(In)Sucesso


Government policy is credited for the capital’s educational turnaround – but others say it is the result of more children from aspirational ethnic minority families at its schools

… mesmo a tempo das eleições.

Para quem criticava as NO não deixa de ser caricata esta forma de “combater o insucesso” e certificar a esmo.

Basta ler o artigo, para perceber o que os próprios directores dizem desta coisa vocacional destinada a afastar das pautas muitos milhares de indesejáveis.

EXp21Mar15

Expresso, 21 de Março de 2015

 

Failings of American High Schools

(…)

Most discussions of high school reform focus, not surprisingly, on schools and teachers. They typically call for changes in the curriculum, in instructional methods, or in the selection, training, or compensation of teachers. I think this focus on what takes place inside the classroom is myopic. And it is why our efforts to improve high schools in America have largely failed. We haven’t done anything to improve adolescents’ noncognitive skills.

Nearly twenty years ago, in Beyond the Classroom (Steinberg, 1996), I argued that no school-reform effort would have any impact, though, if students didn’t come to school ready and able to learn. I continue to believe that this is true. The fundamental problem with American high-school achievement is not our schools or, for that matter, our teachers. If parents don’t raise their children in ways that enable them to maintain interest in what their teachers are teaching, it doesn’t much matter who the teachers are, how they teach, what they teach, or how much they’re paid. Without changing the culture of student achievement, changes in instructors or instruction won’t, and can’t, make a difference. In order to do this successfully, we need to start with families.

O número de alunos com necessidades educativas especiais duplicou nos últimos dois anos. A inclusão tem tido resultados positivos, mas também muitas falhas. Não há dinheiro que chegue nem técnicos para apoiar estes estudantes. Estas conclusões são de um estudo comissionado pelo Ministério de Nuno Crato.

É o chamado mais com menos.

Discordo da teoria da cultura da retenção e da forma como tem sido fundamentada.

Considero-a, em termos pessoais, profissionalmente ofensiva para os professores, em especial quando formulada de modo linear e descontextualizada dos factores de insucesso que desaguam nas escolas.

Mas isso não significa que não reconheça que a retenção existe como problema que deve ser combatido.

Mas… não dou o quantum leap de afirmar ela deve ser exterminada e que os seus efeitos são demolidores para a auto-estima dos retidos.

Depende.

Porque eu não gosto que quem acusa os professores de psicologizarem as razões do insucesso depois venham psicologizar os efeitos desse mesmo insucesso.

Mas isso ainda é o menos.

A ver se me foco no que queria escrever desde o início: eu assumo que considero a retenção como algo que deve existir no sistema de ensino e que é da sua natureza ter, em parte, um carácter punitivo ou sancionatório.

Não me vou agora estar a contradizer só porque pode parecer bem isto ou mal aquilo.

Sem esse carácter, mesmo que reconhecendo a evidente necessidade da componente pedagógica relacionada com o aperfeiçoamento das aprendizagens, é que a retenção não faria sentido.

Vamos lá deixar-nos de paninhos quentes e coisas liofilizadas e assépticas.

Há alunos que devem ser retidos, numa perspectiva positiva, porque é mesmo melhor que repitam o plano de estudos para melhorarem o seu desempenho e há alunos que devem ser retidos porque não fizeram, nem quiseram fazer o mínimo para transitar de ano.

E quantas vezes isso acontece devido a comportamentos e atitudes que, a serem validados perante os pares com a transição,  só servem para retirar sentido ao trabalho e esforço dos outros.

Negar isto pode ser politicamente correcto, mas é fugir à realidade das coisas.

Não é um determinismo fatalista.

Por estranho que pareça a alguns, é uma forma de respeitar a larguíssima maioria.

Calvin-sorry

E vamos lá esclarecer uma coisa: o insucesso dos alunos não é o fracasso dos professores. Pode ser e pode não ser. É tão correcto fazer uma relação directa entre o insucesso dos alunos e a qualidade do desempenho dos professores como culpar a polícia e os juízes pela taxa de assaltos e homicídios ou os enfermeiros e os médicos pela incidência de doenças crónicas na população.

