de um simples grão de areia.

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Este livrinho trata da maneira como a postura ideológica hoje predominante – o liberalismo multicultural e tolerante – participa em pleno nesta despolitização da economia; para o resumir em termos concisos, a tolerância multicultural é a ideologia hegemónica do capitalismo global. A oposição entre o fundamentalismo étnico-sexista-religioso e a tolerância multicultural é, em última análise, uma falsa oposição: a neutralização política da economia é o postulado comum aos dois extremos. a única via de saída deste beco, e o primeiro passo, portanto, a caminho de uma renovação da esquerda, é a reafirmação de uma crítica virulenta, fortemente intolerante, da civilização capitalista global. (Slavoj Zizek, Elogio da Intolerância, 2006, pp. 18-19)

Já sei, isto nem parece uma citação escolhida por mim, mas sim por um bloquista mais radical super-motivado pelas lutas antiglobalização e cheio de genica, ainda a dobrar da adolescência para os vintes.

Em boa verdade, quando li isto fiquei indeciso entre o fascínio pela clara postura irada e politicamente incorrecta e o sorriso sardónico pela forma caricatural que acaba por assumir este discurso muito militante. Mas acabei por gostar daquela ideia algo estranha e paradoxal sobre a falsa oposição entre fundamentalismo e o multiculturalismo tolerante.

Vou ler o resto (sempre gastei 10,8 euros e não há que desperdiçá-los) e tentar perceber se primeiro se estranha e depois se entranha, se afinal levei um enorme barrete. 

Desculpem-me lá o regresso ao tema do percurso académico do nosso primeiro, mas caramba que achei graça ao nome desta disciplina que terá sido concluída por JSócrates na Universidade Independente de acordo com peça do Correio da Manhã de há uns dias.

Perdoem-me a ignorância e o não completamente escondido sorriso, mas aquilo é uma cadeira anual do curso? Não é gozo?

Agora mais a sério eu gostaria apenas de sublinhar que a mistura entre a discussão sobre as habilitações do nosso primeiro – já escrevi e repito que não acho indispensável ou vagamente necessário que um PM seja licenciado ou doutorado – e o estado em que se encontra a Independente, a  contas com um possível encerramento pode ser explosiva, não sabendo eu onde cairão todos os estilhaços.

Entretanto, recordam-se certas curiosas afinidades electivas e interrogo-me sobre quem terá sido o júri das provas orais.

head_scratch.gif1. Preâmbulo

Não gosto muito de trazer para aqui questões muito específicas do meu quotidiano escolar. Porque não gosto de vampirizar o dia a dia que vou tendo e muito menos relações com alunos ou colegas. Mesmo servindo de inspiração e/pu pretexto a alguns posts, não acho que esse seja o registo que mais (me) convém ou, pelo menos, que acho mais interessante num espaço deste tipo. Portanto, o semi-desabafo seguinte é mesmo só “semi” porque acaba por remeter para algo mais geral que são as atitudes dos docentes mas não só perante a avaliação e a forma como flutuam ao sabor do momento e da conveniência ocasional.

