Junho 2006


Fui forçado hoje a assistir a uns dois terços da festa de final de ano do jardim de infância da minha filha, instituição privada, que se pretende afirmar com pergaminhos e clientela selecta.

Raramente – talvez só na festa do ano passado – tenha assistido a tanta labreguice (esta palavra existirá?) junta, em forma de feira de vaidades.

O efeito embrutecedor sobre um espírito humano médio e que se quer moderadamente normal foi violento, pelo que só em breve devo voltar a tão traumatizantes experiência que me provou à saciedade ser bestial (na derivação literal de produzido por “besta”) a ideia peregrina de colocar encarregados de educação como estes a avaliar docentes.

Enfim.

Paulo Guinote

Quando se procede à análise dos dados sobre as origens e evolução do atraso educativo português contemporâneo, muito em especial no que se refere às taxas de alfabetização ou analfabetismo, existe uma certa tendência, algo natural, para o acomodamento a alguns lugares-comuns aparentemente óbvios e, também na aparência, com algum potencial explicativo ou, no mínimo, descritivo da realidade portuguesa. Antes de mais, que a situação portuguesa foi de progressivo atraso, pelos padrões internacionais, ao longo de todo o século XIX; em seguida, que esse atraso sendo de carácter nacional, teria sido menos grave em alguns zonas do país, nomeadamente na faixa litoral e nos maiores centros urbanos, no que seria apenas mais uma faceta das crescentes clivagens campo/cidade e Litoral/Interior e, por fim, que a causa desse atraso terá sido provocada pela incapacidade do Estado (voluntariamente ou não) criar as infra-estruturas necessárias e indispensáveis à superação da situação existente.É minha convicção que este conjunto de ideias assentam, nos seus traços gerais, em alguns pressupostos que só em parte são verdadeiros ou, pelo menos, nem sempre são confirmados pelos dados de que dispomos o efeito. Quando se analisam os dados tratados por Rui Ramos sobre a alfabetização e o analfabetismo, com uma base concelhia, o que se verifica é algo diferente: no caso masculino a alfabetização é de muito maior no noroeste atlântico, estendendo-se muito mais para o interior transmontano do que para sul do Mondego, onde apenas em torno de Lisboa e em algumas áreas do interior alentejano se atingem níveis razoáveis de alfabetização entre 1878 e 1890. Não é por acaso que esse é o mapa da maior implantação da rede escolar. No caso feminino é algo inversa, sendo mais elevada no sul do país e na região duriense, mas muito baixa em todo o centro do país, Minho e nos concelhos mais meridionais do Alentejo.A causa da aparente disparidade entre o que se pode designar como “sabedoria convencional”, corrente, e a efectiva realidade deve-se, em grande medida, ao facto de muitas análises produzidas se concentrarem/deterem ou num plano demasiado amplo (análise das taxas distritais de avanço da alfabetização e comparação internacional da taxa global do nosso país) ou demasiado restrito (micro-análises ao nível de uma, ou um só tipo, de unidade de estudo).Penso que seria, se não mais útil ou frutuoso, pelo menos um pouco esclarecedor tentarmos analisar estes fenómenos segundo um prisma um pouco diferente, procurando detectar como se desenvolveram pelo país as diversas dinâmicas que caracterizaram este processo.Como hipótese de trabalho, parte-se da ideia que as explicações existentes, por serem demasiados simplistas e assentarem em oposições/clivagens esquemáticas, nos fazem perder de vista a complexidade e os matizes que caracterizaram o problema educativo nacional. Significa isto que se deve procurar verificar se foram efectivas as oposições interior/litoral e rural/urbano; em caso afirmativo, determinar em que aspectos se fizeram sentir com maior ou menor intensidade (progresso da alfabetização, expansão da rede escolar em números absolutos e relativos, afluência de alunos); em caso negativo, procurar detectar se existem elementos suficientes para propor outro tipo de modelos explicativo para o que se passou.

(em estado de continuação…)

Creio que o século XXI vai necessitar de uma nova ambição para desenvolver, não a conversa superficial, mas a verdadeira conversação, que consiste na partilha de ideias e de sentimentos e que modifica as pessoas. A verdadeira conversa é incendiária e implica mais do que enviar e receber informação.

Theodore Zeldin (2000), Elogio da Conversa. Lisboa: Gradiva, p. 12.

Todos os regimes, é triste escrevê-lo mas é verdade, procuraram sempre tratar o professorado como um rebanho dócil ao serviço dos seus ideais.

Não foi só o Estado Novo com a sua Escola Portuguesa, que procurou doutrinar sobre a matéria. A República já o fizera e as várias fases da Democracia que temos rambém o faz.

