Maio 2007


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Tem muitas formas. Mas todas parecidas. Mesmo quando não parecem.
Mesmo quando se afirma crítico. Mesmo quando se afirma renovador.

Regressando agora a outro assunto que foi ultrapassado pela actualidade, gostava de recuperar as propostas do documento final do Debate Nacional sobre Educação, as tais que até acho úteis e suficientemente ponderadas, mas que devem ir parar à prateleira  ou ser utilizadas apenas no que é conveniente para o poder que passa. Vejamos então a segunda proposta:

Mobilizar as escolas, as comunidades locais e todos os seus recursos para prevenir o abandono escolar precoce (compromissos sociais pela qualificação)

Esta é outra daquelas coisas com as quais é impossível deixar de estar de acordo. Tenho, contudo, algumas dúvidas relativas à possibilidade de combater o abandono escolar precoce se continuarmos a investir apenas na retórica da territorialização das políticas educativas e não numa efectiva concertação da acção de instituições que dependem de diversas tutelas e níveis da administração.

Se a instituição dos agrupamentos permitiu que o controle “vertical” do trajecto dos alunos em risco fosse acompanhado de forma muito mais eficaz, isso não é suficiente no caso de tantos alunos que pedem transferência para fora do agrupamento ou mesmo do concelho, alegando alteração da residência, o que dificulta o controle “horizontal” desse trajecto.

Para além disso, a Escola por si só não tem meios para, depois de sinalizadas as situações de abandono, ir em busca desses alunos e fazê-los voltar. Aqui é necessária uma acção pronta, rápida e eficiente, das autoridades judiciais, assistenciais e mesmo policiais. E o que neste particular se passa não é o mais animador em muitas zonas do país. As Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco funcionam muitas vezes com base no voluntarismo das pessoas que lá trabalham, mas com condições muito precárias. Leia-se o início do sumário executivo deste relatório e perceber-se-á logo até que ponto existem deficiências no apoio de muitos municípios ao funcionamento destas estruturas.

A um outro nível, temos a questão das Cartas Educativas (p. 145 do relatório final), que ainda estão muito atrasadas em muitas zonas do país, sendo que em algumas onde estão em estado mais ou menos avançado (temos aqui o caso da área da acção da DREN), as recentes medidas de racionalização da rede escolar por parte do ME fizeram tábua rasa do trabalho desenvolvido. Para além de que em zonas de rarefacção da rede escolar, de aumento da distância das deslocações das crianças para os estabelecimentos de ensino, as hipóteses de abandono escolar aumentam imenso, em especial quando os contextos familiares e o contexto socio-económico potenciam imenso uma inserção prematura no mercado de trabalho em condições longe das ideais e das legais.

Por isso, quando se propõe que as comunidades locais se envolvam, e aos seus recursos, no combate ao abandono escolar, isso significa que é essencial que todas as instituições envolvidas actuem de forma coordenada, que exista uma clareza de competências e áreas e acção de cada uma delas e que o discurso da territorialização e da desconcentração de responsabilidades seja algo mais do que chavões propagandísticos ou mais uma porta aberta para alimentar a voracidade dos aparelhos partidários locais.

As formas de combater o abandono escolar estão em boa parte devidamente identificadas neste documento, assim como algumas das metodologias para o fazer. Resta saber o que, no terreno, está a ser, ou vai ser, efectivamente feito, para além de medidas cosméticas como “segundas oportunidades” que não passam de meras “certificações de competências”, sem qualquer valor acrescentado para aqueles que recebem um diploma mas mais nada. 

att00155.gifParece que houve alguns blogueiros que decidiram fazer uma estatística – leia-se “listagem” – dos blogues que aderiram ao movimento grevista sugerido a partir, entre outros, do Kaos.

Ora bem, eu desde o início declarei a minha adesão sob duas condições e fiz três posts ao cair do dia com a designação de “serviços mínimo”. No Apanha-Moscas, por exemplo, essa posição é claramente apresentada.

Sei que é um detalhe, mas alguém decidiu apontar-me como tendo furado a greve, Curiosamente logo a seguir a outro blogue que se afirma ter estado em serviços mínimos.

Perante este zelo classificador, guardo para mais tarde uma ligeiríssima análise sobre a forma como alguns interpretam o registo diferenciado dos grevistas como ilegal – com o que concordo – mas depois agem de forma equivalente. Isto é tanto mais sintomático quanto o autor do Pimenta Negra se apresenta como crítico e adepto do livre pensamento, incluindo até uma imagem a propósito. Mas depois nem admite comentários.