Mesmo não sendo bem o mesmo, acho que dá para perceber.

Calvin-butt

E, já que vamos com a foice a eito… quem quer uma amostra que prove que existe uma evidente cultura de desresponsabilização nos políticos e especialistas acerca disto tudo, pois apenas estão disponíveis para assumir os sucessos, alijando sempre as culpas pelo que corre menos bem?

Calvin-fault

É de 2000 e entra a matar:

O trabalho que aqui se apresenta pretende dar conta da forma como o sistema educativo e, em especial, os professores se desresponsabilizam pelo fracasso escolar dos seus alunos e pretendem legitimar o processo recorrendo à psicologia.

A amostra é restrita em termos geográficos (um concelho do interior norte) e de anos de escolaridade (primeiro ciclo), mas as conclusões são imponentes.

Do ponto de vista quantitativo estamos em presença de valores incompreensíveis e que só uma interpretação mais qualitativa e por conseguinte mais subjectiva nos permitirão (senão entender o fenómeno) fazer algumas considerações: 1. o envio de alunos aos serviços de saúde (pedopsiquiatra e psicólogas) significará que o sistema e os professores atribuem a não aprendizagem a problemas de natureza cognitiva e comportamental logo estamos em presença de uma psicologização do insucesso escolar; 2. a ida do aluno a um pedopsiquiatra e a um psicólogo, por si só, tem capacidade para legitimar a retenção do aluno; 3. como resultante das duas ordens de ideias, antes referidas, a escola como um todo e a organização local e o corpo dos professores, em particular, podem assim desresponsabilizar-se do fenómeno insucesso escolar massivo dos seus alunos.

Poderá existir por aqui alguma razão, mas… eu sublinho aquela parte ali acima…

Está aqui e deveria ter saído junto com a recomendação, porque é muito melhor do que a dita cuja (a autoria técnico-científica é diferente do relato…), mesmo se mantém alguns erros conceptuais muito elementares.

O mais grave baseia-se na extrapolação dos eventuais gastos por aluno para calcular um valor global para o número de retenções.

A demonstração deste erro é demasiado elementar e julgo que só mesmo um enviesamento do olhar o pode justificar.

Para ser válida a extrapolação deveria demonstrar-se que o número de alunos retidos corresponde a um número concreto de turmas adicionais por escola/agrupamento, o que não vejo em lado nenhum.

A verdade é que só de forma residual estes alunos aumentam os encargos, pois a larga maioria incorpora turmas já existentes e a minha observação directa é que a retenção raramente implica o aumento de turmas num determinado ano de escolaridade, muito menos com o aumento do número de alunos por turma que se verificou nos últimos anos.

É minha convicta convicção que não existe qualquer relação directa entre o número de alunos retidos e o valor de 600 milhões de euros adiantado por estes dias para o seu custo. 

Gostaria que me demonstrassem o contrário.

Já o que fica claramente demonstrado, mesmo se com números que me parecem mesmo assim inflacionados, é a enorme diferença do custo por aluno em Portugal e a média da OCDE, quanto mais para os países verdadeiramente desenvolvidos nestas matérias:

CNE2015

… eu defenderia que ela deveria passar por criar equipas para tratar os problemas do insucesso e abandono que não estivessem dependentes de quem tem reduções ao abrigo do artigo 79º como se passa agora, em que os horários vão sendo medidos ao minuto e não há liberdade – diferente, por definição, de poder arbitrário – quase nenhuma para colocar as pessoas adequadas nas funções necessárias.

David Justino aproxima-se disso quando se afirma:

O presidente do CNE frisou que, com esta recomendação, “não se está a apelar a passagens administrativas ou a facilitismos”, mas sim  a que os alunos com dificuldades “tenham respostas efectivas da escola, o que só se consegue com mais apoio e trabalho”.  Por isso, o CNE recomenda que seja dada mais autonomia às escolas para que estas possam dar “respostas contextualizadas” (constituição de turmas, gestão do currículo, construção de diferentes percursos escolares) à sua situação concreta.

O problema é que a recomendação do CNE – aprovada por unanimidade, não me canso de sublinhar – tem várias lacunas graves e diversos alçapões dissimulados que é necessário identificar.