2. E um Esclarecimento

Faço parte de um núcleo algo específico de docentes, quase que ousaria entrar pelo conceito sociologês de sub-cultura docente. Faço, pois, parte do 1º grupo de docência do 2º CEB, aquele que lecciona Língua Portuguesa e História e Geografia de Portugal como modo de vidao. Um daqueles grupos, como o de Matemática/Ciências, que desdiz a argumentação valteriana do choque traumático da passagem do 1º para 0 2º CEB porque os alunos passam de um só docente para um por área. Eu dou por regra duas disciplinas e uma ou duss ACND. Mas isso são outras concersas. Ia eu escrevendo que pertenço, dentro desse grupo, ao conjunto de docentes que estão agora na primeira década dos “entas” e que tiraram o seu curso, normalmente de História, durante os anos 80 e que, ou o fizeram até 1985-86 e não tiveram direito a Ramo de Formação Educacional e foram obrigados a profissionalizar-se posteriormente pela Aberta (e não só…), sendo ultrapassados no acesso ao 3º CEB/Secundário pelos licenciados seguintes, ou que acabaram a licenciatura em 1987 ou pouco depois mas renegaram o dito Ramo e acabaram por fazer uma profissionalização em serviço tardia (no 2º CEB, contemplando a Didáctica Espécífica do Português e tudo o resto), após muitos anos de docência. De qualquer modo, e apesar das diferenças, ao longo destes últimos 10-12 anos tenho constatado que é um núcleo de gente com experiências de vida próximas, com muitos pontos de contacto, em especial por causa da identidade geracional que nos fez amadurecer já depois da confusão dos anos 70 e antes da desorientação dos anoss 90, sem desprimor para ninguém que se sinta atingido (estou muito consensual hoje, deve ser da interrupção lectiva…). Por tudo isto temos alguma facilidade de relacionamento, funcionamos com base em pressupostos com muitos elementos comuns, estamos quase todos na mesma fase da carreira e acho que isso nos dá um certo conforto em termos de organização e desenvolvimento do nosso trabalho (é quase como aquelas equipas que, de jogarem juntos há tanto tempo, já sabem para onde devem passar a bola mesmo sem olhar…), assim como da própria avaliação. E é aqui que chegamos ao essencial:

3. O Assunto, Agora Mesmo a Sério

Ora bem, cá chegámos ao que interessa. E o que interessa relaciona-se exactamente com a avaliação. Como em outras Escolas por onde passei, o 1º grupo do 2º CEB, com as naturais excepções, tem um funcionamento que eu consideraria. apreciativamente, como algo coerente. Na minha actual Escola, onde quase todos os QE’s estão entre os 42-45 anos (sou, pois, o benjamim…, exceptuando os dois colegas de QZP), verificou-se que no final do 1º período a avaliação em LP e HGP foi muito próxima, ficando a média ligeiramente abaixo dos 20% de insucesso (eu seu, eu sei, eu contribui para elevar uns pontos a de HGP, mas não se fala mais nisso). Os professores são quase os mesmos, com uma ou outra variação, as turmas têm perfis diferentes, assim como as matérias, mas a média da avaliação nas duas disciplinas variou menos de 1%.

Ora acontece que no 3º CEB se verificou que entre Língua Portuguesa e História a avaliação é muito díspare a ao mesmo tempo diferente da existente no 2º CEB: em LP no 3º CEB o insucesso é muito mais elevado (acima de 30% e quase a raiar os 50% no 9º ano), enquanto em História é muito mais baixo (menos de 10% no 7º ano, só subindo para os 20% no 9º ano). E esta é uma tendência que parece não ser nova.

Ora as conclusões diferenciadas a que alguns(mas) chegaram na análise da relação entre a avaliação desenvolvida nestas áreas entre o 2º e 3º CEB não deixam de ser curiosas: em Língua Portuguesa os docentes do 2º CEB foram acusados de laxismo, demasiado paternalismo e má preparação dos alunos para as exigências do 3º CEB. Em História, embora com um pouco mais de tacto, concluiu-se que os docentes do 2º CEB são demasiado rigorosos e exigentes na avaliação desenvolvida.

Note-se que se fala quase exactamente das mesmas pessoas, que trabalham em ambas as disciplinas com os mesmos alunos e com métodos similares, obtendo resultados equiparados no 2º CEB em ambas as áreas. E prescindo de explicitar outras acusações mais ou menos elegantes que foram atiradas para o ar.

O interessante é que quem procedeu a estas análises parece ter-se esquecido de ver o seu reflexo no espelho e prescindiu resolutamente de se interrogar sobre a questão fundamental: se no 2º CEB a avaliação tem um nível tão próximo nas duas disciplinas, porque é tão diferente no 3º CEB, onde uma disciplina tem o triplo ou mais de insucesso que a outra?