Esta é o novo rosto da publicação para o(a)s docentes bem comportados, que a senhora Ministra deve considerar modelares, caladinhos e cordatos. O site oficial, onde se encontra a Verdade ministerial, fica aqui.

Paulo G.

Ao que parece, há alguns dias a excelsa senhora Ministra da Educação colocou em causa a reportagem sobre violência nas Escolas realizada pela jornalista Mafalda Gameiro, acusando-a de ser uma “manipulação”.

A jornalista em causa responde-lhe hoje nas páginas do Público, com pés e cabeça, com ponderação e argumentos, coisa a que a desorientada Ministra que por enquanto ainda o é parece ter dificuldade em usar, preferindo as acusações descabeladas e, ela sim, as manipulações de dados estatísticos que apresenta em gráficos que ninguém consegue contrariar porque não se percebem quais as fontes e a fiabilidade.

Aliás, nunca até hoje a dita Ministra apareceu, em que ocasião fosse, em defesa da classe docente, antes parecendo ter-lhe uma permanente e doentia antipatia, um fastio inexplicável que a impede de – será que teve algum caso amoroso mal sucedido com alguém da classe ou de algum sindicato? – defender os professores seja em que situação for.

Eu dou aulas há quase duas décadas e já contactei, felizmente não em primeira mão ou pé, com situações como as descritas na reportagem e com algumas bem piores. Sorte ou azar, durante quase três anos tratei de todos os processos disciplinares na Escola em que me encontrava colocado. As agressões a colegas, funcionárias e docentes, não sendo o prato do dia, são situações recorrentes que só a senhora Ministra, no seu gabinete e nas teorias sociológicas que encaraminholam o seu intelecto, parece não conhecer.

Ora, se não conhece este tipo de situações, onde anda mal informada ou desconhece-as propositadamente.

Em qualquer dos casos anda mal.

Como de costume, prefere acusar sem fundamento quem tem uma versão diferente da sua. Fica-lhe mal, mas já vamos todos estando habituados.

Paulo Guinote

Apesar de se afirmar como um projecto político, a Educação nunca conseguiu gerar um verdadeiro consenso na elite política portuguesa quanto à melhor forma de a desenvolver, em virtude das suas evidentes consequências no próprio plano político. Para além do contributo, desejado, para o desenvolvimento económico, a elevação do nível educativo da generalidade da população seria vista, desde cedo, como a única via possível para garantir os plenos direitos de cidadania aos indivíduos. Ora, neste aspecto particular, essas consequências não são encaradas por todos os quadrantes como positivas e vai-se travar uma batalha entre os que não receiam a incorporação das massas populares na vida política activa e uma tendência para a universalização (masculina, entenda-se) do sufrágio e aqueles que temem que, mesmo educadas, essas massas constituam uma ameaça à estabilidade do poder estabelecido se, de súbito, puderem interferir no processo político por via do sufrágio.

A democratização do ensino implicava, a curto ou médio prazo, uma gradual abertura e/ou democratização da vida política e essa é uma consequência que muitos (mesmo os que repetidamente invocavam o atraso educativo como causa primeira da decadência da Nação) não encaram de ânimo leve, fossem eles conservadores temerosos de uma indesejada novidade ou progressistas receosos da manipulação dos novos eleitores, escolarizados mas não esclarecidos, por parte dos caciques locais.Assim se vai formando uma coligação de interesses, nacionais e locais, que conseguirá opor-se à paixão de alguns e entravar um avanço mais rápido da alfabetização da população, tanto pela inércia como pela sistemática subdotação financeira para a implementação das ambiciosas reformas educativas.  

«Há a questão da despeza. Eu direi, que assim como se votam despezas de uma ordem material, assim como se criam tributos para as satisfazer, muito mais os deve haver para a instrucção publica; eu digo que se devem crear ou augmentar os tributos para satisfazer ás despezas do ensino primario; se queremos educar os nossos filhos, é preciso não nos recusarmos a algum encargo.»[1]

Não esqueçamos ainda que, a aos condicionalismos do lado da oferta, se deve ainda acrescentar a fragilidade da procura educativa na maior parte do país, facilmente explicável por uma ausência de políticas que incentivassem as famílias a investir da educação dos seus descendentes, demonstrando as suas vantagens. Sem estímulos adicionais, o peso da inércia e da tradição conduzia com naturalidade à perpetuação de práticas ancestrais em que a Escola não tinha um lugar de relevo e a Educação não era vista como um activo/investimento a prazo, mas apenas como um passivo imediato sem retorno previsível. Com este cenário, dificilmente seria possível inverter uma situação de crescente afastamento das médias europeias de escolarização, alfabetização ou literacia. Apenas demonstrando as vantagens (e não apenas as materiais) da obtenção de níveis educativos mínimos seria possível fazer acelerar o ritmo dos ganhos.