Não vou deter-me sobre as considerações gerais acerca do que se pode fazer, porque é habitual que nestas recomendações se especifiquem muitas coisas que pouco têm de verdadeiramente concreto.

Apenas assinalo que numa recomendação co-assinada pelo presidente da Confap seja aos alunos e “famílias” que menos se pede (apenas 3 em 26 das recomendações lhes são dirigidas, como se tudo assentasse no “outro lado”), enquanto se regressa a um discurso típico do cruzamento entre o eduquês “de esquerda” no seu pior (por um lado diz-se que os alunos se sentem menorizados emocionalmente pela retenção, mas logo a seguir que eles desenvolvem “lideranças divergentes”) e o discurso “da eficácia financeira” característico da “direita” economicista (reter é mau porque, em especial, custa milhões de euros, o que é uma distorção grosseira da realidade porque a proporção dos encargos de um aluno não é proporcional e directa, pois ele vai integrar-se numa turma já existente).

Tudo misturado com uma retórica que se conhece há décadas e que escapa sempre a exigir responsabilidade à sociedade envolvente na promoção do sucesso, deixando para as escolas todo o ónus, em particular para os professores:

A cultura de avaliação das aprendizagens, mais orientada para a classificação e seriação, praticadas no seio das escolas, aprofundam o carácter sancionatório e penalizador da avaliação, ao invés de centrar o seu foco na deteção de dificuldades, com vista à determinação da intervenção adequada para colmatar as mesmas, reforçando as áreas menos fortes.

(…)

Os professores, como principais atores do sistema educativo, assumem um papel fundamental no quadro de uma desejável alteração da cultura escolar, pelo que será através da sua mobilização e capacitação que se poderá, de uma forma gradual e assertiva, modificar a conceção de sucesso que gravita em torno da “nota” e faz apelo a uma avaliação punitiva e centrada na “classificação”, para uma conceção de avaliação assente na deteção de dificuldades e na exigência do trabalho de recuperação de áreas com insucesso, com vista à promoção de aprendizagens em todos os alunos e ao seu sucesso escolar.

Mas será que os professores não reclamam, há muitos anos, mecanismos e meios específicos para a detecção precoce e enquadramento dos factores de insucesso dos alunos, enquanto a tutela, ministr@ após ministr@ se limitou a mandá-los calar-se e tratar de tudo na sala de aula? É que os quadros interactivos não resolvem este tipo de problemas…

E depois gostaria de destacar aqui um dos “alçapões” desta recomendação e que é a legitimação da retirada de competências às escolas, alegando que se devem focar apenas nas questões pedagógicas e que o resto deve ficar fora delas, leia-se… nos municípios?

No interior das escolas, as lideranças têm, atualmente, um cariz eminentemente burocrático-administrativo, sendo fundamental que se desenvolvam verdadeiras lideranças pedagógicas, orientadas para a potenciação das aprendizagens dos alunos e para a promoção do sucesso educativo. Nesse sentido, deverão, ainda, ser minimizadas as inúmeras tarefas de cariz burocrático que são solicitadas pela administração central às escolas e aos seus órgãos de gestão, permitindo a concentração nas questões de gestão pedagógica das escolas e agrupamentos.

Que eu saiba, a retirada de poderes ao Conselho Pedagógico (que muito tempo representou o espaço colegial de debate e liderança nessas matérias) é consequência do actual modelo único de administração escolar. As “lideranças pedagógicas” foram desprezadas na última década… ou mesmo mais, por serem consideradas de menor interesse para as poupanças.

Em seguida, não deixa de ser curioso que seja o ex-ministro que tanto incentivou os anteriores presidentes dos conselhos executivos a fazer cursos de administração e gestão escolar que agora apareça a recomendar que essas funções lhes sejam retiradas.

Acaso já pensaram os conselheiros que no CNE aprovaram estas recomendações por unanimidade que “minimizar as solicitações de cariz burocrático-administrativo acometidas às escolas” é diverso de modificar os processos que, isso sim, significa uma reforma sempre adiada ou feita para pior.

