Só para confirmarmos a linda situação a que se chega quando se deixam assuntos sérios – e eu qualifico a Educação como algo sério – nas mãos de quem não se deve.
A Câmara de Lisboa decidiu, há uns tempos, contratar uma empresa (a Know-How) renascida ao que parece de forma bem rápida depois de há muito estar inactiva (este post do Fliscorno é muito informativo a esse respeito), da notória socialite da linha Cascais-Lisboa, cronista por vezes, escritora de nomeada e agora também empresária Maria João Lopo de Carvalho, para assegurar as Actividades de Enriquecimento Curricular na área da Língua Inglesa. Sendo que a dita era ainda assessora da própria CML à data da celebração do contrato.
Chegamos agora ao 3º período, os compadres e as comadres zangaram-se (quando falta o pão é o que dá, mesmo nas melhores famílias…) e vai de trocar acusações: a empresária queixa-se que não lhe pagam e assim as actividades acabam; o gabinete do vereador acusa-a de sobrefacturação. Entretanto, o dinheiro para os pagamentos já terá sido alegadamente diosponibilizado pelo ME à CML.
Perante isto alega-se que 4000 crianças arriscam-se a ficar sem as tais AEC e 50 professores contratados pela empresa sem salários.
Ora em todo este imbróglio, eu gostava de saber os seguintes detalhes adicionais, a mero título de curiosidade:
Qual o método de selecção da dita empresa?
Qual o montante acordado entre as partes para a prestação do dito serviço?
Qual o montante pago pelo ME para financiar tais actividades?
Qual o valor das remunerações pagas aos(Às) professore(a)s ao serviço da Know-How?
Quais as habilitações académicas e qualificações profissionais desse(a)s docentes?
O que será que um próximo relatório deste tipo terá a considerar sobre este tipo de situações, que estão longe de se limitar a Lisboa?
É que a fazer crença dos números (sigo de novo a informação rica do Fliscorno) que se conhecem sobre o pagamento médio do ME para cada aluno (100 euros anuais), os 4000 alunos a cargo da Know-How deverão render algo como 400.000 euros. Ora se a empresa por dois períodos reclama apenas 120.000, supõe-se que ao fim de três períodos a coisa fique pelos 180.000 no máximo (uns 150.000 se acreditarmos nos valores que a CML considera válidos). O que deixa mais de 200.000 euros a abanar por aí.
Mas existem ainda outras contas a fazer. Se o valor a pagar pelas actividades do 1º período andará entre os 50.000 e os 60.000€, e se a Know-How tem 50 docentes ao seu serviço, isso significa que, no máximo dos maiores máximos – e isso seria de molde à empresa não ter lucros, o que não é credível – cada docente teria direito a receber 1000€ pelo trabalho de todo um período, ou seja de 3-4 meses. Os quais, pelos vistos, ainda ninguém terá recebido.
Em tudo isto, expliquem-me quem, afinal, fica a ganhar com o negócio: os docentes proletarizados, os alunos sob ameaça de ficarem sem as AEC? Aceita-se a melhor proposta
E tudo isto tem algo que ver com a peça do DN de ontem. Porque se percebe que, em matéria de blogosfera, os professores correm agora o risco de aparecerem como uns despudorados maledicentes, que aproveitam este espaço para, “pelas costas”, se vingarem de alunos e encarregados de educação. Aliás, foi isso que me pareceu que poderia ser inicialmente a linha condutora da peça. O que eu achei injusto e que, no final, acabou por não ser – felizmente e na minha opinião, que nem todos partilham – o seu tom; ou que pelo menos surgiu mais condimentado.
Mas para maior clareza aqui ficam as perguntas que me foram, num segundo momento, apresentadas (acho que não cometo qualquer inconfidência nesta matéria):
As questões que lhe queria colocar são as seguintes:
1. Para que servem estes blogues?
2. Terá uma ideia de quantos existem?
3. Desde quando?
4. Será justo que os professores usem estes espaços para “dizer mal” dos alunos mais mal comportados, das direcções de turma que lhes dão mais trabalho?
5. Serão estes blogues lugares de confissões? Espaços onde dizem aquilo que não podem dizer aos alunos e pais?
As minhas respostas foram as seguintes (sendo que agora corrigi algumas gralhitas malandras, causadas pela pressa, assim como vou destacar umas partes):
1 – Estes blogues cumprem diversas funções, sendo que todas confluem na lógica da criação de uma rede de contactos e intercâmbio de experiências e reflexões, que alargam os horizontes dos docentes, por vezes muito isolados na sua prática profissional individual mais ou menos localizada. Temos de tudo: desde relatos confessionais sobre o quotidiano a análises gerais da política educativa, passando por notas de carácter cultural (leituras, filmes, outro tipo de propostas) ou por um activismo de feição mais política, sendo que os assuntos se espalham com um peso diverso, por vezes nos mesmos blogues. Alguns são mais facilmente enquadráveis, outros dificultarão mais a sua classificação.
2 – Nunca tentei recensear os blogues sobre Educação, mas se fizer um apanhado global pelos passeios que dou pela blogosfera, e se incluir todos os níveis de ensino, diria que serão algumas centenas. Talvez não cheguem as 500, mas uns 200-300 activos seria o meu exercício de adivinhação.
3 – Os blogues começaram, na sua multiplicidade, desde 2003, mais coisa menos coisa. Essa é a minha própria experiência com um blogue anterior também sobre temas educativos, que era apenas uma espécie de ensaio. O “boom” terá acontecido no último par de anos (2005 em diante). Em termos de registo de audiências e actividade o fenómeno cresceu em função da agenda governamental para a Educação e isso notou-se em especial durante 2006.
4 – O que “é justo” ou não abordar num blogue é algo de escorregadia definição e delimitação. Note-se que muitos blogues confessionais por vezes roçam o exorcismo pessoal de experiências traumáticas, que é necessário colocar fora para manter um mínimo de sanidade, exactamente perante situações que se encaram como “injustas”. Não só em matéria de relações com alunos, como com colegas, encarregados de educação, a tutela, etc. etc.
Não é o meu registo, mas não o critico de forma muito acesa, pois também conheci blogues de encarregados de educação que se preocupavam apenas em ofender os docentes, em abstracto, e em vir a blogues de professores para os atacar pessoalmente. Comigo aconteceu um par de vezes, pois não limito os comentários (como muitos colegas se viram obrigados a fazer), mas a coisa resolveu-se quando os atacantes perceberam que não era esse o tipo qde registo que pretendia. O WordPress permite ficar com o mail dos comentadores e as coisas esclareceram-se em off.
5 – Já respondi a isto mais acima, pelo menos em parte. Alguns blogues são lugares de confissão. Acho que só uma minoria serão causados pela necessidade de dizer o que não é dito aos alunos e pais. Voltando ao meu caso pessoal, como não costumo guardar esses dilemas para casa, talvez explique que faça poucos posts desse tipo e me concentre mais em criticar os discursos sobre a Educação e em desmontá-los para além da superfície. Ou tento. Mas acredito que muita gente sinta necessidade de exteriorizar aquilo que por vezes ninguém parece reconhecer de doloroso que se passa com muitos docentes, e que os blogues tenham permitido encontrar algum conforto e estabelecer redes (mesmo que virtuais) de reconforto.
Ao que, passados alguns minutos, acrescentei:
Vou abusar da sua paciência e à moda dos “políticos” dar a resposta para a pergunta que não me fez directamente e que é a razão de ser mais profunda de muitos blogues, para além do que assoma à superfície. Pelo menos foi por isso que eu, por exemplo, passei a escrever com alguma frequência. É que perante a investida do Min. Educação que apresentou os profes como os maus da fita, usando uma estratégia comunicacional cerrada e que, sempre que necessário, retorceu os números, adiantou conclusões com base em estudos nenhuns e declarou como certas fórmulas por demonstrar, muitos docentes sentiram-se isolados perante a opinião pública. No seu “estado de graça”, o Governo e a Ministra foram aplaudidos como heróis salvadores, gente de visão, disciplinadora, firme e com ideias boas para o sector. Ora muitos de nós sabem que nada de mais falso existe. Isto agora já se vê e ver-se-á melhor mais tarde. Mas em 2005 e 2006 os professores foram os maus , os “privilegiados”, os pequenos déspotas, os malandros que progrediam sem mérito na carreira. Ninguém – salvo excepções como o José Gil ou o Manuel António Pina – surgiram em nossa defesa. A comunicação social foi no barco e nós sentimo-nos sós como nunca, sendo que somos muitos. E por acaso o maior corpo profissional do Estado com qualificações superiores, na maioria dos casos ao nível da pós-graduação.