Fico agora à espera da lista dos blogues que, tendo sido contactados, não aderiram à iniciativa. E espero ainda mais ansioso pelo apelo ao seu boicote.

pol1.jpgpolb.jpgSão dois livros que em meados dos anos 90 nos deram a conhecer como no farol destas coisas políticas – os bons e novos States – estava a começar a funcionar a coisa política.

No livro do improvável casal Matalin/Carville colocam-se à vista de todos alguns dos meandros das campanhas políticas em que os fins justificam todos os meios e em que as estratégias comunicacionais entre o terrorismo político e as operações de antecipação se tornaram cada vez mais sofisticadas (e caras).

No livro de Johnson e Broder desmontam-se os mecanismos do funcionamento do que muitos chamam o Sistema, mas depois não especificam exactamente o que é e como funciona. O pretexto foi a tentativa de Hillary Clinton erguer um sistema universal de cuidados médicos nos EUA e como isso foi sendo bloqueado e, por fim, atirado borda fora da agenda política (até o peculiar republicano Schwarzenegger ter recuperado a ideia na Califórnia).

A sua leitura atenta talvez permitisse – com uma década de atraso – perceber como as estratégias políticas e comunicacionais funcionam hoje e como, depois de testadas além-Atlântico, passaram para a Europa, após segundo teste na Grã-Bretanha blairista.

  1. Que balanço fazem da greve?
  2. Deitando fora a ganga da retórica dos dois lados, o que resta?
  3. Terá sido feita a leitura correcta dos antecedentes e do contexto?
  4. Que lições para o futuro?
  5. Estou a fazer demasiadas perguntas?

Eye to eye stand winners and losers
hurt by envy, cut by greed
face to face with their own disillusion

Já sei, já sei, as minhas referências musicais são demasiado pop e tresandam a eighties.
São ossos da geração

O Governo anunciou esta quarta-feira uma taxa de adesão de 12,8% dos funcionários públicos à greve geral, considerando que esta está a ter um «impacto limitado» e uma participação inferior às greves anteriores. Já a CGTP, estima que a adesão à paralisação ronde os 47%, segundo números provisórios até às 14:00. (mais contas cruzadas por aqui e aqui)

Dados oficiais do Governo com base numa amostra muito selectiva até às 13.00 e da CGTP com base numa outra amostra recolhida até às 14.25, também ela razoavelmente seleccionada.

Desde 2001 que os erros ortográficos, de pontuação e de sintaxe só são penalizados em parâmetros muito circunscritos da 2ª parte (produção escrita) das provas de aferição de Língua Portuguesa de 4º e 6º ano.

Já por aí o escrevi e já o tinha escrito antes. O fenómeno é anterior à democratização dos blogues em Portugal, mas penso que em 2001 já existiam jornais e muitas pessoas preocupadas com a Língua Portuguesa. A minha memória vai começando a fraquejar, mas acho que não estou errado nestas afirmações.

Agora a onda encrespou-se de súbito, qual tsunami, e já há quem, certamente com razão e justa indignação se abespinhe com as justificações para tal aparente incongruência. Até já é notícia de jornal e motivo – inaudito – para a Ministra da Educação reavaliar qualquer coisa.

Tudo bem. Só demoraram seis anos a aperceberem-se do caos em que o ensino do Português foi caindo a partir da 5 de Outubro e com a caução dos especialistas. Um dia ainda serão capazes de chegar a ler o que se determina no Currículo Nacional do Ensino Básico como competências essenciais para a disciplina da Língua Portuguesa. São só seis páginas, até nem é coisa muito palavrosa, muito menos do que esta obra que, já com 10 anos, acaba por ser o documento base da política do ME para o ensino do Português.

Agora que vejo renascer – até na sequência da guerrilha da TLEBS – o interesse por estes assuntos só posso encorajar todos os interessados a recuperarem o tempo perdido e a analisarem criticamente estes documentos, de que a concepção das provas de aferição, é apenas uma ramificação.