Uma coisa é mudar os procedimentos burocráticos, aligeirando-os, outra retirar essa competência às escolas e, por tabela, transferir os recursos para outra sede.

Por fim… recomendo agora eu… para quando uma reformulação do modelo de administração escolar que permita lideranças colegiais com diferenciação funcional em vez de retirar competências e autonomia às escolas?

Porque de pouco vale uma excelente liderança pedagógica se tudo emperrar no mau humor d@ senhor@ vereador@ ou presidente da Câmara que bloqueie todo o tipo de medidas, estrangulando-as do ponto de vista financeiro.

E é isso que se anuncia.

 

Não arranjam melhores justificações?

Eu vou ler o raio do relatório e depois logo vejo se lá há alguma coisa que vá além destas variações em torno da “eficácia” e “chá com bolinhos”..

Conselho Nacional de Educação defende fim dos chumbos

Órgão consultivo do Ministério da Educação diz que retenção dos alunos sai demasiado cara ao Estado, pode provocar “problemas emocionais” nos alunos e não é eficaz.

De uma coisa eu tenho a certeza… os nexos de causalidade apresentados podem ser perfeitamente revertidos com ganhos de lógica, nomeadamente os que associam a retenção à indisciplina e ao abandono. Não serão a falta de regras de disciplina e o abandono a motivarem, em primeiro lugar, a retenção e não o contrário?

Fizeram o estudo das causas das retenções? Terá sido apenas culpa dos insensíveis professores?

A investigação demonstra que alunos retidos, nomeadamente nos anos iniciais da escolaridade, não melhoram os seus resultados e são mais propensos a uma nova retenção, além da evidente associação entre a retenção e o aumento dos níveis de desmotivação, indisciplina e abandono escolar. Verifica-se igualmente que existe uma maior probabilidade de retenção de alunos com piores condições socioeconómicas, bem como de alunos provenientes de países estrangeiros.

A recomendação é fraquinha, fraquinha e não passa de muita conversa com pouca demonstração, mas eu não esperaria muito mais, confesso, porque sou muito preconceituoso e arcaico na minha mundivisão.

Eu gostava era de apresentar a certos “relatores” o aluno que hoje me comunicou que quer mesmo chumbar no 7º ano para fazer a terceira retenção e assim ter a possibilidade de fazer um vocacional de 2 anos e não ter de passar por exames para concluir o 3º ciclo.

Enquanto o sistema permitir estes truques, deixemo-nos de conversas fiadas sobre “problemas emocionais” e discursos tremendistas deste tipo:

Chumbos são “a situação mais grave do sistema de ensino em Portugal”

O que eu queria era vê-los a dar a volta a este texto em vez de relatarem tretas que já caem de tão velhas. A começar pelo “novo” pai dos pais que cada vez parece tão instrumental quanto o anterior.

Custa muito ver o CNE a render-se aos argumentos mais primários da “eficácia financeira” e dos referidos “problemas emocionais”.

 

o actual está por um fio importado. Iavé, O Grande – talvez maior – irá treinar Os Divinos!

ora, oremos!

… fica aqui em imagem.

PG Pub28Dez14

Público, 28 de Dezembro de 2014

É outro estudo que contraria certas narrativas dominantes no nosso debate público sobre Educação. Fica por aqui, embora esteja linkado dois posts abaixo: H_Reis__C_Pereira_CNE_5_dez_2014.

Se é verdade que se considera que a retenção tem efeitos negativos no 1º ciclo (ISCED1), é falso que isso seja verificável para os 2º e 3º ciclos (ISCED 2), verificando-se mesmo um ligeiro efeito positivo a médio prazo.

Como é essa a experiência que tenho, foi bom verificar que essa sensação individual tem fundamentação empírica válida.

Retencao1Retencao1RetencaoARetencao

Vamos lá a ver uma coisa… eu não defensor dos chumbos por dá cá aquela palha e os primeiros a sabê-lo são os meus alunos.

O que não gosto é de andarem por aí a venderem banha da cobra sobre o assunto, raramente com algum fundamento para além das “evidências” de esplanada, típicas dos especialistas preguiçosos, embora sempre pejados de boas intenções e prontos a acusar quem deles discorda de coisas horríveis.