[1] Intervenção do deputado Tavares de Macedo na Câmara dos Deputados, Diário da Câmara dos Senhores Deputados, 12/Abr/1854, p. 155.

Em 1975, em plena (e algo anárquica) explosão democratizante da Educação em Portugal, não apenas em números, mas igualmente em métodos pedagógicos, algumas publicações surgiam a tentar colocar-nos a par com o que então se fazia lá por fora, neste caso com a benção da Unesco, organização com melhores intenções que resultados. Mas isso é outra conversa.

Neste caso, o nº 0 de Perspectivas, revista que prometia vir a ser trimestral e que compilava alguns dos que se consideravam ser os melhores artigos dos anos anteriores. Entre eles, um sempre actual "Os professores culpados ou vítimas da crise da educação?" de Pierre Furter, professor na Universidade de Genebra (pp. 45-53).

Paulo Guinote 

A Educação tornou-se progressivamente, desde meados do século XVIII e do apogeu do Iluminismo, uma das questões centrais do discurso político nacional e, mais do que isso, um dos instrumentos tidos como necessários e indispensáveis para a transformação da sociedade a todos os níveis. Em nome do Progresso, a Educação surgiu desde esse período, de forma explícita ou não, como uma componente essencial de qualquer projecto político tendente a reformar qualquer sociedade humana estabelecida.

No nosso país, e muito particularmente no caso da Educação, a legislação sempre foi encarada como o instrumento privilegiado, a alavanca essencial, do Progresso. A produção legislativa foi sempre vista como o catalisador indispensável para o avanço da Sociedade, quando esta parecia estar adormecida ou em decadência. Perante a incapacidade da sociedade civil e da iniciativa privada, por si, assegurarem o desenvolvimento, o Estado optou, por regra, por intervir de forma legislativa, acreditando na capacidade do Verbo com a força de Lei alterar a situação existente.

Portugal experimentou desde a segunda metade do século XVIII um progressivo atraso em relação aos principais parâmetros de desenvolvimento das nações do centro da sociedade industrial moderna, situação que foi sendo diagnosticada de forma sucessiva. Uma das principais soluções para combater esse atraso sempre foi encontrada na Educação, visto que, mais do que o atraso económico nacional, o atraso educativo foi percebido como a causa do crescente subdesenvolvimento nacional[1]. Os lamentos sucederam-se desde final do século XVIII, percorrendo todo o século XIX e só sendo abafados durante o primeiro quartel do Estado Novo.

Se em algumas nações, a percepção do atraso conduziu à tomada de iniciativas que conduziram a um encurtar, ou mesmo à eliminação, da situação de atraso verificada, em Portugal isso não aconteceu. Em muitos casos, nem uma possível utopia das soluções apontadas justifica a incapacidade prática para as concretizar. Após a Regeneração e durante o Rotativismo, nem o álibi da instabilidade política pode ser alegado. O principal problema sempre passou por uma evidente desadequação da produção legislativa relativamente aos meios mobilizáveis para a sua implementação ou, pelo menos, em relação à definição de prioridades com a despesa pública quando se chegava ao momento da elaboração dos Orçamentos de Estado. Embora alguns autores, como Jaime Reis, afirmem que a permanência de um elevado nível de analfabetismo na segunda metade do século XIX não se ficou a «dever à presença de barreiras materiais e humanas intransponíveis» e que o investimento requerido para tal empreendimento não era superior às possibilidades do Estado português da época, a verdade é que a explicação não passa apenas pela falta de pressão da procura de um “mercado de bens culturais” pelas famílias, neste caso de um mercado educativo desenvolvido. Em primeiro lugar, temos a constatação de que, durante a maior parte dos séculos XIX e XX e permanecendo ainda no presente, as verbas dispendidas pelo Estado na Educação não apresentam o devido retorno em termos de resultados[1].

Em Portugal, a injecção de mais capitais no sector da Educação raramente produz os retornos desejados, quer por ineficácia do aparelho administrativo, quer por deficiências na definição das prioridades nas áreas de investimento no seio do próprio sistema, quer ainda por maiores ou menores distorções entre as necessidades concretas no terreno e as políticas unificadoras e homogeneizadoras definidas a nível central. O sistema educativo público português sofre de há muito de diversos paradoxos, não sendo o menor deles, o aparente insucesso de políticas que, vistas no plano da sua formulação legislativa, parecem profundamente racionais e correctas nos seus princípios orientadores. A verificação, logo no curto prazo, do insucesso das políticas educativas conduz ao segundo factor que agrava esse mesmo insucesso: a rápida sucessão de novos projectos de reforma educativa quando a anterior ainda não apresentou resultados, geradora de um clima de incerteza e instabilidade em todo o sistema e nos seus agentes, inseguros quanto à validade de um grande investimento ou envolvimento, pessoal ou institucional, em projectos que não sabem quanto tempo irão durar.