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Duas condições, de acordo com o princípio da liberdade individual:

  • Poder postar qualquer coisa sobre o assunto depois do jantar.
  • Existir liberdade de comentar este e outros posts.
(não coloquei a imagem às 0 horas, porque por essas alturas raramente me apanham no computador)

A ideia mesmo era usar o vídeo dos Clã para Problema de Expressão, mas o embedding em blogs e sites não está autorizado.

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É sempre refrescante verificar quando a opinião pública e publicada chega com diversos anos de atraso ao conhecimento de aspectos relevantes do que faz parte do quotidiano da nossa Educação 

Desde 2001 que não se penalizam, nas provas de aferição de Língua Portuguesa dos  e 6º anos os erros de ortografia, pontuação e construção frásica na 1ª parte da prova. O aluno pode começar com minúsculas qualquer frase, ou arremedo de texto saramaguiano júnior, não usar qualquer pontuação e limitar-se a fazer cruzinhas nas respostas de escolha múltipla que não há qualquer problema. No caso do 9º ano, nas provas realizadas entre 2002 e 2004, essa explicitação da não penalização não ocorre, mas depois os critérios de correcção são algo lacunares, ou subjectivos, na forma como deve ser avaliada uma questão cuja resposta tenha insuficiências notórias, desde que apresente um sentido compreensível pelo receptor.

Pelos vistos ninguém tinha dado atenção a este detalhe. É pena.

E isto é tanto mais caricato quando depois se criticam os alunos por transitarem para o 3º CEB e Secundário com lacunas nestas áreas. As justificações adiantadas para essa não penalização são algo frágeis, pois a verdade é que o objectivo é tentar que a classificação seja mais fácil e rápida. E não chega afirmar que tudo isso é depois avaliado na 2ª parte da prova, porque também aí os parâmetros em que essas questões são avaliadas se encontram em minoria (3 em 8).

Aliás um dos problemas recorrentes nas sessões de formação das novas fornadas de professores classificadores é o choque daqueles que, nas suas aulas, procuram que os alunos obedeçam e sigam as normas da ortografia e da sintaxe e depois, enquanto classificadores, são obrigados a esquecer isso em toda uma parte das provas.

Não esqueçamos que esta foi uma das heranças duradouras – como as adaptações programáticas que acabaram com o Big Brother nos manuais do Secundário – do consulado benaventista na inovação educacional, com as suas novas visões e regulações e outros palavrões, assim como do trabalho na sombra dos gabinetes do(a)s especialistas que há décadas se incrustraram no Ministério da Educação e cujos nomes podemos encontrar quase sempre nas fichas técnicas da produção bibliográfica oficial sobre o ensino da Língua Materna.

PS aprova audição [da] ministra mas só após concluído processo a Charrua

O PS aprovou hoje a audição da ministra da Educação mas só após a conclusão do processo ao professor Fernando Charrua, sob os protestos da oposição que defendia que Maria de Lurdes Rodrigues se deveria deslocar ao Parlamento com «urgência».
A discussão na comissão parlamentar de Educação em torno da audição da ministra da Educação sobre o processo disciplinar movido ao professor de Inglês e ex-deputado do PSD Fernando Charrua, por um comentário à licenciatura do primeiro-ministro, teve início com o debate de um requerimento do PSD.

O pânico nas hostes socialistas perante uma ida da Ministra da Educação ao Parlamento deve ser imenso depois das últimas prestações de Maria de Lurdes Rodrigues, sempre o enervado e o atabalhoado, quando é obrigada a sair do guião pré-estabelecido.

Assim permite-se que ela vá, quando já as coisas estiverem menos quentes e, concluído o processo e tomada a decisão, se considerem os factos em apreço demonstrados, Pelo que haverá menos margem para despistes.

Mas isto só faz sentido se já se antecipar que o processo culminará com a condenação do funcionário-professor. Porque se o mesmo for absolvido já imaginam o fartote que será?

Para além disso permanece o mistério insondável das qualidades de MLR para a pasta que ocupa, pois – vamos lá a ver se também me cai um processo em cima por delito de apreciação – normalmente apontam-se como critérios de selecção o saber técnico na área ou a capacidade de acção política.

Quanto aos aspectos técnicos, está mais do que sabido que o currículo de MLR aponta para alguns lados, não sendo nenhum o estudo ou reflexão sobre a Educação.

Quanto à capacidade política, são já muitos os episódios de perfeita inabilidade política da Minista que, para além de irritar os docentes com a sua forma rude de se exprimir para com eles, já revelou extremo nervosismo e insuficiente capacidade de resposta sempre que foi inquirida no Parlamento.