Cada vez começo a achar menos sentido em considerar a assiduidade como elemento importante na avaliação. A sério que sim.

Blasfémia?

Nem por isso, apenas pragmatismo.

Com uma escolaridade de 12 anos, os alunos que alegadamente (de acordo com o seu estatuto) “chumbam” por faltas em Outubro, desde que continuem a ir ocasionalmente às aulas e a fazer uns testes razoáveis (ou mesmo menos do que isso), têm imensas possibilidade de passar de ano.

Porquê?

Porque a “retenção” só se concretiza mesmo no final do ano e eles já sabem disso aos 11, 12 ou 13 anos de idade.

Porque sabem que para serem “inclusivas”, as escolas públicas os aceitam a matricular-se e a passear por lá e os professores, para não serem os maus da fita e obedecerem às leis, devem aceitá-los nas aulas a que eles acham por bem comparecer. E não me digam que nos cursos profissionais ou vocacionais não é a mesma coisa, porque é ou ainda pior. A justificação de faltas é feita quase com pedidos por favor-favor-favor e aceita-se quase tudo.

E nem venham com as conversas das denúncias para as CPCJ que não têm mãos as medir com os casos muito graves, pelo que os casos graves vão para a pilha do arquivamento ao fim de uns pedidos de informações e correspondência variada ao longo de uns quantos meses até chegar o fim do ano lectivo.

No final do ano, com as metas do sucesso a pressionar e a paciência a minguar, muitos destes alunos acabam por passar de ano, como forma de todos ficarem a “ganhar”. As escolas  com o dito “sucesso”, a maioria dos professores (e em especial @s DT) com menos chatices e os alunos com a devida recompensa por saberem usar o “sistema”.

Eu sei que não é assim em todos os lados, porque há sítios com muito menos problemas, mas onde eles existem, ou se resolvem desta maneira ou então quem o não faz é acusado de adoptar uma “cultura de retenção” e de não saber “dar aos alunos o que eles precisam”.

Ah…. e ainda existem as metas de combate ao abandono escolar que incentivam imenso a “sub-orçamentação” do abandono real, para as fotografias na avaliação externa das escolas ficarem muito bonitas.

Que há “boas práticas”… ? Sim, há, mas menos do que as que constam e se anunciam como tal.

E quem me disser que isto não é assim, vive no País das Maravilhas.

Mais vale “esquecermos” a questão da assiduidade, a menos que deixemos de ter medo de usar a escala de avaliação em toda a sua “extensão” (e sim, estou a pensar usar uma boa dose de pouco inclusivos níveis um no final deste período…).

Pode o combate ao insucesso escolar justificar a separação de alunos por etnia?

Experiências pontais, adequadas a contextos muito específicos… sim.

Como politica gobal que legitime a segregação, não.

… há que dizer que é uma denúncia que convive, paredes meias, com a denúncia de uma dramática “cultura de retenção” em muitas escolas portuguesas.

Decidam-se… não há qualquer virtude? Ponto intermédio?

É sempre tudo extremado?

(e tudo isto me levanta interrogações, de novo, sobre o rigor e a eficácia das inspecções e da avaliação externa das escolas que, aparentemente, não detectam este tipo de práticas e que, pelo contrário, costumam recompensar as escolas e direcções de “sucesso” com classificações xalentes…)

Vamos lá… não será que as escolas que fazem essa atroz “manipulação” são apenas as mais fiéis seguidoras da cultura do “direito ao sucesso” que ministr@s sobre ministr@s sempre procuraram inculcar à força nessas mesmas escolas?

Sugestão da Ana P.

Wisdom from a MacArthur Genius: Psychologist Angela Duckworth on Why Grit, Not IQ, Predicts Success

 

Divulgo, com autorização da autora, a carta que a presidente da APM me dirigiu a propósito de umas observações que fiz em post de há uma semana. Transcrevo a carta propriamente dita, que anexo com as respostas completas dadas ao Expresso por LF (as minhas estão aqui).

Mais tarde, publicarei a minha resposta, para dar tempo a cada posição para ficar clara.

.