E a reacção passou pela blogosfera.
E pronto. E ainda é isto que eu acho sobre o assunto, sendo que não me senti “ofendido” pelo tom da peça que, no final, acabou por não dar só um dos lados da questão.
Eu não tenho qualquer tipo de problema em assumir que considero que, por muito que nos custe, a “imagem” é fundamental nos tempos que correm para fazer passar uma qualquer mensagem. Não vou concretizar, fulanizando a questão porque parece mal, mas a verdade é que muitas vezes, com a roupagem certa, uma péssima ideia passa por razoável, enquanto uma boa ideia, apresentada de forma displiscente e desleixada, não convence ninguém.
Vivemos no Império do Efémero ou mesmo numa Era do Vazio sobre que escreveu o Lipovetsky e temos que nos habituar a isso. Lamento, mas é a vida. Por isso mesmo me preocupo com a forma como a classe docente vai surgindo representada no imaginário colectivo por obra e graça da tutela e de alguns grupos sociais restritos, mas com um poder de propagação das suas opiniões muito acima do seu valor absoluto ou relativo.
Isto não é um fenómeno novo. O da tentativa de fazer passar uma má imagem dos docentes. Eu já há muito tempo que ouço as chamadas “bocas” de que, achando-se acima, gosta de apoucar o trabalho dos docentes, aproveitando para misturar a conversa dos privilégios, com a da facilidade da função, não esquecendo uma atitude de alguma sobraceria intelectual. Desde sempre que reajo de forma correspondente, desafiando quem assim opina a demonstrar a validade das suas críticas e o valor acrescentado da sua função específica. Do género, mostra-me o tamanho da tua, que eu mostro-te o da minha. E quase sempre funciona e raramente a conversa se repete com o mesmo emissor.
Nestas situações não me interessa se há docentes efectivamente incompetentes, impreparados ou inadaptados, a merecerem requalificação. Porque nas generalizações que fazem a denegrir a imagem dos docentes, também se esquecem de ressalvar que nem todos somos ineptos, que muitos demonstram enorme dedicação aos seus alunos, que se esforçam por se actualizar contra ventos e valteres lemos, que funcionam como primeiro travão contra a exclusão social, que fazem de psicólogos, assistentes sociais.
E, de caminho, como gostam de apresentar os professores todos estes inteligentes e iluminados:
Como uma massa amorfa de gente que é professor(a) porque não sabe fazer outra coisa, que estagnou na vida e ficou sem outros horizontes profissionais.
Como um conjunto de maus profissionais, absentistas relapsos, sempre à espreita de uma hipótese e uma via legal para faltar ao trabalho.
Como profissionais de um ofício “que qualquer um saber fazer“, pelo menos na boca daqueles que nunca o exerceram ou que por ele passaram de raspão.
Como um grupo profissional sem capacidade de organização, fragmentado em não sei quantos sindicatos, mas facilmente manipulável por um par dels.
Como gente que foi progredindo na profissão, sem demonstração de mérito, de forma acomodada.
Paradoxalmente, ou como agentes de um autoritarismo arbitrário sobre vítimas ou como vítimas, coitadinhas e indefesas, de situações de indisciplina que os ultrapassam.
Ora a minha experiência pessoal, individual, de pessoas que me são chegadas em termos familares e/ou de amizade, e de muitas outras que fui conhecendo ao longo de duas décadas de docência e uma dezena de estabelecimentos de ensino, assegura-me que esse conjunto de “maus profissionais” é uma minoria e que, em muitos casos, nem sequer leccionam e ocupam postos de responsabilidade, nomeadamente ao nível da gestão de alguns estabelecimentos de ensino, ou em cargos de “confiança”, os chamados “tachos”, que agora irão dar muitos pontos para serem titulares. Mas, apesar disso, são uma minoria. Diria que 10% serão casos irrecuperáveis ou dificilmente recuperáveis. Só que esses não são os alvos preferenciais da acção “moralizadora”, visando “premiar o mérito” ME. pelo contrário, essa acção irá recair de forma mais punitiva exactamente sobre aqueles que mereceriam mais apoio e que, em virtude da sua dedicação, acabaram por “queimarem-se” e entrarem em processos de burnout. A recompensa para esses, pelo que vou vendo e ouvindo, vai ser um bilhete de ida sem qualquer agradecimento.
Por isso mesmo, acho que a classe docente não tem – proporcionalmente – piores profissionais que outras ocupações profissionais de responsabilidade. Tenho testemunho directo de muito pior desempenho de médicos ao longo da minha vida do que de professores, por exemplo. Mas isso não me faz lançar anátemas sobre toda a classe médica. Não tendo, de igual modo, a acreditar que todos os licenciados em engenharia se formam pelo método socrático na Independente, ou que todos os advogados são meros habilidosos, com tanto maior sucesso, quanto consigam empatar os processos até que sejam arquivados ou que as provas da acusação sejam consideradas nulas. Os vários processos em decurso, da Casa Pia ao Apito Dourado não chegam para isso.
Não sei se tenho demasiadas preocupações com a “imagem social” dos docentes. Acho que tenho a mesma preocupação que um médico, um enfermeiro, um taxista ou um juíz terá com a sua. E acho que isso é legítimo e que, embora passível de crítica, é mais do que compreensível. E considero ainda que tenho o direito a exigir respeito das pessoas que tutelam a Educação que, essas sim, nunca revelaram especial mérito para ocupar os postos que ocupam. Assim como também mereço – e todos merecemos – respeito por parte daqueles que, sem o demonstrarem, se acham “superiores” aos docentes do ensino não-superior, sejam, eles académicos de pacotilha ou empresários de sucesso à base do subsídio.
Antes de mais, e para além do conteúdo online, encontrem a edição em papel, onde o texto central está complementado com a referência explícita a mais meia dúzia de blogues e a citação de excertos.
O tom da peça não é certamente o que muitos de nós desejariam, mas quer-me parecer que a coisa originalmente até era para ter sido bem pior. Penso que a jornalista depois de contactar alguns dos autores de blogues (quantos não sei…) terá, no mínimo, moderado bastante o que pensei que poderia vir a ser catastrófico em termos da nossa imagem.
Cabe-nos a todos nós inverter uma imagem que está difundida na comunicação social e em muita opinião publicada, que é muito negativa para os docentes, apresentando-nos ou como “privilegiados”, ou “vítimas”, ou “incompetentes”, ou “coitadinhos”. Se não formos nós a assumirmo-nos como profissionais dignos de respeito e enfrentarmos claramente quem nos amesquinha, ninguém o fará por nós.
Sempre que leio ou vejo entrevistas da Ministra da Educação sinto uma sensação de estranheza pelo conteúdo que me remete para algumas obras de ficção científica que li entre a adolescência e a idade adulta. Não daquela que mais aprecio (Philip K. Dick, Robert Heinlein, Ursula Le Guin, Philip José Farmer, Robert Silverberg, etc) mas mais daquela que, na ânsia de criar novos e inacreditáveis mundos, em vez de nos fazerem entrar no maravilhoso mundo da «suspensão da verosimilhança» só nos acabam por desanimar perante a falta de imaginação para criar verdadeiras realidades alternativas, ficando pela mera fancaria.