[1] Se analisarmos a curva de longa duração dos níveis de alfabetização em Portugal desde a primeira metade do século XIX até finais do século XX constatamos que a sua evolução parece quase desligada das oscilações no nível de investimento público no sector da Educação. Para os dados sobre as despesas do Estado ver Nuno Valério (1994), As Finanças Públicas Portuguesas entre as Duas Guerras Mundiais. Lisboa: Edições Cosmos; Ana Bela Nune (2003), “Government Expenditure on Education, Economic Growth and Long Waves: The Case of
Portugal” in Paedagogica Historica, vol. 39. nº 5, pp.559-581.

 

Paulo Guinote

(continuará…)

… na Visão a campanha em prol da Ministra da Educação, agora com uma entrevista em que, logo à segunda questão, se lhe pergunta a razão da sua grande popularidade entre pais e opinião pública.

Perante tamanha distorção da realidade, até a dita senhora tem pejo em responder de forma afirmativa, declarando desconhecer estudos de opinião ou sondagens sobre essa matéria.

Pelo menos nisso estamos de acordo. Quanto à Visão, já percebemos que causa escolheu.

Paulo G.

… pelo eventual mau funcionamento das Escolas, e para não se virar para o próprio Ministério, que tal se a Ministra tomasse algumas medidas sobre uma das situações mais abusivas actualmente existentes no sistema educativo que é a ausência de uma limitação de mandatos para os Presidentes e Vices dos Conselhos Executivos.

Raramente tive problemas nas muitas escolas por onde passei – só me lembro de um par de situações bem graves – mas a verdade é que há gente que leva uma ou duas décadas, quando não mais, no cadeirão do poder com tudo o que isso acarreta de autismo, alheamento da realidade docente e alimentação descarada de clientelismos.

Para mais detalhes, eu hei-de voltar aqui com um pouco mais de tempo.

Paulo G.

Um aspecto curioso da evolução das equipas ministeriais nos últimos 20 anos, e em especial do(a) Ministro(a) da Educação dos diversos governos é que, por regra, cada nova maioria começa com fôlego e com uma personalidade destacada e preparada para ocupar a pasta em causa.

Foi assim com Cavaco Silva e Roberto Carneiro, só tendo vindo depois os Coutos dos Santos e os Diamantinos Durões.

Foi assim com Guterres e Marçal Grilo, apesar de ter apensa a nefasta Benavente numa Secretaria de Estado onde fez muitos danos.

Foi assim com Durão Barroso e David Justino, só tendo surgido depois com Santana Lopes aquele senhora que respondia pelo nome de Maria do Carmo Seabra e da matéria não percebia nada, só lhe valia ser parente chegada daqueloutro Seabra, padre de influência.

Não foi assim com José Sócrates que trouxe para o Ministério da Educação alguém com um currículo curtíssimo (nulo?) em matéria de investigação ou estudo na área da Educação, mostrando apenas uma certa especialização para estudar a profissão de engenheiro e para ocupar cargos na instituição universitária a que pertence. Sejamos francos: o currículo de Maria de Lurdes Rodrigues é uma coisa muito, muito fraquinha para explicar a suia escolha.

Roberto Carneiro, Marçal Grilo e David Justino eram e são pessoas ligadas ao sector, que o estudaram, que sobre ele tinham e têm opiniões fortes e fundamentadas, gostemos ou não delas.

À actual Ministra não se conhece qualquer tipo de pensamento, de teoria, de ideias sobre o sistema educativo. Isso não seria necessariamente mau, se ela pelo menos revelasse sensibilidade para este tipo de matérias. Mas, como boa socióloga do trabalho, e logo especializada em engenheiros, o que ela tem são ideias muito gerais e livrescas sobre “organizações” e a partir daí debita uma cartilha algo desfasada da realidade sobre o sector da Educação.

Podemos perguntar-nos: porque terá o engenheiro Sócrates com uma maioria parlamentar monocolor não arranjou melhor, alguém com maior currículo e peso político na área? Não sei se não terá sido propositado. Tanto porque não quis ninguém que sobressaísse pela sua personalidade, como porque quis alguém apenas para cortar as despesas no sector, com vagas justificações quanto à eficácia do funcionamento “organizacional” das escolas.