Caro Paulo Guinote

Sou pouco frequentadora de blogues; não é um tipo de comunicação nem uma forma de diálogo em que me sinta minimamente confortável.

Para mim a importância da palavra no seu contexto, a construção de pensamento em diálogo colaborativo em que discordamos olhos nos olhos, em que nos reforçamos nos significados partilhados, nas buscas, nas incertezas, nas (poucas) convicções que nos unem para além de tudo o que nos possa dividir e que, em minha opinião, tende a ser sobrevalorizado neste tipo de comunicação em que o tom de agressividade e de ironia – ou pior, de desdém, de rápido e fácil julgamento, se reveste de características demasiado maniqueístas.

No entanto reconheço que vivemos uma era em que este tipo de comunicação é ineludível e por isso, ainda que reconheça a minha incapacidade, admiro aqueles que utilizam estes meios com a persistência e a atualização permanente que exige – e a exposição também – ainda que sacrificando análises mais complexas e completas, ainda que à custa da profundidade que é a minha nostalgia.

Estou fora do país desde o dia 12 de agosto a participar num seminário de interculturalidade. Talvez por isso, por estar num ambiente em que se procura encontrar aquilo que nos une enquanto condição humana e que perpassa culturas, países, nações, etnias, religiões, ideologias, gerações, individualidades (esse mínimo ético que alguns continuam a procurar como lugar de entendimento e colaboração e onde a educação joga um papel insubstituível) surpreendeu-me especialmente o tom do post que colocou e o tom das reações que provocou. Sem ser frequentadora de blogs e sem ter tido sequer a oportunidade de ter visto a peça saída no Expresso, fui alertada por email para o teor do que escreveu e dos comentários que suscitou.

Tenho absoluta consciência do risco que é a exposição à comunicação social, sobretudo no formato entrevista em diferido sempre sujeito a posterior edições com cortes e descontextualizações, quer seja na rádio, na televisão ou na imprensa escrita. Pessoalmente não assumiria esta exposição; faço-o apenas por dever associativo. Enquanto presidente da direção da APM, tenho consciência – e temor – do dever de dar voz. Faço-o em nome da Associação que tão gratamente (de agradável e de agradecida) represento. Sem a pretensão de ser voz de cada um dos seus associados mas com a convicção de que digo muito do que foi e é a palavra constitutiva, aquela que faz parte dos nossos significados partilhados, que conheço desde o seu início sabendo, certamente, que não a possuo.

Há, no entanto, algo em que tenho extremo cuidado nas minhas declarações públicas: a defesa dos professores. Por isso surpreende-me o que me parece ter entendido nas suas palavras que, ao citar a “cultura de retenção” referida por David Justino, eu: 1) tenha concluído que essa cultura de retenção seja protagonizada sobretudo pelos professores ou tenha neles os principais mentores; 2) me tenha “colado” ao presidente do CNE não sei por que espécie de aliança ou interesse de circunstância. Se referi essa “cultura da retenção” é porque, neste caso, eu concordo com as declarações de DJ e, pensava eu, que ao citá-lo me encontrava “acima de qualquer suspeita” exatamente por não me rever especialmente nas suas posições em matéria de políticas educativas, que aliás, para além da sua prática enquanto ministro, conheço pouco. Efetivamente, até pelas reações que tive oportunidade de ler no blogue, se há algo que vi refletido no teor das opiniões foi ainda uma grande afetação por essa mesma cultura de retenção; caso contrário não estaria tão subjacente o gasto, fácil e populista binómio facilitismo/exigência. E sim, digo que a escola padece – por peso do passado, por pressão social e política – de uma cultura de retenção. Senão, como se explicam aquelas sinistras e patéticas fórmulas para atribuição dos créditos horários às escolas que privilegia, por exemplo, as com melhores resultados na avaliação externa e aquelas em que as classificações dos alunos internos mais se aproximam dos resultados dos exames nacionais, sabendo nós os condicionalismos e a limitação deste tipo de provas, bem como a prática que se tem vindo a instalar, sobretudo no que à Matemática diz respeito? Já agora, seria muito pouco honesto eu referir a alteração dos programas a propósito do número de retenções no 2º ano, uma vez que estes alunos não foram diretamente afetados por essas alterações. Outra coisa é o que elas significam e têm provocado junto dos professores e a isso fiz efetivamente referência nas respostas que dei ao Expresso (que aproveito também para anexar).