Nas entrevistas de Maria de Lurdes Rodrigues tende sempre a existir um elemento de estranheza e irrealidade que me faz pensar que não partilhamos a mesma realidade, a mesma forma de alinhavar um raciocínio, o mesmo tipo de olhar sobre o mundo. Não percebo se somos de espécies diferentes – e eu serei uma alienígena – se apenas existe um registo perfeitamente incompatível na forma de encararmos os mesmos fenómenos.
Na entrevista da Visão vou isolar alguns dos elementos que me causam maior pasmo ou incredulidade, ao nível do “mas que raio é do que se está a falar, que eu não estou mesmo a ver”. Vou tentar não citar de forma pouco contextualizada, para não cair naquela acusação recorrente de a caricaturarmos, pois citando-a de forma extensiva é a melhor forma de obtermos a tal caricatura.
Comecemos pela gestão do património escolar. Passo adiante a prosa sobre a falta de investimento na sua recuperação e no facto de as promessas ultrapassarem o prazo desta legislatura, o que inviabiliza – de acordo com os puristas da teoria da prestação de contas em eleições – que em 2009 possamos saber se o prometido foi devido. Fico-me pela forma como MLR exemplifica como os órgãos de gestão das escolas podem rentabilizar os seus espaços, percebendo-se a origem peregrina da ideia dos “casamentos e baptizados”.
Vou só contar uma história que presenciei no Brasil. Era uma escola situada num morro e o espaço mais qualificado da favela. Era ali que se realizavam os baptizados e casamentos. O terreno para construção, era o mais próximo da escola. As casas já nem estavam viradas para a rua, mas para a própria escola. Temos uma realidade diferente, mas quando a escola é o espaço mais qualificado, tanto mais importante são estas práticas.
Nesta passagem, MLR arruma de forma perfeitamente inconsciente todo o mito de um Portugal moderno e desenvolvido. Mesmo quando assume que não vivemos todos numa imensa favela, acaba por achar que em muitos locais – basta ler a pergunta que vem antes – a Escola é o espaço mais qualificado. Pois é. O que não deixa de ser triste. E isso acontece muitas vezes em pequenas aldeias que a partir de agora irão ter esse «espaço qualificado» fechado. Isto no caso das EB1. Se nas vilas com uma EB 2/3, esse é o espaço mais qualificado da povoação, isso é um tremendo atestado de terceiro-mundismo ao nosso país, em especial atendendo ao estado em que muitas se encontram. Por outro lado, MLR parece ter percebido tudo sobre as favelas brasileiras, nomeadamente a razão da inflação do valor dos terrenos. Terá despercebido que o maior valor se deverá não necessariamente, ou apenas, à proximidade da escola, mas sim, se é verdadeira a descrição feita, ao facto de essa ser a zona mais elevada da dita favela.
Quando se passa para a questão da desertificação do interior e no papel que o encerramento de diversos serviços por este governo, incluindo escolas, terá no seu agravamento, MLR responde desta forma:
O que lhe digo é que o interior já está abandonado. (…) Não tenho a certeza, não é a minha especialidade.
Pois o problema é exactamente esse. A falta de fundamento de muitas crenças apresentadas como inquestionáveis. Se não é a sua especialidade, sendo socióloga, será que sendo Ministra poderia ter alguma espécie de assessoria nessa matéria? E já agora não andar todos os anos a empurrar os miúdos de escola em escola?
Em seguida entramos na parte da análise das consequências do novo ECD para os docentes e MLR baralha-se por completo, com as clássicas frases demagógicas sobre a progressão dos docentes que não davam aulas e que agora vão-se valorizar os mais experientes. Leiamos:
Agora, o importante é a experiência. O antigo estatuto consignava que bastava o tempo passar, tendo ou não dado aulas, tendo ou não estado doente. Foi isto que procurámos inverter. Serão titulares os mais experientes, e a experiência tem de ser avaliada e comprovada.
Julgo que seja por isso que os quadros destacados no Ministério recebem quase tantos pontos como os docentes efectivamente em exercício nas Escolas (6 e 8 pontos por ano lectivo, respectivamente) e que um docente que ocupe um lugar de gestão como Presidente de Conselho Executivo durante dois mandatos de 3 anos, se acumular isso com a Presidência do Conselho Pedagógico, passa quase automaticamente a titular sem ter dado uma aula em todos esses anos. Em contrapartida, quem tenha dado aulas os sete anos da avaliação, sendo director de turma – sendo estas as funções que mais directamente colocam os professores em contacto com alunos e famílias – não tem hipótese nenhuma de chegar a titular, caso tenha tido um acidente de carro, ou caído na própria Escola, e partido uma perna que o imobilizasse 3 meses distribuídos por dois anos lectivos. Pior, um docente agredido que tenha necessitado de acompanhamento e recuperação por danos psicológicos, ainda é penalizado na sua progressão. Para além de quem MLR falseia por completo a forma como antes se processava a progressão, que dependia da frequência com aproveitamento em acções de formação validadas, certificadas e creditadas por quem? Pelo ME, claro está! Mas isto é omitido e os “jornalistas” não dão por nada.
Tudo extremamente coerente numa realidade alternativa à minha. Mas claro que a Ministra reafirma que nas escolas as situações que descrevo não sucedem, que tudo (por exemplo no caso da violência) é belo e seguro, mesmo se os factos que a contradizem são por demais evidentes.
Por fim, e porque isto vai longo vou-me ficar por esta sequência de pergunta resposta:
P: De quantos professores titulares vai precisar o Ministério da Educação? R: Muitos mais do que as escolas precisariam. Os cerca de 30 a 33% previstos dão de uma enorme generosidade. Se olhássemos para a necessidade das escolas, 10% chegariam.
Já em post anterior tentei demonstrar até que ponto este cálculo dos 10% é uma imensa asneira, um disparate, uma atoarda, uma completa demonstração de desconhecimento. Agora prefiro concentrar-me em outro nível, que é o da linguagem usada por MLR:
Generosidade?
Generosidade?
Importa-se de repetir? Mas quem é que disse à excelentíssima senhora Ministra que ela é uma dama feudal com o poder do dom? Da dádiva?
E que todos somos seus vassalos?
Deveremos estar todos contentinhos porque MLR condescendeu em dar aos docentes a possibilidade de 30% deles progredirem normalmente na carreira?
Será essa a generosidade?
Mas MLR é detentora exactamente de que tipo de poderes divinos e taumatúrgicos para se pronunciar desta maneira sobre este tipo de assunto?
Generosidade?
Deve ser a mesma generosidade que a fez criar o Prémio do Palerma do Ano, desculpem, do Professor do Ano, tipo torrão de açúcar dado ao cavalinho mais bem comportado e que mais cabriolou ao longo de 12 meses.
E já agora, só para terminar, devo ainda agradecer a MLR a generosidade de me pagar todos os meses? Em que termos devo endossar o meu cartão de agradecimento?E deverei fazer alguma genuflexão no acto do envio?
Os blogues dos professores vão rompendo o cerco. Hoje passam pelo DN, em matéria da jornalista Ângela Marques. Como sou por lá citado, nem sequer vou queixar-me que o assunto merecia mais espaço. De qualquer modo eu depois incluiriei por aí meu depoimento – que é usado de forma fiel, o que agradeço – e uma análise mais detalhada, na medida das minhas possibilidades e pontos de vista, do fenómeno. Porque acho que são um dos clusters mais ricos (porque heterogéneo) da blogosfera e nem sempre merecem a devida atenção dos media, tão entretidos a citar os blogues daqueles que já normalmente falam e escrevem, sobre os mesmos assuntos, nesses mesmos media.E porque acho que não merecem ser encaixados em fórmulas redutoras.
Para inchar mais, também um texto dos primórdios do Umbigo (e antes incluído no site da APH) chegou aos States. De início até me chamaram Pablo, mas eu pedi-lhes a cortesia de não me tomarem por castelhano ou chicano. Não é por nada, qual quê xenofobia. Apenas porque me habituei a ser Paulo e um tipo com a idade tem dificuldade em adaptar-se a novos hábitos.