E, pelo seu próprio desconhecimento do que são os males verdadeiros do sistema educativo, a actual Ministra seguiu em frente de acordo com as ordens recebidas, de baias postas e tentando levar tudo à frente, com o apoio tácito de micro grupúsculos artificialmente mantidos, como a Confap e uma dezena de micro-sindicatos cujo financiamento seria interessante descobrir.

E quem se lixa no meio disto tudo? Não são só os professores, aqueles que no curto prazo são os principais visados. A médio e longo prazo será, de novo, todo o sistema que, mesmo que esta sacudidela tenha alguns efeitos estatísticos no abaixamento do insucesso escolar, será obrigado a confrontar-se com o insucesso efectivo e a iliteracia funcional da maior parte da população escolar criada neste clima de intimidação e pressão sobre a classe docente.

Paulo Guinote

Há dias recebi esta publicidade a uma instituição educativa privada, que aparentemente me pretende aliciar para lá inscrever a minha descendência em idade escolar.

Sei por interpostas pessoas, que lá se cobra e bem em matéria de matrículas e mensalidades.

Mas parece que o domínio de aspectos básicos da Língua Portuguesa é bem escasso por aquelas paragens, pelo que lhes envieei o protesto que abaixo transcrevo, ao qual anexei a imagem que aqui também repoduzo do verso do postal publicitário.

É que já estou farto disto. E depois a culpa é do ensino público.

«Cara Srª Directora do Recreio Mágico

Recebi na minha caixa de correio a publicidade de que anexo o verso. Tenho uma filha em idade escolar e sou professor.

Como calculará, tenho alguns problemas com a forma como a Língua Portuguesa é tratada no vosso simpático postal e deixa-me sem nenhuma vontade de recorrer aos vossos serviços.

Acredito que alguém saiba escrever "privilegiado" na vossa digna instituição, assim como quem perceba que a vivência se experimenta "na" Quinta Pedagógica e não "com" a dita.

Para males, já me chega a Ministra dizer que sou responsável pelo insucesso dos alunos. Não preciso que uma instituição educativa (felizmente privada) o demonstre.

Se a justificação é que foi o(a) senhor(a) da limpeza que fez o texto e ninguém mais lhe deu uma olhadela, pior ainda para o profissionalismo da coisa.

Portanto, e embora saiba da eventual incoveniência do meu reparo, talvez fosse melhor começarem a olhar com mais atenção para aquilo que escrevem pois, pelo menos aqui por casa, não sentimos vontade de gastar centenas de euros mensais em troca deste tipo de "previlégios".

Atenciosamente.

P. Guinote »

«Não é a idade nem o sexo que imprime ou tira o respeito. É o comportamento da pessoa acompanhado da influencia do saber.»


António da Costa (1870), A Instrução Nacional, p. 219.

Ainda alguém se lembra… só a título de curiosidade,  da forte polémica acerca das habilitações académicas do nosso 1º Ministro e em especial da forma como obteve a sua licenciatura? É que é difícil perceber-se pelas biografias oficiais quando e como tudo foi feito ou apareceu feito. E lembro-me bem como em finais de 2004 o assunto correu boca e fez gastar algum papel.

E já agora, o que haveremos de achar do currículo da Ministra que nos coube em sorte?

Na minha modesta opinião, tanto interesse nos engenheiros e na engenharia estão a mostrar os seus resultados. Cá para mim a sua preferência até deve ser em engenheiros civis como o seu acima citado Primeiro, tamanho é o cimento e a argamassa do seu discurso. Para não falar em camartelos, bulldozers e outro tipo de maquinaria destruidora e terraplanante.

Paulo G.

Aqui começam alguns dos problemas sérios deste documento, desde logo quando se fala na ficação de “dotações globais” para a carreira docente e de “maior flexibilidade à gestão dos reecursos humanos”, seguindo-se no nº2 o tal texto de um terço de professores titulares por Escola.

Imaginemos apenas um problema prático resultante da aplicação desta proposta de ECD, nas suas diversas vertentes: se é mais à frente neste documento afirmada a transição prática de todos os docentes nos 9º e 10º escalões para a categoria de professor titular e se a Ministra afirma que metade dos docentes estão actualmente nos 8º, 9º e 10º escalões isto não significa que, desde já, o “tecto” de um terço não ficará ocupado e esgotadas, nos próximos anos, todas as hipóteses de progressão?

E nos estabelecimentos de ensino, como muitas Escolas Secundárias em zonas “nobres” de alguns centros urbanos, como capitais de distrito, em que há largamente mais gente com condições de ser professor titular, o que fazem com os excedentários? Mantêm-nos congelados ou despejam-nos para outros estabelecimentos, onde vão tapar a progressão de eventuais excelentes professores que lá trabalhem?