Surpreende-me o tom de desdém com que se refere às minhas declarações. Alguma vez teve interesse em saber o que se está a passar com o ensino da Matemática no nosso país? Alguma vez teve a curiosidade sequer de saber aquilo que a APM defende, aquilo que denuncia e porquê? É assim tão difícil, para alguém que tem uma intervenção no espaço público sobre Educação, tentar um contacto que, ao menos, o qualifique minimamente em assuntos em relação aos quais está possivelmente mais distante? Por mim, manifesto desde já a minha disponibilidade para o diálogo e a partilha sobre o que pensamos e o que queremos para a Escola em Portugal e para o ensino da Matemática em particular.

Entristecem-me as profundas rupturas e enfrentamentos; as cada vez mais numerosas fissuras no nosso tecido social. No que à Educação diz respeito, entristecem-me duplamente por ser o âmbito onde, desde sempre, investi as minhas melhores energias, esforços, saberes; por nos sentir incapazes de definir um pacto social – ou chame-se-lhe o que for – para a Educação que nos salvaguarde das derivas ideológicas, dos ministros de turno; por nos ver a dirimir preconceitos e dogmas com pequenos e grandes ódios caseiros; por ver desperdiçado tanto esforço, tanto investimento na Escola e na educação pública. Será que não nos damos conta que, com um atraso de mais de 100 anos em relação à maioria dos nossos congéneres europeus, conseguimos enfrentar como poucos a democratização do ensino, a explosão demográfica da escola, finalmente para todos embora ainda não com todos, em épocas de instabilidade e poucos recursos? Foram os conselhos executivos, os professores (alguns até com reduzida formação académica) que com a sua entrega à causa da Educação conseguiram simultaneamente democratizar a Escola e fazer com que ela atravessasse as difíceis décadas de 70, 80 e até de 90 do século passado, fazendo com que os nossos alunos ombreiem com os de qualquer país com quem partilhamos sistemas educativos, políticos e culturais similares.

Já vai longa a carta. Ainda sou daquelas pessoas que gosta de escrever e conversar para se expressar embora, nestes temas como em quase todos os que têm alguma relevância, manejemos conceitos complexos que, se vistos só de um lado, nos aparecem como contraditórios sendo quase sempre complementares.

Peço desculpa por esta minha reação mas, às vezes, não gosto de ser mal interpretada. Outras vezes, tanto se me dá…

Com os meus melhores desejos para que todos possamos contribuir para uma escola pública de qualidade e que não desistamos de um debate sério, subescrevo-me cordialmente

Lurdes Figueiral
professora de Matemática e presidente da Associação de Professores de Matemática
Madrid, 22 de agosto de 2014

Anexo: Carta a Paulo Guinote.

The PISA 2012 scores show the failure of ‘market based’ education reform

A truly successful education system has students of all socio-economic backgrounds scoring highly on PISA tests

Ficam aqui as minhas respostas às questões para a peça mencionada no post anterior. O que foi transcrito na dita cuja corresponde fielmente ao que transmiti e que só divulgo integralmente porque tem partes até potencialmente menos consensuais do que as que foram inseridas.

Pontos prévios:

As comparações no curto prazo, do nível de retenção no 1º e 2º ciclo, são prejudicadas pelo facto de corresponderem a um período de alteração nas regras, no peso dos provas finais e no próprio grau de dificuldade dessas provas, que variaram muito.

Também é muito importante analisar a evolução da nota interna e da sua diferença em relação à avaliação externa nestes anos, pois podem ter sido colocadas em prática estratégias “de protecção” por parte dos docentes ou conselhos de turma, no sentido de “proteger” os alunos de um dia mau (ou dois) na realização das provas finais. Em termos lógicos, essa estratégia será mais fácil no 1º ciclo em que a decisão é de apenas um docente do que nos restantes.