O que resta, portanto?

Perante tudo isto, interrogo-me e interrogo-me e interrogo-me e só me vem à mente um filme de Martin Ritt de 1976, um dos raros em que Woody Allen aparece apenas como actor, embora nesse caso o seu personagem actue em nome de uma justa causa.

Comissão de protecção proíbe tratamento de dados dos trabalhadores em greve

A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) proibiu “qualquer tratamento autónomo de dados pessoais, relativos aos trabalhadores aderentes a greves, por considerar ser um procedimento discriminatório”, dando provimento a uma reclamação do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (Ste) contra um despacho interno da Direcção-Geral de Impostos.
Na deliberação nº 225/2007, publicada no site da CNPD, lê-se que, “para efeitos de processamento dos necessários descontos na retribuição, os dados relativos às ausências do trabalhador por motivos de greve devem ser tratados, como até agora, de forma conjunta com os dados respeitantes a outras eventuais ausências reflectidas nos mapas de assiduidade”.
A comissão concluiu também que o conteúdo do despacho do ministro das Finanças e da Administração Pública, de 15 de Maio, não violou a Lei de Protecção de Dados, “uma vez que a comunicação do número total de trabalhadores ausentes por motivo de greve em cada serviço não permite identificar os trabalhadores em greve”.

Perante isto continuam-me a intrigar alguns pontos:

  • Será que o Min. Finanças pensava que a habilidade teria qualquer sustentação jurídica?
  • Se a coisa não tivesse sido conhecida e desautorizada em tempo útil o que teria acontecido? Os dados seriam recolhidos e…?
  • Até que ponto é possível aos funcionários públicos estabelecerem uma relação de confiança com o seu empregador-Estado que se comporta como o patrão mais prepotente?
  • Como foi que se conheceu o despacho exactamente no mesmo dia em que se fez anunciar (e desanunciar) uma renovação do congelamentos das progressões na FP?

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O actual Governo é, na minha nova opinião, o mais nacional, patriótico e tradicionalista de todos os que já tivemos.

Porquê?

Porque em vez de lutar contra as tendências tradicionais lusas da migração para as zonas litorais e para as cidades, desistiu de o fazer e cedeu de vez à inevitabilidade da desertificação do interior e da concentração populacional nas cidades, especialmente do litoral.

A única excepção é a existência de um par de SCUT’s que se destinam a poder levar alguns protagonistas a um par de oásis situados no interior beirão (que se assinalam de forma pouco criativa no mapa original a distribuir pelas escolas), onde existem diversas hipóteses de negócio e que funcionam como zonas de refúgio para amigos, familiares, professores e amigos de alguém.

(Cartografia extraída e adaptada, apressada e canhestramente, do Kaos.)

Vou ver um pedaço do Prós e Contras de hoje sobre a Greve Geral, que mais parece um simpósio da família Silva.

No canto da esquerda de quem observa de esguelha a TV, João Dias da Silva (FNE/UGT) e Carvalho da Silva (CGTP). No canto simbólico da direita, o ferrista reconvertido em socrático por comodidade do chefe, que precisava de alguém com pedigree de esquerda para limpar a Segurança Social, Vieira da Silva.

É impressão minha ou aquilo está morno como um leitinho antes de adormecer?

llosa1.jpgllosa.jpgOs exemplos que se sucedem de ex-sindicalistas e ex-esquerdistas inflamados e de destaque há não muitos anos que se passaram, com o sabre nos dentes, para o outro lado da barricada, assim como a leitura de alguns comentários mais corrosivos e viscerais sobre a sociedade burocrática que temos e algumas das suas organizações (sindicatos, partidos), fazem-me evocar aqui dois livros de um dos autores cuja obra completa não levaria para uma ilha deserta, se para lá fosse desterrado por uma qualquer Directora-Regional, mas que me deram suculentos momentos de prazer literário.

Mario Vargas Llosa não me interessa como político e como escritor há coisa de 20 anos que me custa a cativar, mas confesso que as obras aqui apresentadas, originalmente de 1973 e 1984 (em Portugal as edições foram em 75 e 87), são para mim mais esclarecedorasdo que muitos ensaios sobre certas formas de comportamento político, individual e de grupo, que marcaram uma época, permanecendo entre nós como fantasmas difusos que ainda condicionam muitos tiques e ensombram muitas atitudes.