Se formos analisar os elementos em presença, descobre-se com alguma facilidade, através do que é comum e do que muda, a possível explicação para as situações. Sem querer apontar o dedo (mas fazendo-o na prática, nem que seja por omissão…) quer-me a mim parecer que no 2º CEB existe um trabalho que beneficia claramente de um trabalho devidamente articulado por pessoas com percursos profissionais semelhantes e uma atitude devidamente concertada. Não posso avançar mais porque, daqui a pouco, posso ser acusado de defender a homogeneização do corpo docente e de estar a legitimar a política de formação “generalista” dos futuros docentes,

Mas gostaria de pelo menos aqui deixar este relativo desabafo pois há momentos em que um tipo – e todo um grupo de colegas – se sente perfeitamente ensanduichado tanto por isto como por aquilo. Por um lado somos demasiado permissivos; por outro somos demasiado rigorosos. Mas será que o problema, atendendo ao exposto, estará principalmente em nós?

… entrei há uma hora em interrupção lectiva. Pchiu

And if you should see her
Please let her know that I’m well
As you can tell
And if she should tell you
That she wants me back
Tell her no
I gotta go

Apesar de não ter sido sobrecarregado de reuniões, tive aquela que todos detestam, a última do dia. Para a acelerar, ajudei a Directora de Turma a passar em revista 13 Planos de Recuperação e/ou Acompanhamento numa turma de 17 alunos, esboçando a respectiva avaliação e estratégias para o futuro.

Por isso chateia-me, claro que me chateia, observar que os mesmos Encarregados de Educação que tanto se preocupam com a ocupação do tempo dos seus educandos na Escola por causa dos “perigos” que isso pode acarretar, depois lhes dêem carta branca para andarem a deambular por aí, de motinha nos passeios e zonas pedonais, ou a “conviver” de forma ruidosa e nada higiénica longe dos seus domicílios, em horas onde certamente os “perigos” não existem.

E ainda bem que não dou aulas perto de casa, porque então ia ser giro…

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(c) Antero Valério

Leio a nota disponibilizada no site do Ministério da Educação sobre o relatório produzido pela Comissão de Acompanhamento das Actividades de Enriquecimento Curricular. Gostaria de ter a possibilidade de encontrar mesmo o relatório, mas não dei por ele online.

De acordo com a síntese parece que foi tudo excelente:

O Programa de Generalização do Ensino de Inglês e de Outras Actividades de Enriquecimento Curricular, criado com o objectivo de garantir uma escola a tempo inteiro aos alunos do 1.º ciclo, surgiu após a experiência obtida no ano lectivo de 2005/2006 com o Programa de Generalização do Ensino do Inglês nos 3.º e 4.º anos de escolaridade, cujos resultados ultrapassaram as melhores expectativas iniciais
No presente ano lectivo, 99 por cento dos estabelecimentos de ensino oferecem gratuitamente ensino do Inglês nos 3.º e 4.º anos, e 43 por cento nos 1.º e 2.º anos. O Apoio ao Estudo e a Actividade Física e Desportiva registam uma oferta de 99 por cento e o Ensino da Música de 85 por cento.

Estamos no melhor dos mundos pois parece que apesar da falta de planificação e preparação atempada, as coisas apareceram feitas. Pelo menos os números abundam. Só que mais adiante percebe-se que com algumas, pequenitas, dificuldades:

O relatório apresenta como principais dificuldades iniciais de implementação do programa a compatibilização de horários de docentes e alunos, o acesso a salas e a espaços adequados para a organização das actividades, a contratação de docentes, a escassez de pessoal auxiliar existente em determinadas escolas e a constituição de parcerias.