Portanto, hoje estou insuportavelmente bem disposto. O que é óptimo para fazer a análise daquela “espécie de entrevista” de Maria de Lurdes Rodrigues à Visão.
Por mero acaso passei hoje à noite pelo programa Balanço & Contas da RTP2, conduzido por Sérgio Figueiredo. Normalmente os convidados são empresário, economistas, gestores. Hoje era o ex-Ministro da Educação Marçal Grilo.
Aflorando-se a situação do ensino superior privado em Portugal, Marçal Grilo sublinhou que existem boas instituições, que talvez o modelo organizacional é que esteja errado, com a separação entre a entidade instituidora (é assim que se diz?) e as instituições universitárias propriamente ditas. Devia ser tudo organizado com base em fundações. Pois…
Sobre o caso da Independente, achou melhor afirmar que não conhecia o processo porque não conhecia os relatórios de que se tem falado.
Para os mais distraídos, os relatórios em causa e citados por Mariano Gago na tal conferência de imprensa, os tais que afirmavam estar tudo bem, ou quase, e que depois já apontavam alguns problemas, são de 1996, 1997, 1998 e por aí adiante.
O que me falha agora é o nome do ministro que então tutelava o Ensino Superior. Isto deve ser da idade.
Antes de mais a devida confissão, para esclarecimento dos preconceitos de base: não estimo particularmente aqueles antigos quadros de topo do PCP que, tarde e a más horas, descobriram que a luz que os alumiava não era a certa e que, afinal, apesar de adultos, cultos e inteligentes, havia outras luzes muito melhores, que se deveriam seguir com afã quase equivalente ao anterior. Não é que ninguém possa perceber, em qualquer altura da vida, um erro de formação, percurso, convicção ou fé. O que me arrepela é o facto de rapidamente – e quase sem púdico período de nojo – se tornarem arautos de novas fés e se colarem rapidamente a outra procissão. Zitas Seabras, Josés Magalhães, Pinas Mouras e quejandos provocam-me a urticária que não reservo, por exemplo, a gente mais discreta como o falecido Barros Moura, ou mesmo aos que de um modo ou outro se coíbem de – mesmo em dissidência – em passo apressado mudarem de amo.
Obviamente que Vital Moreira merece a maior consideração intelectual e que não é esse preconceito pessoal que me faz desgostar do que escreve. Só que me deixa sempre de pé atrás a forma como há uma boa dúzia de anos está sempre para as posições de um PS centrista, como Pacheco Pereira ou Vasco Graça Moura estiveram para o cavaquismo. Ou ainda mais, pois parece-me que Vital Moreira demonstraria com elevada argumentação, que a Terra, e em especial Alijó, estão no centro do mundo, caso fosse essa a opinião emitida num comunicado do Governo.
Mas, vá lá. Prossigamos.
Na passada 3ª feira, Vital Moreira decidiu de novo investir nas páginas do Público contra os sindicatos dos professores, e de forma nem muito indirecta contra os próprios professores, nomeadamente aqueles que não se curvam perante o que VM acha ser o “interesse público” das políticas governamentais para o sector da Educação. A tese é simples e quase simplista e por isso mesmo parece evidente: perante o interesse público, o interesse particular (neste caso dos sindicatos) deve ser subalternizado e o Governo deve seguir em frente com a sua política de defesa dos «interesses da escola pública».
Claro que desta forma, quase todos nos sentimos impelidos a concordar e a achar que é uma barbárie levantar reservas. Só que isso só acontece se assumirmos:
Que é possível determinar, com meridiana facilidade, qual é o interesse público nesta matéria.
Que este Governo está efectivamente a defender tal interesse público com a sua acção.
Que os interesses profissionais dos docentes são contrários aos da Escola Pública, só porque defendem um certo conjunto de condições de trabalho mais favoráveis.
Se tomarmos como válidas estas asserções, tudo o que VMoreira escreve é texto quase sagrado. Mas se questionarmos essas verdades tidas pelo prosador analista como aparentemente sólidas e incontestáveis, claro que encontramos debilidades várias na sua lógica.
Mas acompanhemos partes do texto de VM (ando há dias à espera que apareça no A Aba da Causa, para evitar longas transcrições mas até agora nada), para melhor seguirmos o seu raciocínio:
A defesa dos serviços públicos não faz parte integrante da agenda dos sindicatos. Na dialéctica das relações de trabalho e das lutas sindicais, os serviços públicos não passam de uma variante do empregador ou da entidade patronal, contra a qual os sindicatos têm de fazer valer os direitos e interesses que lhes cabe defender e promover.
Este naco chega a ser divertido, porque VMoreira considera que, como ponto de partida, os sindicatos pura e simplesmente se estão nas tintas para a defesa dos serviços públicos. Até pode ser que sim e que muito mau sindicalismo entre por esse caminho. Aliás, penso que isso até aconteceu quando VMoreira apoiava tais posições. Coisas dos anos 70. Mas um sindicalismo capaz e consciente não tem qualquer interesse em fazer isso. Pois saberá que da qualidade e “saúde” dos serviços públicos dependerá, a médio prazo, o emprego dos respectivos trabalhadores. Para além de que, no texto envolvente, Vital Moreira insinua que os interesses dos sindicatos, sendo conflituantes com a melhoria dos serviços públicos, estarão errados nas suas lutas contra o Estado como empregador. Tal tese é por demais débil para merecer longa refutação. Antes de mais, porque é uma tese bem próxima da usada pelo Estado Novo para inibir a acção reivindicativa sindical. E eu, individualmente, fico sem saber se posso manifestar o meu protesto se não serei apenas mais um inconsciente e irresponsável inimigo da Escola Pública.
Mas VMoreira parte do geral mais geral, para o geral mais aplicado ao sindicalismo docente:
Seja como for em tese geral, no caso dos sindicatos de professores, a invocação da escola pública para justificar e legitimar a sua luta contra as medidas na área do ensino não poderá ser mais contraditória.
(…) O mesmo se passa com a rejeição do novo estatuto da carreira docente, que institui dois escalões e estabelece requisitos exigentes de acesso ao escalão superior. Para quem goza da regalia de uma carreira pública plana, sem provas intermédias e com a possibilidade de quase toda a gente atingir o topo da carreira, a mudança para o novo sistema é seguramente uma importante perda. Porém, independentemente da sua configuração prática, o novo conceito é inatacável sob o ponto de vista da melhoria da qualidade do ensino, da remuneração pelo desempenho, da eficiência da escola. por isso, nesta circunstância, não existe nenhuma coincidência entre interesses profissionais e o interesse do serviço público.
Só esta passagem merecia quase um tratado. Porque desde logo atira sobre o sindicalismo docente o opóbrio de ter uma espécie de capitis diminutio fundamental. Uma espécie de pecado original irremissível e irredimível. No meu caso, como não sindicalizado e tantas vezes crítico da Fenprof (que VM toma pela totalidade do sindicalismo docente, o que não deixa de ser “interessante”), não sei se a minha oposição ao novo ECD caberá neste saco, mas acho que sim. Só que discordo, pois não me parece que a defesa das minhas condições de trabalho enquanto agente educativo conflitur com a defesa de uma Escola Pública de qualidade. Pode conflituar com a contabilidade orçamental. Mas isso é outra coisa.
Porque vamos lá a ver: se os professores forem pior tratados e pagos no ensino público tenderão a abandoná-lo e a procurar melhores paragens. Isso, aliás, já conteceu com muita gente a migrar para o sectoir privado. Porque se eu tiver piores condições de trabalho dificilmente terei um melhor desempenho e isso irá reflectir-se naturalmente nos utentes dos meus serviços. Porque terei menos tempo disponível para me preparar, para me actualizar, para adquirir materiais mais modernos, para avaliar com alguma calma o desempenho dos próprios alunos.