Não compreendo forma de regulamentar isto, com base em tectos pré-definidos como estes que estão claramente desfasados de muitas realidades escolares e que apenas servem par criar mau ambiente entre os docentes, não só para com o Ministério, mas mesmo entre si.

Por outro lado, no outro extremo da carreira, existem medidas draconianas no ingresso pois se determina que uma classificação abaixo de “Bom” dá direito a imediata exoneração. Ora isto quando os docentes em causa estão a dar os primeiros passos na carreira e, por isso mesmo, com maiores dificuldades em conseguirem um melhor desempenho.

Na prática isto é tornar a carreira uma espécie de balão esticado ao máximo no meio e apertado na base e no topo, o que criará a curto prazo – nem sequer a médio – situações incomportáveis, no plano organizacional, e insuportáveis, no plano individual, de pressão sobre os docentes e de agravamento de problemas de stress profissional e pessoal.

Mas isso já percebemos que o Ministério deve considerar como algo positivo, pelo menos a avaliar pelo silêncio com que são recebidas as notícias recentes sobre violência nas Escolas, sobre as quais a equipa ministerial evita pronunciar-se e, pior, não revela qualquer tipo de solidariedade para com os docentes atingidos.

Veja-se o caso da professora agredida na Escola de São Gonçalo que, ao meter atestado médico até final do ano, pelas novas regras, ficaria desde já com a sua progressão na carreira ameaçada ou, em última instância, arruinada.

Paulo G.

«À medida que relutantemente começam a conformar-se com a exigência de que a sua criança deve não apenas entrar na sala de aula mas permanecer lá durante anos, os pais têm uma crescente  garantia de que ela irá ganhar a instrução básica da literacia que no passado estavam por vezes disponíveis para adquirir de outros fornecedores. E, pelo menos, as crianças mais capazes agora têm a perspectiva que as suas aulas podem fornecer-lhes o tipo de desenvolvimento imaginativo e de descoberta que antes apenas estavas disponíveis quando ouviam os contadores de histórias da família ou faziam jogos aventurosos nas ruas locais e nos campos.» (David Vincent (2004), The Rise of Mass Literacy, p. 56)

Em Portugal, depois de um longo período em que a Igreja assumiu o principal papel na instrução das almas, sendo que essa instrução deveria permanecer limitada em diversos aspectos, o Estado arrogou-se da função de levar a instrução pública ao maior número possível de indivíduos, no sentido e na crença de que esse seria o melhor método para os tornar cidadãos conscientes e activos.

Depois dos esboços pombalinos, foi o Estado Liberal que, em especial a partir da segunda metade do século XIX, tentou expandir uma rede escolar pública que levasse estabelecimentos de ensino aos locais mais remotos onde eles se revelassem necessários. A República afirmou que esse esforço tinha sido insuficiente e que muito haveria mais a fazer, insistindo na fundação de novas escolas quase tanto como na retórica. Apesar de um discurso de sentido aparentemente contrário, o Estado Novo prosseguiu essa tendência de levar uma Escola Primária a cada aldeia de Portugal.

Quando foi conquistada a Democracia, pouco espaços ainda não eram cobertos por uma rede escolar primária e a democratização da Educação exigiu que as carências existentes fossem supridas. Todos estes regimes procuraram que a acção do Estado chegasse às famílias e substituísse parte do seu papel tradicional na educação dos seus filhos e filhas, por vezes contra a própria vontade.

Actualmente sofremos um movimento inverso de refluxo, em que o Estado recua, fechando os postos avançados da sua acção educativa, ao mesmo tempo que afirma a necessidade de melhorar o desempenho de todo o sistema. Paradoxos que o são só na aparência. Porque o que o Estado enquanto Grande Educador está a fazer é apenas, depois de ter inculcado a necessidade educativa nas prioridades da população, exigir que os cidadãos se sacrifiquem por desfrutar daquilo que agora é apresentado não como uma missão essencial do Estado, mas como uma obrigação desses mesmos cidadãos, com custos acrescidos.

Será todo este processo, com os seus avanços e momentâneos recusos, de expansão e retracção do Estado, Grande Educador, que procurarei analisar de forma algo sumária.

Paulo G.

Que a senhora Ministra da Educação tenha problemas pessoais com dirigentes da Fenprof?

E eventualmente vice-versa?

Será legítimo tornar os professores a carne para canhão de vinganças pessoais mesquinhas?

É verdade que a greve foi precipitada, é verdade que em Lisboa havia dois feriados em volta (e o resto do país, não conta?), é verdade que os sindicatos foram habilidosamente empurrados para um calendário de negociações desvantajoso para acções de protesto, é verdade isso e muito mais, mas algo tinha de ser feito.