Uma pessoa mal intencionada poderia pensar que as dificuldades assinaladas cobrem praticamente todas as variáveis relacionadas com a questão, mas isso seria caricaturar a situação, não é? Não, temos de ver a coisa pelo lado positivo e construtivo. Vamos, portanto, às recomendações para o futuro:

Neste sentido, a Comissão de Acompanhamento do Programa recomenda que, nos próximos anos, as actividades de enriquecimento curricular sejam preparadas para começarem no início do ano lectivo, com qualidade mais uniforme através de uma abordagem específica aos casos que apresentam maiores dificuldades.

Sugere-se um reforço de apoio às entidades promotoras que tenham revelado maiores dificuldades na implementação do programa, nomeadamente através da procura de soluções que passem por um maior envolvimento dos agrupamentos de escolas ao nível do recrutamento e da gestão dos professores, bem como ao nível da participação na elaboração de horários e organização de actividades.

Recomenda-se a definição de regras relativas à remuneração, designadamente a fixação de um valor mínimo por hora, calculado a partir do valor atribuído aos professores contratados, com base no índice 126 quando possuam habilitação igual à licenciatura ou índice 89 nos restantes casos.

Bom, agora começo a ficar mesmo preocupado: afinal a planificação sempre faltou, a qualidade sempre deixou a desejar, o recrutamento do pessoal sempre foi difícil ou feito sem participação activa das escolas e os pagamentos foram feitos ad hoc e quase sempre abaixo de qualquer tipo de tabela regulamentar?

Afinal de contas será que as críticas que, desde o início, foram feitas a esta iniciativa e à forma apressada e desencontrada como decorreu estavam certas?

Que não nos falhe nada e não comecemos por aí a falar em férias, que ainda aparece a tutela a puxar as orelhas aos Executivos e os críticos da ordem a chamar a atenção para os “privilégios” dos docentes.

Para além de ter de planificar o terceiro período já com base na informação nada tardia sobre a data das provas de aferição de Língua Portuguesa para o 6º ano (afinal o ME só em Março se decidiu que seriam dia 22 de Maio, faltando ainda os critérios que as irão nortear, mas o que interessa isso?), a ideia é colocar algumas leituras em dia que se vão acumulando. Há uns tempos um leitor chamou-me a atenção para a desnecessidade de tal actividade para a boa docência de acordo com o novo modelo do professor generalista, mas há hábitos que não se perdem.

Vamos então por partes:

1. O Dever

Antes de mais as obrigações. Dia 16 de Abril lá vou eu para a defesa do doutoramento na Reitoria da Clássica. Vai ser estranho, pois só lá entrei um par de vezes e a caminho da Aula Magna. Entretanto, e como de costume, um par de meses depois da entrega do cartapácio, lá me sai esta colectânea de textos sobre o “estado da arte” na área da História da Educação e logo com um artigo de um dos membros do júri. Inevitável e imprescindível a leitura. Adivinha-se, no mínimo, moderada polémica sobre algumas das minhas opções metodológicas e discursivas.

2. O Puro Prazer

No género amadurecido da graphic novel que vai para lá do bang-bang, este Fun Home de Alison Bechdel, autora de BD assumidamente gay, foi considerado nos EUA como um dos melhores livros do ano de 2006, por publicações como o New York Times ou a revista Time que o elegeu mesmo como o melhor. Banda desenhada autobiográfica extraordinária pela narrativa e não só. Duzentas e muitas páginas ao nível do Maus e bem acima do Sin City ou V for Vendetta. Independentemente do tema controverso, a abordagem de uma família e adolescência algo disfuncionais e emocionalmente desiquilibrada é bem melhor que muitos tratados psicodoces.

3. O Possível Lazer

Não há que ter falsas esperanças. O tempo é curto, a disponibilidade mental está em níveis baixos nesta altura e não vale a pena um tipo decidir que é desta que se acaba a Guerra e Paz, encalhado há anos no 1º volume da velha edição do Círculo de Leitores. No Fun Home lê-se a certa altura que um tipo descobre que está na meia idade quando toma consciência que não vai ler integralmente o Em Busca do Tempo Perdido do Proust. Se é por isso já estou na meia idade deste os meus late twenties. Ainda tenho esperança de reler o Crime e Castigo ou o Moby Dick, mas por agora fico-me mesmo por short stories e não se fala mais nisso: Dorothy Parker e Truman Capote para afiar as garras da ironia, embotadas nos últimos tempos pelo nevoeiro que nos cerca.