Passando às questões:

1.O facto de os chumbos no ensino básico terem subido nos últimos dois anos (entre 2010/11 e 2012/13), nos três ciclos, surpreende-o?

Não me surpreendem, pois correspondem a anos, em especial a partir de 2011, que conjugam dois factores importantes e pouco estudados: por um lado a mudança da equipa ministerial, por muitos conflitos que tenha vindo a gerar o ministro Crato, levou a uma descompressão inicial nas escolas em torno do “sucesso” a todo o custo que vinha em especial dos tempos de Maria de Lurdes Rodrigues/Valter Lemos; por outro lado, os efeitos da crise – por cliché que pareça – fizeram-se sentir muito duramente entre os alunos de famílias social e economicamente mais desfavorecidas, que passaram a chegar às escolas em piores condições para uma aprendizagem de sucesso, seja por causa do desemprego crescente dos pais, da redução ou desaparecimento dos apoios sociais ou mesmo da degradação evidente das condições de vida dos agregados. Por muito que achemos que é um chavão, a crise económica e a inflexão das políticas sociais do governo tiveram efeitos na vida dos alunos.

2.Sendo certo que o efeito dos exames nacionais não é claro (pode ter-se feito sentir no 6º ano, mas não no 4º – em ano de estreia no 4º ano a taxa de retenção chegou a baixar), esta evolução pode estar relacionada com o quê? Maiores dificuldades dos alunos? Uma atitude diferente dos professores nas avaliações?

O efeito das provas nacionais nas taxas finais de retenção só se pode perceber bem como a análise conjugada da avaliação interna com os resultados das provas finais, sendo a retenção final a combinação de ambas. O maior aumento do insucesso no 2º ciclo em relação ao 1º pode ser visto como a consequência de estratégias ou formas diferentes de encarar e lidar com a “ameaça” da prova final. No 1º ciclo, em regime de monodocência, é mais fácil “defender” os alunos de um mau resultado nas provas, enquanto no 2º ciclo isso depende de dois docentes e envolve ainda a classificação de outras disciplinas.

Não devemos esquecer, para além disso, o progressivo aumento do número de alunos por turma, que prejudicou bastante as condições de aprendizagem nas salas de aula.

3.Como se explica que 10,5% dos alunos chumbem no 2º ano?  Com estes valores, acha que é benéfico não haver retenções no 1º ano? .

Há muito que sou contra o sucesso por decreto (especialidade de muitas equipas ministeriais) ou o seu reverso, o insucesso como forma de passar os problemas para outrem (neste caso para outro docente ou Conselho de Turma).

O que interessa é dotar as escolas de meios humanos que permitam despistar de forma precoce situações de problemas de aprendizagem e encontrar estratégias eficazes para as superar. isso não se coaduna, em nada, com a evolução verificada nos últimos anos em relação aos alunos com necessidades educativas especiais ou problemas de outra natureza . social, emocional – que impedem o seu regular acompanhamento dos conteúdos e objectivos de anos e ciclos de escolaridade. Não se devem proibir os chumbos em qualquer ano de escolaridade, a menos que se coloquem ao dispor dos docentes desses alunos os apoios indispensáveis, de modo a não permitir a reprodução do insucesso, anos após ano ou, em alternativa, a produção de um falso sucesso que depois esbarra numa lógica de provas nacionais.

4.Se um ministro, este ou outro, dissesse que o objetivo agora era caminharmos para uma retenção de 0%, como acontece noutros países, não tinha a opinião pública a cair-lhe em cima?

Penso que muita gente o apoiaria, pois essa seria uma afirmação populista e demagógica que cai bem em muitos sectores que consideram que o insucesso é apenas responsabilidade dos professores, algo que é repetido como um “mantra” desde o final dos anos 80 do século passado.

Só que esse tipo de objectivo, com este ministro específico e com este governo, seria um paradoxo total, pois quase todo o seu discurso e praticamente toda a sua prática tem sido no sentido de combater um alegado”facilitismo” existente nas escolas. ora… não se pode acusar um sistema de ensino de ser “facilitista” e depois querer que ele produza ainda maior sucesso, quando as condições materiais pioraram nas escolas, seja para alunos, seja para professores.

Página seguinte »