Li Pantaleão e as Visitadoras bastante novo, ainda na fase incial da adolescência na segunda metade dos anos 70, e ri-me como poucas vezes me tinha rido até aí com a descrição detalhada das desventuras do pobre capitão Pantaleão Pantoja, jovem militar de princípios e valores conservadores, que é obrigado pelos seus superiores a ir para a selva amazónica organizar um serviço secreto de visitadoras destinadas a tornar menos desagradável e dura a permanência nessas paragens dos soldados peruanos. A forma rigorosa e burocrática como Pantaleão Pantoja se esforça por dignificar um serviço de prostituição em plena selva é um monumento irónico e de uma irrisão sem paralelo em qualquer obra crítica da burocratização da vida moderna.

Quanto à História de Mayta, obra mais tardia de Vargas Llosa e quando ele já se afastou das posições da juventude, é um testemunho ainda pouco azedo e mesmo quase carinhoso, apesar de desencantadosobre as ilusões de uma juventude profundamente ideologizada que, nos tais anos finais de 60-inícios de 70 em que se movia Pantaleão, acreditava que a Revolução estava ao virar da esquina, para isso bastando uma vanguarda de meia dúzia de militantes, um jornal revolucionário e muita ingenuidade.

A leitura de qualquer destas obras vacinou-me pela via do humor contra várias tentações e perigos, entre o(a)s quais está o levar demasiado a sério construções teóricas muito sofisticadas e auto-explicativas, tanto no plano político como sociológico ou mesmo histórico. São, em qualquer dos casos e apesar da diversidade do olhar do autor nos dois momentos, denúncias extremanente eficazes dos perigos, a um tempo, da obediência cega ás ordens superiores, aos paradoxos entre os valores declarados e praticados por organizações e indivíduos, do sectarismo político, da incapacidade do diálogo causada pelo excesso de ideologia e, indirectamente pelo percurso do autor, das consequências dramáticas para os indivíduos quando percebem que a Fé em que acreditavam era vã e apressadamente procuram, ao perceberem o erro, atacá-la com tantas ganas como antes a tinham defendido.

Se é bom que tenhamos crenças e valores a que nos agarrar e se detesto as teorias do consenso paralisante, também não deixa de ser verdade que dou tanto valor aos fundamentalistas de uma cor como aos fundamentalistas de sinal oposto que acabam por agir da mesma forma que aqueles que criticam.

E, claro está, embora possa apreciá-las nalguns aspectos da forma, reservo o mesmo valor para as respectivas retóricas e o mesmo desdém pelo afã persecutório que exibem os seus protagonistas.

Graças a nota atempada do DA, eis que tenho conhecimento das listas de candidatos ao Conselho dos 60, já disponíveis no site do patronato.

No caso que melhor conheço, o distrito de Setúbal, existem 3 listas que envolvem 12 candidatos efectivos e 9 suplentes.

Fico orgulhoso porque das escolas por onde passei nos últimos 15 anos – e foram umas quantas – só lá encontro um nome. Percebe-se, portanto, porque salvo raríssimas excepções e episódios esporádicos tenho boas recordações dos meus CD’s/CE’s. Tudo gente mais de trabalho do que de pose e ânsia de protagonismo.

Em contrapartida, por testemunhos alheios que fui ouvindo e recolhendo, encontro alguns nomes conhecidos pelo seu zelo e devoção pelo cumprimento até à última nota de rodapé da mais remota circular, na versão mais exacerbada, de toda e qualquer instrução ministerial que vise diminuir a autonomia dos docentes e amesquinhar a sua função.

Pensando bem, essas candidaturas são as mais naturais e aquelas que certamente o ME mais acarinhará no seu amplo regaço.

Como já escrevi, o relatório final do debate alargado sobre a situação da Educação em Portugal promovido pelo Parlamento deve ter o mesmo destino de diversos outros produzidos em catadupa nos últimos 20-30 anos.

Normalmente destes relatórios só são aproveitadas pelo poder político as partes que se adequam às opções já previamente tomadas e que apenas esperam pela caução dos “especialistas”. Em alguns casos não fica nada, excepto o papel (agora já é menos, por causa dos suportes virtuais), umas linhas curriculares nos colaboradores e coordenadores e, espero, alguma compensação material pelo tempo gasto, que eu quase diria perdido.