Passado o bruááásobre a designação de Salazar como O Maior dos Portugueses de Todos os Tempos e Mais Alguns (na verdadeira dimensão das palavras, terá sido um moçambicano, mas…), decidi ir espreitar os dados da sondagem encomendada com todos os quesitos “científicos – apesar das limitações que bem sabemos que estas coisas também têm – sobre o mesmo tema à Eurosondagem e disponível no site da RTP.

Ora bem, fiquei mais descansado porque na sondagem o meu Afonso Henriques lá ganhou, seguido do Camões e do Infante D. Henrique. Cunhal e Salazar na metade baixa da tabela e tudo parece quase normal.

Depois fui ver os vários quadros com o desdobramento dos dados por sexo, região, idade, etc, etc, e deparei na página 12 com um quadro que me despertou a atenção e me fez ver tudo isto a uma nova luz.

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Se repararem bem nesse quadro, são os mais novos (14-24 anos) que votam maioritariamente nas figuras “históricas” do passado mais remoto com destaque para os ditos Afonso Henriques e Camões, enquanto os mais velhos são os que optam mais por Salazar e Cunhal. A variação nos outros seis candidatos é claramente menor.

Ora isto fez-me puxar a brasa à minha sardinha académica e profissional e achar que a explicação para isto está na forma como os programas de História estão concebidos, na dificuldade de os dar na totalidade e no sacrifício que normalmente é feito na parte relativa à História mais próxima.

Eu explico melhor: depois das pinceladas dadas no 1º ciclo, na disciplina de História e Geografia de Portugal, a Fundação da Nacionalidade e os Descobrimentos dão-se sem grandes dramas no 5º ano; se necessário for completar um pouco o século XVI, usa-se uma parte do 6º ano. Mas dá-se. Já o final do século XX, em especial aquela parte final do Estado Novo e o 25 de Abril é muitas vezes dada algo apressadamente e a miudagem fica com uma ideia demasiado acelerada e pouco detalhada de quem era afinal o Salazar e do Cunhal nem ouve falar.

No 3º ciclo, as matérias que envolvem o Afonso Henriques, o Camões e o D. Henrique voltam a dar-se, normalmente entre o final do 7º ano e inícios ou meados do 8º ano, conforme os acidentes de percurso. Já no 9º ano é muitas vezes necessário recuperar conteúdos em atraso e o século XX é de novo dado de forma algo amputada. Pode não ser sempre assim, mas acontece muitas vezes que, por causa das provas globais (que agora já podem ou não existir) e dos exames, se dê a matéria ali até ao final da 2ª Guerra Mundial, a fundação da ONU e eventualmente a Guerra Fria, mas fica quase sempre de fora – salvo quando os docentes aproveitam o tema para assinalar a passagem do 25 de Abril – a segunda metade do século XX. O que, pelos vistos, tem insuspeitadas vantagens até eu ler a dita sondagem.

Porque a malta nova parece reter muito melhor a informação dada e repetida com calma sobre os tempos mais remotos do que aquela que corresponde à História mais recente. Isso explicaria porque são os mais novos a admirar figuras mais vetustas, enquanto os mais velhos preferem escolher figuras mais recentes e suas contemporâneas, abdicando da História propriamente dita.Por isso há esperança. E a esperança surge de onde menos se espera. Do incumprimento dos programas de História, resultado da sua deficiente organização e da profunda falta de carga horária semanal para conseguir despachar todo o programa a tempo e horas.