É que não compreendo como é que a existência de boas condições de trabalho para os funcionários de um determinado sector de actividade (pública ou outra) pode de algum modo conflituar obrigatoriamente com os interesses dessa actividade. Será que VMoreira acha que só trabalha bem, quem trabalhar em piores condições? Sujeito a quotas arbitrárias para a progressão, independentemente do desempenho? Porque não deixa de ser curioso que VMoreira defenda a progressão com base em requisitos exigentes, mas se esqueça que não progredirão todos os que os atingirem. Distração menor, por certo.
Mas há pior. VMoreira parece achar que «independentemente da sua configuração prática, o novo conceito é inatacável». E aqui é que a porquita da fábula se retorce toda. É que se o conceito é inatacável, e qualquer que seja a configuração dada ao sistema tudo estará bem, estamos encerrados numa lógica kafkiana em que basta o conceito ser bom, que depois a sua implementação pode ser uma qualquer.
De certo modo é o que se passa com as teorias políticas, enquanto sistemas de pensamento ou “conceitos”. O liberalismo, enquanto conceito independente da configuração prática, é inatacável. E o mesmo é válido para o comunismo. As suas configurações práticas é que parece que às vezes falham. E essa inatacabilidade do “conceito” justificará tudo o que se faça em seu nome? Parece-me que VMoreira achará que não. Pelo menos, há cerca de 20 anos renegou um conceito que antes afirmara inatacável, exactamente pela sua configuração prática. Mas já no caso do conceito subjacente a uma carreira afunilada para os docentes, achará que sim.
Isto não me parece ser a forma mais correcta de colocar as coisas: proclamar que um conceito é inatacável (e não o é…) e a partir daí validar tudo o que se faça em seu nome, seja qual for a “configuração prática”
Mas, nesse caso, eu posso formular o conceito de uma carreira plana como algo de interesse público e, acho eu, inatacável em teoria. Basta afirmar que uma carreira plana – só não percebo é como se chega ao topo de uma coisa plana, como VM e outros tanto gostam de afirmar, mas isso são coisas da semântica – permitirá a todos os docentes exprimirem, de forma não condicionada por entraves exteriores, todas as suas potencialidades, sem receio do risco e da penalização pelo eventual fracasso. Aliás não foi Sócrates que esta semana afirmou que se deveria desenvolver uma cultura do risco e do empreendedorsimo em Portugal?
Como é possível isso, se penalizarmos quem arriscar e as coisas não correrem bem? Numa carreira “plana”, existe uma margem de estabilidade que permite arriscar muito mais facilmente em novas experiências, sem o receio do fracasso. Lógico ou não? Até posso não concordar na «configuração prática» da coisa, mas enquanto conceito acho bom e quase inatacável.
Mas VMoreira ainda erra de forma mais fragorosa quando assume, de forma indemonstrada, que as medidas governamentais na área da Educação visam efectivamente um melhor desempenho dos seus agentes e uma melhoria da sua eficiência. Porque nada prova isso e porque o que se prepara para ser estatisticamente conseguido – e que vai ser correlacionado com estas alterações do ECD – vai sê-lo com base em truques legislativos introduzidos subrepticiamente de modo a reduzir adminsitrativamente as taxas de abandono e insucesso escolar.
Várias medidas disseminadas e não muito propagandeadas, como a eliminação da retenção por faltas e a obrigação dos alunos que na prática abandonaram as aulas, serem considerados inscritos para exame final, vão fazer com que aparentemente, o abandono escolar desça radicalmente. Mas o abandono real continuará, porque o que se arranjou foi uma cosmética para trabalhar os números.
Assim como certas formas de dar diplomas administrativos a quem não fez o devido percurso escolar ou completou os estudos – e não falo só das certificações do programa Novas Oportunidades – irão dar uma sensação falsa de “regresso à escola” e quiçá mesmo de lifelong learning.
Mas tudo isso não passará de aparência. Daqui a 15 anos poderemos ter uma população formalmente muito qualificada e certificada, mas tão analfabeta funcionalmente como hoje ou ontem.
Mas suponho que no léxico de Vital Moreira, isso não passará de um detalhe da «configuração prática». O que importa mesmo é que o conceito é inatacável.
São vários os prosadores que se foram interrogando ao longo do tempo (com o Woody Allen à cabeça) se seria justo fazer vir a este mundo crianças inocentes, para as lançar neste desvario. A verdade é que quase sempre os cépticos acabam por ceder e o próprio WA foi um exemplo notório.
Isto vem a propósito do projecto em implementação pelo Governo de transferir mais competências em várias áreas para os municípios, em nome da modernização, da descentralização e de mais umas palavras bonitas, mas ocas. A ANMP bate palmas, desde que lhes transfiram mais dinheiro para os cofres, porque depois logo se vê. Com as Actividades de Enriquecimento Curricular já vimos como foi em muitos lados. Recebiam 50, pagavam 10 ou 20 e o resto ajudava a tapar os buracos das rotundas.
Para além de casos mais remotos (Abílio Curto na Guarda), de outros que nunca acabaram por sair bem do limbo (a gestão do PS na câmara do Porto e em Cascais), daqueles que viraram folclore nacional (Felgueiras, Marco de Canavezes, Gondomar, Oeiras), de alguns outros que correm quase invisíveis porque as autarquias são de 3ª linha, temos recentemente mais casos que atestam de forma gritante até que ponto o Poder Local é uma alternativa pouco credível ao Poder Central em matéria de transparência e lisura de processos: em Salvaterra de Magos, Lisboa, Setúbal (ontem soube que a segunda presidente neste mandato também já está arguida) os salpicos da suspeita já passaram há muito o razoável. O fenómeno atinge todas as zonas do país e atravessa todas as forças partidárias. Ninguém tem telhados de vidro nesta matéria.
Dirão que, apesar de tudo, ainda são uma minoria de casos no universo de mais de 300 concelhos. Lá isso é verdade, mas se fizerem as contas a proporção deve ser maior do que em qualquer outro ramo de actividade, se excluirmos o futebol. E note-se que os meios de investigação não permitem um escrutínio mais apertado. Porque se permitissem, descobríamos mais do que bastas centenas de autarcas que não declaram os seus rendimentos e património.
No entanto, por mera conveniência contabilística e escassa convicção política, é a este Poder Local que o nosso actual Governo quer entregar mais competências na área da Educação, como na Saúde, aliás.
Deste modo se percebe que, afinal, para além da Educação ter caído como função nucleaar do Estado Central – que no nosso país há quem goste de afirmar estar “distante” das populações, esquecendo-se que muitas vezes a distância é mais mental do que física – ainda por cima cai em saco roto. Transferir mais competências e responsabilidades na área da Educação para as redes caciquistas e clientelares locais que constituem muito do Poder Local que temos é revelar até que ponto a importância da Educação desceu nas prioridades políticas.
E por favor não me venham com os exemplos lá de fora, que eu já tentei explicar terem origens históricas bem diversas e assentarem em culturas éticas nos antípodas da nossa. E já agora, eu também sei do que falo, pois assistir de forma breve, e por dentro, ao que se passou na primeira fase desta transferência de competências em final dos anos 80. As coisas mudaram desde então, mas não sei verdadeira e globalmente para melhor.
Uma crítica, algo simples e muito paradoxal, que é feita a diversas observações que vou fazendo neste espaço – mas que também encontro feita a outro(a)s colegas – é a de que nos agarramos demasiado às nossas experiências, que olhamos demasiado para o nosso umbigo – caramba, se há coisa que é assumida no título deste blog é isso mesmo – e que perdemos um bocado a perspectiva do quadro mais geral, quasi-cósmico, do interesse geral, do bem da Nação e, resumindo, da salvação do planeta.
Eu até me apetecia discordar e apontar que as críticas, em outros casos, são exactamente as inversas, mas pensando bem decidi concordar, graças a um pretexto que me foi fornecido pelo DA ao facultar-nos num comentário o link para os quadros e o método de cálculo usado para a criação pelo ME do Conselho dos 60, verdadeiro areópago futuro da consultadoria ministerial para assuntos educativos.