No caso deste relatório, cuja leitura é útil, apesar de encontrarmos na equipa que o produziu muitos dos nomes de responsáveis não-políticos por boa parte das políticas educativas dos últimos 20 anos, achamos um conjunto de conclusões que seria interessante explorar. Embora sob a aparência da repetição do óbvio, parte do que se escreve – exactamente pela repetição – é importante para compreendermos as razões do nosso insucesso especificamente educativo, mas também do fracasso global das políticas sociais.

E é exactamente por aí que começam as «Propostas para melhorar a Educação nos próximos anos» (pp. 141ss):

1. Conceder especial atenção à educação das crianças (do nascimento aos 11 anos), dentro de uma política social global e não apenas escolar.

Esta proposta, como acima escrevi, entra resolutamente pelo caminho do lugar-comum recorrente no discurso educacional. É incontroverso que se deve dar especial atenção à educação das crianças; se é até aos 11 ou outros anos é uma questão de detalhe.

O que interessa é a parte final em que se declara que a atenção a dar à educação das crianças não deve – nem pode – passar apenas pelas Políticas da Escola, mas sim por uma política social global. Que é exactamente onde o Estado tem vindo a recuar em passo apressado nos últimos anos.

Não vale a pena apontar para o crescimento da rede pré-escolar no último par de anos, porque essa não é mais do que a faceta das Políticas da Escola que falhou mais redondamente nos últimos 30 anos. Quando se fala numa política social global, isso passa por políticas de apoio às famílias que não se limitem a arranjar espaços para depositar crianças a partir dos 3 anos. Passa pela protecção – a começar pelo mundo do trabalho – às mães e pais das crianças, permitindo-lhes condições que possibilitem um efectivo acompanhamento dos seus filhos, assim como às famílias não andarem permanentemente sob níveis de pressão que se reflectem depois em situações de ruptura.

O que nos diferencia, apesar de todas as medidas mais restritivas que possam estar a ocorrer em outros países, das nações mais desenvolvidas cujos modelos só importamos nas partes que precarizam as condições laborais e de protecção social, é que nessas paragens existem políticas pró-activas em matéria de natalidade e protecção à família, desde o nível dos abonos de nascimento e família a facilidades de horário para as jovens mães. Na Alemanha, a generalidade dos infantários da rede pública estão fechados às 4 da tarde porque as mães já puderam recolher os seus filhos. Na França e na Holanda os apoios às famílias “numerosas” começam a partir do terceiro filho.

Entre nós, o movimento é já de retrocesso, quando nunca se atingiram os níveis de desenvolvimento experimentados além. Nesse países, os eventuais recuos nas políticas sociais acontecem a partir de posições que para nós são apenas imagináveis. A flexisegurança na Dinamarca acontece num contexto completamente diverso do português. Nem vale a pena querermos fazer crer que entre nós funciona, a meio da escalada, algo que deu bom resultado para quem está no topo do monte.

Por isso, qualquer política pró-activa no sentido do sucesso educativo, medido pelos critérios de exames e provas de aferição (cuja existência não contesto) realizados sobre as aprendizagens desenvolvidas e adquiridas nas escolas, deve começar antes da escola e continuar depois dela. E em seu redor.

A Escola não é um oásis, nem à sua volta existe um deserto. É isso para que aponta esta proposta sensata, óbvia, mas sistematicamente ignorada. O contexto não é tudo, mas sem agirmos sobre o contexto envolvente, dificilmente as escolas conseguem funcionar como grande normalizador das desigualdades e como mecanismo compensatório das situações de vulnerabilidade económica e cultural. O que a sociedade não resolve, no seu todo, é resolúvel pela Escola?

Porque este é um fenómeno em que, como na teoria dos vasos comunicantes, é impossível termos altos níveis de desempenho num ambiente que comunica com outro(s ) em situação de extrema fragilidade.

Não chega despejar – nem que seja em catadupas – quadros interactivos e calculadoras nas escolas, se os alunos não chegarem lá com um nível mínimo de disponibilidade e predisposição para a aprendizagem, com a crença de que isso lhes será futuramente útil na sua vida.

Porque se continuarmos a apresentar-lhes como inevitável um modelo social em que as regras são desiguais, as oportunidades estão à partida condicionadas por factores estranhos ao mérito e as perspectivas de progresso cortadas, só podemos dar graças aos deuses do acaso por ainda termos alunos que se interessam vagamente por nos ouvirem e estarem dispostos a confiar em nós.