O que, de algum modo, salva a juventude de alguns males. De Salazar, por exemplo, que acaba por surgir quase só como um Ministro das Finanças algo fanático com as contas, mas não muito mais do que isso. E porque os programas, em especial do 9º ano, enveredam pela associação do Estado Novo aos movimentos nazi-fascistas dos anos 20 e 30 na Europa, a especificidade do salazarismo não é sublinhada e a figura de Salazar passa mais despercebida do que se esperaria.

Portanto, e contrariando completamente a intelequetual Clara Ferreira Alves, a vitória de Salazar no concurso não é sinal nenhum de ignorância. A clara derrota de Salazar na sondagem é que é esse sinal de ignorância. Na forma como está, a organização curricular do Ensino Básico protege a nossa juventude de conhecer Salazar e reter informação relevante sobre ele, comparativamente a outras figuras da nossa História.

Só pode ser assim. Porque a hipótese contrária apontaria para um bom trabalho dos docentes de História que educaram estes jovens dos 14 aos 24 anos, fazendo-os perceber a importância relativa de cada período e o papel de cada personalidade histórica.

E isso – bom trabalho e competência dos docentes de História, ou de quaisquer outros – é hipótese que actualmente pouca gente aceita como válida ou se lembraria vagamente de evocar.

O problema com o WordPress, causado por umas irregularidades no painel de controlo que me impediam de postar texto mas apenas títulos, desapareceu com o bater da meia-noite. Pronto, já não preciso de ir a correr à farmácia de serviço buscar os calmantes.

Os funcionários públicos que venham a receber uma classificação de desempenho negativa vão ser obrigados a frequentar acções de formação profissional. (DN de hoje)

A autonomia das escolas deve, pois, ser encarada como instrumental em relação aos objectivos profundos da educação escolar. Se no fim deste esforço todo não houver uma melhoria da educação concreta oferecida nas salas de aula e nos outros espaços educativos às crianças, adolescentes e jovensm todo este esforço se torna, de facto, inútil. A discussão sobre a autonomia das escolas não pode, pois, centrar-se apenas na configuração do modelo normativo, apenas no projecto educativo ou no regulamento interno enquanto meros documentos exigidos pela Administração para o funcionamento das escolas e descurar os aspectos fundamentais.

Na verdade, o modelo normativo, por si só, não transforma as escolas. Com efeito, há várias escolas que funcionam bem independentemente do modelo (…).

Em síntese, a retórica neoliberal da modernização, da eficiência, da eficácia, da excelência, etc., recorre a um tom pragmático, apelativo e mobilizador, do tipo “é necessário!”, “é urgente!”, “é imperioso!”, criando assim uma “azáfama da mudança”. Todo este frenesim de mudança casa perfeitamente com a cultura do cumprimento do dever do funcionário público e como o militantismo das “grandes causas” (…) mas não permite, no entanto, saber o que realmente mudou. Na prática, o que esta retórica faz é ocultar os constrangimentos e colocar o ónus da ineficácia, da ineficiência e do insucesso das políticas educativas nas mãos dos professores, dos pais, das autarquias e dos outros actores envolvidos em projectos e experiências de inovação. Isto porque, apesar do pragmatismo e das supostas “possibilidades ilimitadas” dos actores inscritas nessa retórica, o sistema educativo, nas suas práticas administrativas quotidianas, mantém o centralismo, a lentidão, a impessoalidade e a uniformidade burocráticas, pressionando mais no sentido da conformidade à norma do que no sentido da iniciativa autonómica e da diversidade. (João Formosinho e Joaquim Machado, “Vontade por Decreto, Projecto por Contrato: Reflexões sobre os contratos de autonomia” in Políticas Educativas e Autonomia das Escolas. Porto: Ed. Asa, 2000, pp. 98, 112)

Isto ainda continua plenamente válido. Mas na página 6 de o boletim dos professores ficamos a saber que um dos autores (João Formosinho) destas linhas e de outras igualmente ajuizadas, ponderadas e lúcidas está a coordenar o Grupo de Trabalho de Projecto de Desenvolvimento da Autonomia das Escolas, pelo que poderá haver esperança. Ou não?