A criação é coisa que já me fez sorrir o suficiente, não sei se pelo modelo “democrático” com que pretende ser apresentado pela tutela, se pela instrumentalização a que se vai prestar. Isto para não falar na forma perfeitamente incrível como destrata as regiões autónomas que, apesar de terem um estatuto especial, que eu saiba ainda são Portugal para quase todos nós, excepto porventura para o Jaime Ramos na Madeira, um ou outro reminiscente da FLA nos Açores e a Ministra da Educação.
De qualquer modo, desta vez o soriso alargou-se em riso ao verificar as contas do quadro do lado direito, pois a soma dos representantes distritais por número de alunos dá 48 e a dos representantes por escolas dá 14, mas parece que ninguém informou disso quem elaborou o quadro e decidiu que as somas eram 45 e 15. Se somarem os valores parciais para vários distritos (Braga, Lisboa, Setúbal, Viana do Castelo) também terão interessantes demonstrações do que é o horror à Aritmética na 5 de Outubro. E isto é um documento oficial colocado no site do ME. Nem quero ver os documentos preparatórios. Mas adiante… (cliquem no quadro e verifiquem o link enquanto a anedota não for corrigida).
Mas neste caso o que me interessam são mesmo os valores fornecidos sobre o número de alunos e a rede escolar em funcionamento (espero que estejam quase certos). Porque vivo e lecciono no distrito de Setúbal e porque, teorias filosófico-pedagógico-coiso à parte, é com esse mundo que lido. E não com outro. E porque, apesar de ser necessário olhar para a big picture, também é indispensável colocarmos os pés na terra e olharmos o mundo a partir do sítio onde estamos. Isto até tem um nome em Ciências Sociais a sério, chama-se standpoint theory, mas agora isso não me interessa nada.
O que interessa mesmo é que Setúbal é de longe o distrito onde a rede escolar está a rebentar mais pelas costuras e onde foi desenhada por alguém que estava distraído no dia em que se fizeram as projecções demográficas de crescimento. E as contas saíram, mais do que escassas, distorcidas e claramente erradas.
Sei que é uma média, mas a ordem de grandeza das diferenças não deixa de ser elucidativa: em Setúbal há 256 alunos por estabelecimento de ensino, valor que está bem à frente do relativo aos distritos de Lisboa (222) e Porto (186) e que quase ou mais do que duplica o dos restante distritos de Portugal Continental (e também das ilhas, por certo). E não se trata apenas do mítico interior desertificado. Faro, Coimbra, Aveiro, Braga são distritos fortemente urbanos e estão no litoral. E Setúbal ainda tem aquela parcela de planura alentejana de Alcácer a Santiago.
Se nos concentrarmos na Península de Setúbal, a média então sobe de maneira brutal. E é com isso que eu e muitos outros docentes lidamos. Com escolas a abarrotar, onde é melhor pensarmos duas vezes antes de comer uma omolete com dois vos antes de irmos para a escola, não vá o espaço faltar. Onde as salas para as actividades de enriquecimento, diversificação e fragmentação curricular e extra-curricular se inventam em espaços impossíveis, à custa de arrumações. Onde nos intervalos, as centenas de crianças e jovens se acotovelam a caminho do bar ou a tentarem-se abrigar em dia de chuva. Onde as turmas, excepção a zonas de TEIP, são de 25-28 no Básico e 30 e muitos no Secundário.
São as escolas que a Ministra e os seus secretários não visitam. Porquê? Não sei! Falta de acessibilidades talvez. A estas escolas é que se deviam fazer visitas de estudo.
Mas onde nós trabalhamos o melhor possível dia a dia. Onde não podemos derrubar paredes, quebrar grilhetas, abrir gaiolas e fazer aquelas poesias e floreados todos que os pseudo-gurus nacionais anunciam, porque se o fizermos cai tudo pela borda fora, como nos bons velhos gasalhados que eram feitos por fora das sobrecarregadas naus portuguesas de regresso da Índia, aquelas mesmas que inspiraram muitos dos relatos da História Trágico-Marítima.
Vivemos muito centrados na nossa experiência, nos nossos dramas quotidianos, no nosso mundinho pequenino e que alguns acham comezinho e insignificante.Imerecedor (o mundinho) e incapazes (os docentes) de uma atenção ou reflexão mais profunda por parte dequem sabe. De quem vê mais longe. De quem analisa e prospectiva.
Mas as coisas são o que são. E se não formos nós, com maior ou menor insistência, quem mais se preocupará com isso? Quem falará por nós? O Conselho dos 60?
Os Sousa Tavares, os Pachecos Pereiras, os Antónios Barretos, os Pulidos Valentes, as Filomenas Mónicas? Só em sonhos…
.
Nota final: Não me esqueci que ainda quero fulminar o texto de 3ª feira do Vital Moreira e aquele “espécie de entrevista” de Maria de Lurdes Rodrigues à Visão. Mas alguma coisa há que deixar para animar o fim de semana.
A função peculiar das escolas e da educação faz com que não valham para elas muitas das considerações sobre a organização empresarial. Os fins que se prosseguem na acção da autoridade educativa contrapõem-se frequentemente aos que se buscam na organização empresarial. A finalidade da acção educativa não é conseguir a submissão ou o simples rendimento (o vocábulo alude curiosamente a render-se e a conseguir resultados), mas sim a libertação dos indivíduos. A raiz etimológica latina da palavra (auctor, auguere) significa fazer crescer. Nada mais afastado de um exercício da autoridade tendente à busca da disciplina irracional, da submissão extrerna e da uniformização dos comportamentos. (Miguel Ángel Santos Guerra, Os Desafios da Participação: Desenvolver a democracia na escola, Porto, 2002, p. 65)
O mais estranho é que quem concorda com isto – e promove retórica alusiva em grande quantidade – em relação aos alunos, depois parece discordar de tal em relação aos docentes. Ora eu acho que a coisa, com algumas modulações, é válida nos dois casos.
Notável, verdadeiramente notável a nova entrevista de Maria de Lurdes Rodrigues à imprensa amiga da Visão, aquela em que ela surge sempre em alta e ao colo de 90% dos articulistas residentes (o José Gil e o Ricardo Araújo Pereira são os desalinhados), ainda por cima sob a batuta de Paulo Chitas, o mesmo “jornalista” do memorável suplemento da mesma Visão sobre a Educação onde se engoliam os dados do ME sem crítica, se manipulavam escalas de gráficos e se desancavam os docentes como se fossem erva daninha. Daí que a entrevista corra mansinha, com tudo bem oleado, só faltando saber se acabou com beijinho, beijinho.
A coisa merece prosa demorada, tipo fim de semana, mas desde já algumas notas de prova se podem fazer, tamanha é a asneira que salta à vista:
Trocando alhos com bugalhos, MLR acha que a situação académica de Sócrates não é anormal. Pois, acredito, por comparação. Se calhar, anormal mesmo foi certo tipo de convites para testas de ferro ministeriais. Ler as declarações desta caixa de texto, sendo exercício penoso para a sanidade intelectual duma pessoa, dá-nos a dimensão do despautério a que isto chegou.
Em matéria de encerramento de escolas (p. 58), sabemos agora que muitas das “escolas de acolhimento” (expressão horrorosa) usadas para receber este ano os alunos de escolas encerradas, vão por sua vez encerrar, obrigando os miúdos a maiores deslocações. Ridículo, pois quem afirma que é necessário não traumatizar as crianças com transições bruscas de 1 docente do 1º CEB para 6 ou 7 no 2º CEB, já não considera traumatizante as crianças andarem no próprio 1º CEB a mudar sucessivamente de escola em anos sucessivos. Seria patético, se não fosse efectivamente grave e revelador de falta de planeamento, pois teria sido muito melhor esperar pela solução “definitiva” e fazer uma única mudança.