Nota final: Texto escrito muito rapidamente, depois eu apanho as gralhitas que por aí devem ter poisado.

Os comentários que marcar como “não spam” serão enviados para o Akismet como erros, para que o programa possa aprender e melhorar-se.

Nas últimas horas a Maria Lisboa e o H5N1 foram vítimas do excesso de zelo do bloqueador de spam do WordPress. Não é por falta de eu desmarcar as suas mensagens e tentar que o WP «possa aprender e melhorar-se», mas ultimamente parece que nem a tecnologia anda muito inteligente e disponível para uma auto-avaliação.

Sei que é uma das medidas com que quase todos estão de acordo, desde a tutela aos sindicatos, passando pelos especialistas que afirmam que é melhor para o sucesso escolar e socialização das crianças, não esquecendo todos os que aplaudem a racionalização da rede escolar do 1º ciclo.

Apesar de todas essas doutas opiniões, e talvez porque passei parte do meu tempo nos últimos anos em parte a estudar a dura luta pelo alargamento dessa mesma rede escolar a todo o país, processo que durou quase dois séculos a completar, choca-me imenso a forma como está ser dizimada a rede escolar do 1º CEB especialmente no interior centro e norte do país.

Lamento – e falo com algum conhecimento de causa pois assisti a uma primeira fase de reorganização da rede escolar num concelho como Alcácer do Sal na viragem para os anos 90 do século XX – mas não aceito como válidas muitas das razões e vantagens adiantadas para o que se está a fazer.

Acho que o critério fundamental é o da diminuição dos encargos e que todos os outros são meramente acessórios e cosméticos. A violência que é a separação (física e temporal) das crianças desta idade do seu meio mais próximo é algo que rasga muito mais laços e equilíbrios do que o eventual isolamento social que se aponta à sua situação actual. Fechar escolas com menos de 20 alunos em pequenas povoações do interior é dizer a essas populações para partirem de vez, para desistirem de ter esperança que o Estado faça mais por elas, pois até a Educação das suas crianças declara não poder assegurar se não for em outro lugar.

Isto é patético, particularmente porque se acusou longamente o Estado Novo de desinvestir na Educação e de esse ser um dos motivos mais profundos da manutenção da nossa situação de atraso. Quando foi o Estado Novo que criou a rede escolar que agora se desmonta. Já sei que me dirão que as crianças não ficarão sem escola, que até irão para estabelecimentos com melhores condições de aprendizagem. No entanto, talvez por anacronismo afectivo, ainda hoje acho que as escolas são um dos pólos que permitem que permaneça alguma população em vastas zonas do interior do país, não consigo aceitar de ânimo leve que neste novo milénio o Estado português, com todos os avanços que afirma ter conquistado para a nossa sociedade, recue por falta de meios, definindo prioridades que deixam a Educação das crianças de mais tenra idade para trás e dependendo dos humores de técnicos com folhas de cálculo à frente.

Em Alcácer do Sal, o concelho com a segunda maior área do país, aprendi em 1989-90 a esquematizar uma rede de transportes escolares com apenas duas carrinhas, para levar crianças dos pontos mais remotos para as sedes de freguesia. Ainda me lembro de tudo o que envolvia esse processo. E quase nada me deixou saudades, desde os truques sobre a multiplicação dos quilómetros aos horários prolongadíssimos de espera para regressar a casa. Não quero sequer pensar o que será agora, em muitos locais, acabar com as escolas nas sedes de muitas freguesias deste país e levar as crianças para a sede do concelho. No país rural, onde os acessos continuam miseráveis.

Para quem tanto afirma que é necessário defender a estabilidade emocional e afectiva das crianças, numa fase crítica do seu desenvolvimento não apenas cognitivo, não compreendo que argumentos contabilísticos se intrometam no caminho e obriguem a deslocações de horas em improváveis caminhos.

Se há sinal de que o nosso Estado faliu na sua missão de levar aos cidadãos os serviços sociais mais básicos, as actuais medidas no sector da Educação – a par das que também andam pela Saúde – são para mim das mais simbólicas.

E admito que sou quase completamente insensível aos argumentos da racionalização. Porque há coisas que não se conseguem racionalizar, muito menos quando é para racionar.

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