A rábula de ontem, com António de Oliveira Salazar a vencer por larguíssima margem Álvaro Cunhal e Aristides de Sousa Mendes (os do pódio), na escolha para O Maior Português de Todos os Tempos, tem elementos que para mim não são especialmente inesperados ou sequer perturbadores, antes revelando muito sobre aquilo que somos. E isso não muda muito se acreditarmos que a sondagem foi ou não condicionada por estratégias de votação concertada.

Nas leituras de Eduardo Lourenço e José Gil sobre Portugal e os portugueses encontramos boa parte da explicação para esta mistura de saudosismo e memória curta, de retórica em prol da liberdade mas ânsia da segurança providenciada pelo autoritarismo (não confundir com autoridade), de desenrascanço individualista e fascínio por figuras salvíficas e regeneradoras.

Não acredito que existam mais de 40% de salazaristas em portugal, mas acredito que talvez existam 80% de portugueses que viveriam em mansidão uma situação de ditadura suave. Para os que acham que o affair Salazar é apenas o resultado de uma manipulação feita por um grupo de activistas – mais eficaz do que aquele que levou Cunhal ao 2º lugar – eu faria notar que nos 10 seleccionados a maioria correpsonde a figuras a oscilar entre o ditador, o proto-ditador e o governante mais ou menos sanguinário: se nos afastarmos do século XX, seria bom notar que o Marquês de Pombal ou D. João II não foram meninos de coro. Que mesmo o meu estimado Afonso Henriques, apesar da desculpa dos tempos de então, estava longe de ser homem de bom feitio.

Claro que depois a selecção final apresentava os vultos dos Derscobrimentos da ordem, no fundo os pais da globalização, e os poetas maiores de um país que se diz de poetas porque gosta de se singularizar por uma cultura que a maioria desdenha.

Mas o que me interessa é que a vitória de Salazar, sobressaltos epidérmicos à parte, se for encarada sem traumas e medos significa várias coisas, todas relativamente importantes e muito interessantes para nos revermos ao espelho, pois não é credível que na Alemanha, Itália ou França, que têm movimentos de extrema-direita bem mais populares e activos que nós, Hitler, Mussolini ou Pétain vencessem um concurso deste tipo.