Descobre-se que MLR (p. 59) acha que «a idade não é um posto» no novo sistema de progressão e de acesso a professor titular, mas sim que isso é «o que existia» antes. Agora «o importante é a experiência». Não sendo grande comunicadora, MLR também não tem grande jeito para sofismas, pelo que fica completamente à mostra o rematado contra-sendo das suas afirmações. Se os docentes no 10º escalão, desde que atinjam os 95 pontos transitam para titulares, isto é exactamente o quê? Se fosse só a pura e dura experiência, porque limitar apenas a 3 escalões o acesso a titular? Por todos os deuses do Olimpo…
MLR acha que 10% de titulares chegariam às Escolas e que 30% é uma valor «generoso», o que revela até que ponto MLR desconhece o funcionamento de qualquer estabelecimento de ensino ou agrupamento. Numa EB 2/3 perfeitamente comum (como várias por onde passei nos últimos 15-20 anos) 10% do corpo docente são 7-8 docentes apenas. Achará MLR que isso chega para gerir uma escola com 700 alunos? Ou que 10-12 professores conseguem tratar de um agrupamento com mais de um milhar de alunos? Ou que 15 professores chegam e sobram para uma Secundária com 1200 a 1500?
Mas há mais, infelizmente muito mais nesta entrevista.
E realmente há coisas que não se podem considerar gratuitamente anormais, porque então ficamos sem vocabulário para qualificar outras.
Avaliação dos dirigentes superiores sem imposição de quotas para as notas máximas (24.04.2007, Sérgio Aníbal)
O Governo decidiu alargar o sistema de quotas nas classificações máximas atribuídas aos dirigentes, mas ficou apenas pelos intermédios.
Os dirigentes máximos da administração pública podem retirar vantagens no seu próprio resultado, no futuro sistema de avaliação, se distribuírem da forma mais equilibrada possível as notas que são dadas aos funcionários dos respectivos serviços, incluindo também as classificações negativas. (o link temporário da notícia do Público já não funciona, mas fica aqui o do comunicado no Portal do Governo)
Na terça-feira li estarrecido as notícias que davam conta do facto de, na Administração Pública, os quadros dirigentes não terem qualquer limitação na sua avaliação, ou seja, não estão sujeitos a qualquer tipo de quotas no acesso à avaliação máxima, embora a sua avaliação esteja dependente da forma como gerirem a avaliação dos seus subordinados.
Isto choca qualquer pessoa, no contexto actual, pela flagrante contradição entre discurso de rigor e mérito para todos e uma prática que se preconiza selectiva e discriminatória, para além de iníqua, ao dar todo o poder a alguns e prometer a sua recompensa exactamente se exercerem a sua avaliação sobre os subordinados de acordo com uma estratégia restritiva.
Para além de este tipo de atitude representar uma admissão flagrante de que tudo o que foi afirmado em torno, por exemplo, da avaliação dos docentes não passa de mera cosmética propagandística e que, efectivamente, o que se pretende é a criação de regimes de excepção para alguns que se desejam fiéis e acríticos cumpridores das directrizessuperiores. Nas escolas esse regime de excepção é reservado à generalidade dos elementos dos órgãos de gestão, na administração pública em geral fica guardado para os quadros dirigentes, só dependentes dos humores dos políticos.
Aspecto curioso é o facto da linguagem a que por vezes chamamos eduquês ter passado a atingir outras esferas para além da Educação, como se pode confirmar nesta notável tirada, praticamente benaventista.
O novo sistema integra três componentes: o subsistema de avaliação do desempenho dos serviços, o subsistema de avaliação do desempenho dos dirigentes, superiores e intermédios, e o subsistema de avaliação do desempenho dos demais trabalhadores. O subsistema de avaliação do desempenho dos serviços públicos, que agora se pretende introduzir, constitui um padrão mínimo, visando reforçar na Administração Pública uma cultura de avaliação e responsabilização, vincada pela publicitação dos objectivos dos serviços e dos resultados obtidos, em estreita articulação com o ciclo de gestão e assente em indicadores de desempenho fiáveis.
A avaliação dos serviços é feita através de auto-avaliação e hetero-avaliação.
A auto-avaliação tem carácter obrigatório e assenta num Quadro de Avaliação e Responsabilização (Quar) sujeito a avaliação permanente em articulação com os serviços que, em cada Ministério, são competentes em matéria de planeamento, estratégia e avaliação. Os serviços podem, ainda, ser objecto de hetero-avaliação, através da qual se visa obter um conhecimento aprofundado das causas das disfunções evidenciadas na auto-avaliação ou de outra forma detectadas, e apresentar proposta para a melhoria dos processos e resultados. A hetero-avaliação é da responsabilidade do Conselho Coordenador do Sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado e concretiza-se através de um programa anual.
Quanto a tudo isto, mas em especial a esta forma de encarar selectivamente a distribuição do mérito, gostaria de ler algo de Vital Moreira, em especial daquele que escreve textos como este, formalmente tão cuidados, mas tão teóricos e desligados da coisa concreta.
Admirem este comunicado da Confap (confap.pdf) e maravilhem-se com a forma como a organização funciona e, se quiserem enteter-se detectem os erros ortográficos, nomeadamente a clássica forma de desconjugar o verbo haver.
Mas são estes os parceiros institucionais que o ME gosta de usar nas ocasiões apropriadas, para os lançar contra os professores. Lindo serviço…
Isto é complicado. E até perigoso, porque se presta a apropriações políticas indevidas da memória colectiva. Pois há sempre alguns especialistas que se arrogam da leitura certa dos acontecimentos, mesmo quando ela é apenas parcial ou linear.
As intenções até podem ser as melhores e os intervenientes dos mais respeitáveis. Falo da APH (gente simpática que, mesmo ser ser associado, me publicou alguns textos) e da Associação 25 de Abril, claro. Mas este tipo de iniciativas, comemorativistas e, por tabela, revisionistas da História, procurando fixar um conteúdo ideal para a construção da memória dão-me sempre arrepios.
Porque o 25 de Abril não deixa de ser ensinado nas Escolas, por falta de materiais, espaço específico no programa de História, falta de vontade ou conhecimentos dos docentes. Haverá os que não gostam muito da data e os mais entusiastas, como em tudo. Acredito que a alguns monárquicos custará ensinar o 5 de Outubro, ou a alguns católicos mais fervorosos encarar o Marquês de Pombal com agrado.
Mas essa não é a questãoessencial, lá diriam Pacheco Pereira e os Gato Fedorento.
A questão essencial passa pelo desenho ou organização dos currículos de História e a carga horária disponível para os docentes despacharem milhares de anos de História em fatias de 90+45 ou apenas 90 minutos, sendo que, por ser História recente, o 25 de Abril fica na pontinha final de tudo, quando, em especial nos 2º e 3º CEB que conheço melhor, já está toda a gente a trote à espera que o ano lectivo acabe, com provas de aferição, provas globais (até o ano passado) e e exames à porta. Porque no 2º CEB é necessário despejar milhares de anos de História de Portugal e antecedentes, mais conteúdos de Geografia em dois anos, e no 3º CEB são ainda mais os milhares e de História Universal em episódios de 90 minutos semanais.
Há muito que acho que não faz sentido, depois de dada uma introdução no 1º CEB, andar a dividir o programa de História em duas partes entre o 5º e 9º ano. Eu preferiria, como já escrevi, que os conteúdos pudessem respirar uma vez durante esses 5 anos, sendo então possível dar o século XX com a devida propriedade ao finalizar o 3º CEB, no 9º ano. Como as coisas estão, isso fica-se pelo papel, pois a regra é ninguém se aventurar muito para além dos anos 50 e apenas ir à “pesca” do 25 de Abril, na semana correspondente, promovendo-se sessões ou actividades especiais. A solução não é totalmente má, mas é um remendo. Sei disso, porque participei e animei várias actividades desse tipo (desde “conversas do tempo em que eu ia a escola” a convites a protagonistas dos acontecimentos), mais ou menos boas, mas eu preferiria ter a certeza que, mais do que um “extra”, o estudo do antes e depois do 25 de Abril pudesse ser ensinado/aprendido em condições.