Não foi a melhor opção, é certo; é capaz de acicatar mais uma Ministra ressentida e claramente rancorosa com quem se lhe opõe, também percebo.

Mas, afinal, vamos comer e calar? Não será altura de a dita Ministra, que já cá não estará quando eu conseguir mudar de escalão, perceber que ela deve servir o bem público e não servir-se do poder que tem para tirar desforço de azedumes passados?

É que a forma como falou e olhou para os jornalistas quando hoje acusou a Fenprof de estar instrumentalizada pelo bicho-papão (é curioso que, logo por acaso, grande parte da direcção da dita sejam renovadores, ps's e bloquistas), revelou uma forma ínvia de fazer política e de se relacionar com os adversários, para a qual não há lugar no exercício duma função como a que ela desempenha.

Se é para fazer "cortes" que o assuma, não o oculte com estratagemas congeminados por equipas de estrategas políticos.

Haja paciência.

Paulo G.

Na revista Visão continua a campanha em favor da actual Ministra da Educação. É um direito que lhes assiste. Não nego o direito a ser bom pai, ou boa mãe, de família a quem defende a política da senhora e o gosta de expressar.

O que me mete alguma impressão é quem defende certas lógicas de funcionamento quando se plicam só aos vizinhos do lado. É o caso do opinador Pedro Norton que terá muitas razões para não gostar de sindicalistas – eu próprio aprecio poucos – e algum trauma infantil ou juvenil para tanto o encrespar contra a classe docente.

Porque a coisa é assim: como assinante da Visão desde o número 1 eu também gostaria de exercer a minha "avaliação externa" sobre os colaboradores e comentadores da dita revista e, dessa forma, manifestar de forma eficaz a minha discordância quanto à forma como o dito senhor gosta de perorar sobre o(a)s professore(a)s, sem que eu perceba exactamente de onde lhe vem tanta competência para esse efeito.

Escreve Pedro Norton  que Eduardo Prado Coelho já lhe chamou, em tempos, "cavalo" e que agora o apodou de "ignorante".

Eu discordo, pois acho que com o cavalo, animal nobre e inteligente, o citado articulista tem pouco em comum. Quanto a ser ignorante, isso não me preocuparia que a ignorância não é mal por si só, a menos que fosse um ignorante fanático, o que desconheço. O que me preocupa são aqueles que, ilustrados e bem informados, actuam e opinam como se de ignorantes se tratassem e optam por enlamear os outros com a lama que não gostavam que lhes atirassem acima.

É que, por este andar, eu também quero que nem todos os candidatos a opinador tenham direito a coluna regular na imprensa nacional e, para além disso, gostava que Pedro Norton perorasse sobre a eventualidade de, lá por eu conhecer um ou outro jornalista que troca a colocação de notícias ou análises por vantagens que não interessa nomear, eu indizisse que o PN faz o mesmo.

Porque ou há democracia ou comem todos pela mesma labita.

Paulo G.

… na matéria de hoje do Correio da Manhã, entre tantos números, é que existam 27, sindicatos, VINTE E SETE (!!!) ditos representativos da classe docente.

Alguns 10 ou 15 devem ter, todos juntos e incluindo os dirigentes, o quê? Um milhar de associados? Mas fazem figura de "parceiro" nas negociações com o Ministério. E ajudam a estas manobras de propaganda do Ministério, oferecida à imprensa em antevéspera de dia de greve.

Quem os criou ou financiou a sua criação? Alguém se preocupou em saber e determinar ao certo?

É que, não sendo eu sindicalizado, surpreende-me a fartura da oferta e desconfio muito de certos coelhos que por aí andam com pele de lebre lustrosa.

Paulo Guinote 

Chegado, por reencaminhamento de mail mas que, pela prosa, não me parece que a autora se importe com a divulgação do que escreveu.

Sobre a avaliação dos professores… ou sobre um país em que o S do poder do presente acaba por se assemelhar a um S de poderes que julgávamos já passados!!!

Perguntem a qualquer professor digno desse nome se ele quer ser avaliado. E a resposta é SIM! Claro que sim! Mas qual é o bom profissional que investe na carreira e que quer ter o mesmo SUF automático num relatório para progressão na carreira que aquele que vê o ensino como uma forma de ganhar dinheiro "para os alfinetes"? Qual é o bom profissional que investe muito do seu tempo e da sua energia para querer depois ser "metido no mesmo saco" daquele que pouco ou nada faz??? Qual é o professor digno desse nome que gosta de ganhar o mesmo (ou ainda menos, se estiver num escalão inferior) do que aquele que é bem pior profissional do que ele?