  • O apagamento gradual da Memória-História tem custos destes. Assim como a sua construção, quando percepcionada como facciosa, tende a despertar movimentos de recusa. Como incipiente elemento da comunidade de historiadores – nem sei se mereço tal designação e conheço mesmo que ache que a não mereço – sou obrigado a reconhecer o péssimo trabalho feito nesta matéria por muitos daqueles que partilham a minha formação e em especial aqueles que trabalham em História Contemporânea. Virados para a auto-justificação do seu passado e para a demonstração militante dos malefícios do Estado Novo, raramente ajudaram a compreender porque é que ele, mais do que acontecer, permaneceu. Empolar episódios muito afastados no tempo de contestação e demonizar o adversário de forma pouco reflectida são formas erradas para tratar estas questões. Se tentassem compreender os fenómenos em vez de os tentar demonstrar, dando como adquiridos certos aspectos apriorísticos, entre os quais uma generalizada reprovação política e moral, talvez conseguissem um melhor resultado. Por outro lado, também é verdade que o esforço que nas últimas décadas se fez por diminuir a relevância académica e social da História – sendo evocada apenas para questões comemorativas e de instrumentalização política – por parte do poder político acaba por deixar o passado como algo distante e “morto”, como se não fosse útil para compreendermos os nossos dias. O que está obviamente tão errado como tentar encontrar na História lições de eterno retorno.
  • Como povo os portugueses toleram bem uma ditadurazinha, em especial se a percepcionarem como “benigna”, em nome da “salvação da Pátria”, justificada pelo combate aos “abusos” e principalmente direccionada contra os “outros”. Salazar não governou Portugal 40 anos derrotando sucessivas conspirações para o afastar e oprimindo um povo esmagadoramente hostil à sua acção. Essa teoria, muito boa para nos lavarmos e desculparmos nela, é francamente curta. A verdade é que Salazar governou Portugal com uma aquiescência e complacência gerais, apenas sendo perturbado pelas franjas políticas e sociais que ele mais directamente reprimiu ou que, por imperativo ético, se lhe opuseram por questões de princípio. O português suave foi-se deixando ficar, emigrando de forma resignada para tentar viver melhor ou tentando organizar a vidinha cá dentro, e só começou a despertar quando as coisas azedaram e a guerra bateu à porta. Não houvesse Guerra Colonial e tivesse chegado Salazar mais novo ao poder e o Estado Novo teria perdurado bem mais uma década.
  • Este tipo de fascínio mórbido pela figura de Salazar, que um habitualmente detestável e arrogante Jaime Nogueira Pinto soube pincelar com as tonalidades certas para o nosso momento histórico, deriva com naturalidade da pequenez dos políticos que se lhe foram sucedendo, com destaque para os últimos 15 anos, cada vez mais cheios de gente sem carisma fora do ecrã televisivo, sem percurso pessoal e profissional relevante, sem projecto que não o carreirismo, sem qualidades para além da ascensão nos aparelhos partidários. A crescente abstenção foi sendo um sinal que muitos quiseram ler de forma errada, desde a eplicação da abstenção “técnica” devida à não limpeza dos cadernos eleitorais até à abstenção por comodismo e apatia. Mas o problema mais fundo é que muitos portugueses deixaram de ver nos políticos figuras modelares com sentido de serviço ao Estado (boas ou más, não interessa agora esse juízo moral), mas meros figurantes ocasionais em trajecto para algo que melhore a sua própria vida, sacrificando qualquer coerência em por de interesses particulares. Daí igualmente o fascínio por Cunhal, reflexo mimético de Salazar. O cinzentismo, embora com algum receio, fascina-se pelas cores fortes, assim como desde os meus tempos adolescente as meninas bétinhas perfumadas se embeiçam por punks ou metaleiros mal-lavados. Guterres e a fuga do pântano e Durão Barroso e a fuga da tanga foram apenas os epígonos da pequenez de uma classe política nacional, cheia de pseudo-génios sebastiânicos (Vitorino, Borges), de egos inchados sem capacidade de auto-crítica (Santana, Portas, Carrilhos, Soares jr), de gente que se cala em troca de um passeio régio pela Europa (Ferro Rodrigues, Cravinho, mesmo o Soares sr, estando por saber se a sua queda em desgraça não começou no dia em que quis ser Presidente do Parlamento Euopeu) ou que adere a toda a Situação desde que renda lugares de algum destaque (aqui os que restam não cabiam num parênteses civilizado) ou um futuro lugar num grupo económico (seria um parênteses ainda maior, com muitos ex-cunhalistas à espreita).

Portugal é o que é e nós somos o que somos. Há quem me critique por parecer fatalista, por aderir com aparente facilidade ao fado do portuguesismo mítico, à aparente inevitabilidade dos condicionalismos ditados pela mentalidade portuguesa.

Eu cada vez acho mais que apenas mudamos a fatiota e qualidade dos automóveis e algumas casas. Vivemos uma aparência de evolução, mas cá dentro continua o bom e velho portuguesinho que ao fim de décadas ainda escarra no chão – agora acompanhado pelo cãozinho defecante – só dá o litro de chibata no lombo, sendo que encara isso com toda a naturalidade, até o momento em que acha que a chibata lhe anda a bater mais a ele do que aos outros. Desde que a chibatada pareça bem espalhada, a malta continua a dar ao remo nas galés sem se revoltar e/ou cansar. O que de certa forma nos explica Sócrates e a sua visível popularidade nas sondagens…

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