Por isso, não serão dossiers de fichas ou materiais que resolverão o problema. Isso não passa de poeira. O importante é que o(s) programa(s) fossem concebidos com pés, cabeça e uma vaga relação com o tempo disponível para o debitar.
Porque livros, jornais, revistas, fotos, memórias directas ou familiares até software quase todos acabamos por ter. E mesmo congelados a maioria de nós ainda investe na aquisição de materiais pedagógicos ou passíveis de ser usados nas aulas. Disso eu tenho a certeza. O problema é outro, mas esse cetamente continuará por resolver.
Não, não estou a brincar. É verdade que me apetece desopilar, mas o assunto é sério e fundamentado. Acho eu, pelo menos. Mas exemplifico.
Ontem terminei o dia com 90 minutos na sala 26 da minha Escola. Tal como a 25, a 24 e algumas das 30’s no outro extremo do bloco, esta sala tem a felicidade de dispôr de luz solar directa, desde meados de Abril, desde aí as 11 da matina até quase ao final do horário lectivo. O que se traduz, apesar das cortinas feitas para completar o serviço que as persianas das janelas não cumprem devidamente, mesmo quando estão operacionais, em temperaturas que a partir de Maio ultrapassam em muito os 30º.
Em contrapartida, do outro lado, as salas 13, 14, 15, etc, não apanham qualquer sol durante todo o Inverno, o que as torna ideais para conservar comida sem recorrer ao frigorífico ou mesmo a qualquer modelo moderníssimo de arca congeladora. Também é desse lado da Escola, que corresponde à entrada principal, que existem algumas árvores frondosas que fazem sombra razoável (do lado sul, o solarengo, nem vê-las). O que tem as suas vantagens. Não me ocorre assim mais nenhuma do que serem razoavelmente frescas no Verão, mas certamente que existirão.
Sei que não vivemos num país rico, sei que muitos estabelecimentos escolares foram feitos com os meios possíveis, com as tipologias que pareceram mais adequadas, nos terrenos disponíveis. Mas podia existir um mínimo de atenção a detalhes que influem directamente no conforto dos alunos – não falo dos docentes, isso é malta que devia conseguir trabalhar mesmo com correntes nas galés – e nas condições em que desenvolvem o seu trabalho.
Era pedir muito que tentassem, pelo menos, que a disposição das salas seguissem uma orientação mais razoável – preferencialmente nascente/poente – ou que existisse algum cuidado na forma de isolamento das salas? Afinal falamos de muitas escolas já feitas no final dos anos 80 e anos 90, não em mil novecentos e tropeça o passo. Os custos seriam assim tão inflaccionados? E seria coisa fabulosa que com a criação da Escola se definissem áreas de arvoredo que permitissem compensar a incidência solar?
Para não falar de outros casos mais divertidos como aquela tipologia – se eu me esforçasse encontrava a designação, mas agora não me apetce – de origem nórdica, em que os blocos são todos envidraçados, com um mini-pátio interior e a possibilidade de acesso interior a todas as salas através das outras. Aqui pelas minhas bandas há várias, criadas na viragem dos anos 70 para os 80, antes da tipologia dos rectângulo de cimento armado. Numa onde leccionei há cerca de uma dúzia de anos até os encaixes para os skis mantiveram do plano original. E que tão agradável que era ter aquele vidrado todo durante o final da Primavera e os alvores do Verão – muito útil na Finlândia ou na Suécia – como modo de demonstrar como se consegue formar facilmente o “efeito de estufa”. Só lamentava não leccionar Geografia ou Ciências. Em História só tinha alguma aplicação quando ainda ensinava as diferenças climáticas com que os navegadores portugueses se confrontaram, pela altura dos trópicos, nas viagens da Expansão. Já no Inverno, o sistema de escoamento, ao redor dos blocos, pensado para a neve e chuvas escassas, entopia a cada bátega acima da média. Um par de anos antes dava aulas numa Secundária cujo bloco mais distante tinha, na visão humorística de todos os seus utentes. lavagem automática do quadro. Do de ardósia e também do eléctrico, que o melhor é não acender a luz senhor professor, como avisava a preocupada funcionária logo pelas 8 da manhã, quando as manhãs de Inverno estavam menos radiosas.
Mas como estes há muitos exemplos da triste falta de qualidade das nossas construções escolares. A minha velha Secundária, provisória em 73 quando começou a funcionar está decrépita quase 35 anos depois e lá continua. Em outros locais, chegam a dar-se aulas em contentores por falta de salas. Se outrora haveria a desculpa dos meios ou da pressa em construir a baixo custo, agora já fica mais ridículo que surjam directivas que determinam o número de alunos por sala apenas com base na área da dita. Eu gostava de ver certos burocratas a receber uma turma de (pré-) adolescentes transpirados de uma bela jogatana de futebol apressado no intervalo, entre a ida ao bar e o pedido para entrar mais tarde para passar pela casa de banho, numa sala que já se encontra pré-aquecida a 30-35º desde meio da manhã. Ou a recomendar a instalação de salas de informática em espaços com janelões enormes que, com a sua luminosidade, tornam quase invisíveis as imagens nos monitores, obrigando a manter tudo fechado e atabafado.
Quando falamos em insucesso escolar, fala-se muitas vezes em números em quantidades. Número de professores, número de alunos, número de repetências, número de salas, número de computadores; gastos com isto, aquilo e aqueloutro; fala-se em salários, em percentagens do PIB. E por aí a diante. Na banda larga, nas tecnologias maravilhosas. Só se esquecem de perguntar se nas salas as tomadas funcionam.
Raramente se fala em qualidade. Em conforto. Em condições agradáveis de trabalho. E quantas vezes as condições são lastimáveis, mesmo se a sala tem não sei quantos metros quadrados e o número certos de mesas e cadeiras. Alguém se preocupa em comparar a qualidade das nossas escolas e a sua adaptação ao contexto local (clima, terreno, etc) com a qualidade das escolas finlandesas, suecas, dinamarquesas, suiças, alemãs ou austríacas?
Com esforço e imaginação lá se arranjam uns parcos aquecedores no Inverno, que mal aquecem um canto da sala. Dinheiro para vidros duplos? Não há. Para reparar as persianas sempre que necessário? Nem pensar! Ventoínhas? Brincamos, não!
Mas lá continuamos nós, cantando e rindo. Baseando a demagogia nos números que interessam, esquecendo a alegadamente difícil medição dos critérios de qualidade. que porventura os próprios alunos não conseguiriam ajudar a fazer, por não terem padrões comparativos.
Passam hoje 33 anos sobre o 25 de Abril de 1974. Muitas foram as conquistas e os ganhos. Negá-lo seria de uma hipocrisia total. Mas muito foi também o que ficou por cumprir. E essas promessas de desenvolvimento, de convergência, de europeização, foram feitas exactamente por aqueles que estão no poder, ou pelos seus directos antecessores, que gnos governam há 30 anos. Quando seria de esperar que, depois da fase da expansão da rede escolar, se passasse para uma fase de consolidação dessa expansão do ponto de vista da qualificação do parque escolar, o que assistimos é exactamente ao inverso. Ao desinvestimento e à delegação ou “transferência de competências”.
Temos escolas melhor equipadas do que há 20 e 30 anos? Temos, certamente. Temos mais livros nas bibliotecas, computadores (antes não existiam, sequer) e outras maravilhas da pós-modernidade. As paredes é que continuam as mesmas, com mais um par de décadas de uso em cima e eu garanto, apostando simples contra dobrado, que muitas das cadeiras ainda em uso na minha velha Secundária são as mesmas que usávamos há mais de 25 anos.
Mas o que vale é agora vai existir uma empresa que vai gerir parte do parque escolar do Ensino Secundário e vai resolver tudo isso que o ME não consegue resolver por si. E o que essa empresa não resolver, resolvem as autarquias, claro está.
E é nesta parte da fábula que entram o coelhinho da Páscoa, mais a rena Rudolfo em alegre parceria empresarial.