Será este país tão estúpido e tão cegamente arrogante para achar que pode existir sem professores? Será este país tão estúpido para achar que a forma de limpar o ensino dos maus profissionais (que existem, claro que sim! E não contem comigo para ser corporativista…) é atacar todos os professores, atribuir-lhes as causas de todos os males da sociedade, desde os meninos que se drogam porque os professores faltam (ouvi isto da boca do senhor Albino, da Confederação de Pais) até aos de falta de produtividade do país? Será este país tão estúpido e tão arrogante que entenda poder não reconhecer as horas que os professores dedicam a preparar as aulas, a pensar em como “agarrar” aquele aluno que anda meio perdido, a telefonar vezes sem conta para os pais do outro miúdo que anda completamente desorientado, a gastar dinheiro do seu bolso em materiais de apoio, a levá-los a ver museus, teatros, exposições, conhecer coisas que muitos pais, confortáveis nos seus fins de semana de centro comercial, não estão para fazer? Já agora, para os que dizem que os professores só querem passear, pensem que o podemos fazer com os nossos filhos e amigos, sem ter que passar 12 horas fora de casa de um dia que, passado, na escola, seria de muitas menos e sem a responsabilidade de tomar conta dos filhos dos outros. Será este país tão estúpido e tão arrogante que esqueça que são os professores, como é, obviamente, sua função e responsabilidade, a dar a todos os alunos o melhor das ferramentas de que dispõem, sejam elas  científicas,  intelectuais, sociais, de cidadania e de tudo o mais que possam imaginar e entender necessárias?

Será este país tão estúpido e tão cegamente arrogante que não perceba que sem os professores que tentam tirar os miúdos do miserabilismo intelectual em que muitos vivem (independentemente da classe social) teremos cada vez mais uma escola de pobrezinhos onde, para não haver insucesso, devo partir daquilo que "a criança" é e sabe, descer ao encontro dos seus interesses, por causa do insucesso, etc,etc,etc… (como isto dá jeito aos donos dos colégios…)? Assim, ajudamos os pobrezinhos a cumprirem o seu (pré)desígnio na vida… Será este país tão estúpido que não perceba que sem os professores que se estão a borrifar para estes determinismos sociais e que tanto trabalham, se for essa a vontade do aluno, para ser médico o filho do cozinheiro como o deputado, teremos cada vez mais o país da elite, a quem tudo é possível, e o dos outros, fechados e condenados ao atraso e a perpetuarem o meio onde tiveram o azar de nascer?

Será este país de "professores de bancada" (pois, tal como no futebol, todos parecem saber mais do que é ser professor do que nós,  pelos vistos os mais incompetentes do todos os profissionais deste país!) capaz de parar da gastar o tempo (tempo este em que muitos se poderiam dedicar, digamos, a educar os próprios filhos, a ir à escola saber deles, a dedicar-lhes tempo, sei lá…!) a fazer analogias entre as empresas privadas e os professores? Será este país tão estúpido e tão cego que não veja, nas empresas, as políticas de incentivo, os prémios de produtividade, os seminários de motivação, os telemóveis de serviço, os computadores da empresa para trabalhar em casa e, sem ir ao mais óbvio, os ordenados? Será este país tão estúpido que não entenda que os professores são profissionais qualificados, não têm o 9º ano nem tão só o 12º? Portanto, sejam pelos menos honestos (se não conseguirem ser inteligentes!) nas comparações.

Será este país tão estúpido e tão cegamente arrogante? Quantos de vós não devem muito do que são a professores que tiveram? Ou os vossos filhos?

Será o meu país tão cego e tão arrogante???

Assim, perguntem a qualquer professor digno desse nome se ele que ser avaliado… E ele responde-vos que SIM! O que não queremos mais é ser constantemente humilhados, culpabilizados, achincalhados, denegridos, tratados sem a consideração, o respeito e a inteligência que a minha profissão e o meu profissionalismo me concedem o direito de exigir!

E, citando Almada Negreiros:

UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR POR UM DANTAS É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI! É UM COIO D'INDIGENTES, D'INDIGNOS E DE CEGOS! É UMA RÊSMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PODE PARIR ABAIXO DE ZERO!

… cada geração tem o Dantas que merece! Mas também tem nas suas mãos o poder de o reduzir à sua insignificância… Até porque do Dantas, o verdadeiro, o Júlio, não fora o testemunho/desabafo do Almada Negreiros, e já se teria dissolvido na poeira dos tempos…

5 de Junho de 2006

Ana Cristina Mendes da Silva, professora do departamento de Língua Portuguesa do quadro de nomeação definitiva da Escola Secundária da Amadora

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