Opiniões


Intervenção [não como orador, mas como mero assistente no intervalo para “debate”] no seminário sobre “Avaliação Externa das Escolas”, promovido pelo CNE, em parceria com o Inst. de Educ. da Univ. do Minho e com a IGEC, no passado dia 13 em Coimbra.
 
    Caros colegas
 
    É por todos conhecida a posição de denúncia assumida pelo sindicato antes da realização do seminário em apreço [ver o nosso mail das 13:56 do passado dia 6]: a organização, que integrava a IGEC, excluiu os “Inspectores-do-terreno” do lote dos oradores e, objectivamente, a IGEC dificultou a sua simples presença na iniciativa. Quem estivesse de fora do processo ficaria com a ideia de que os “Inspectores-do-terreno” não constituem o essencial dessa actividade e que não passam de simples instrumentos-de-trabalho. Tal enquadramento, confirmado pelos factos, é em absoluto inaceitável!
 
    Por todas estas razões, o sindicato inscreveu-se no seminário no dia 23 de Fevereiro e estivemos lá presentes. Os colegas que lá estavam conhecem a intervenção que nos foi possível fazer, muito condicionada pelo limitadíssimo tempo que nos foi concedido [a mesa que dirigiu os trabalhos apontava para um tempo de 120 segundos!]. Assim, na impossibilidade de reconstituirmos aqui a nossa intervenção, eis os pontos que nos foi possível abordar:
 

    1. Deixámos perfeitamente claro desde logo que — mau grado as apetências que desperta, no âmbito das tendências para a mercantilização da educação, para a fragilização do Estado e para o outsourcing — nenhuma outra instituição, pública ou privada, está, como a IGEC, em condições de assegurar a concretização da avaliação externa das escolas, no respeito pela Constituição da República e

pela

 Lei de Bases do Sistema Educativo, e ainda que, sendo a IGEC uma inspecção “do Estado” e não “do governo”, reúne as condições necessárias e suficientes para o exercício dessa actividade com autonomia; em situações concretas, a eventual instrumentalização ou governamentalização da IGEC são, naturalmente, da responsabilidade de quem instrumentaliza ou governamentaliza, e não podem assumir-se como argumentos de princípio contra ela, a favor do sector privado ou não-público; também por isso, o nosso sindicato desde 1988 que pugna por uma dupla tutela para as inspecções da educação: da Assembleia da República ou da Assembleia Legislativa Regional, por um lado, e do governo da República ou do governo Regional, por outro; 

 
    2. Deixámos perfeitamente claro, logo depois, que os verdadeiros “heróis” da avaliação externa — foi mesmo a palavra“heróis” aquela que utilizámos — são os Inspectores, sem cujos know how, competência e amor-à-camisola, muito para além do estrito cumprimento do dever, a avaliação externa se tornaria impossível: são os Inspectores quem suporta horários de trabalho diários típicos da revolução industrial do século XIX, são os Inspectores quem disponibiliza para o serviço os seus automóveis, são os Inspectores quem torna possível o serviço com as suas impressoras, com os seus telemóveis, com a sua internet e com a ocupação de muitos dos seus fins-de-semana, roubados ao descanso e à família; e isto tinha de ser dito — ali, perante o CNE, os investigadores, os avaliadores, os directores das escolas, as universidades –, para que se colocasse a descoberto a componente que permite suportar o cenário da avaliação externa e que se encontra por detrás dele;
 
    3. Sobre a concretização da actividade Avaliação Externa das Escolas, assinalámos:
 
    3. 1. A AEE tem de imperativamente ser estendida ao sector privado da educação, em particular aos colégios que, de uma maneira ou de outra, usufruem de subsídios do Estado; se, constitucionalmente, todos estão obrigados à prestação de contas, esta obrigação torna-se particularmente relevante quando auferem verbas provenientes da fazenda pública, e esta contrapartida é de tal modo óbvia que, já depois do seminário, se percebem mal as reacções do patrão-dos-privadosa esta matéria, vindas a lume nos jornais;
 
    3.2. A AEE tem de passar a integrar a observação da prática lectiva em situação de aula; desde o lançamento do processo que o nosso sindicato tem vindo a reclamá-la, por razões científicas e institucionais, e não vemos como ela pode levantar objecções se ficar garantido o seu carácter de avaliação global da docência e não de classificação nominal do docente;
 
    3.3. A AEE tem de ser expurgada da sua ligação perversa a uma classificação das escolas e, por essa via, à classificação siadapiana de professores e directores; um parecer do CNE, bem depois de nós, teve ocasião de referir esta ligação como uma das fragilidades do modelo; não existe classificação sem avaliação, mas pode — e deve, no caso da AEE — existir avaliação sem classificação; esse expurgo, absolutamente necessário, contribuiria para eliminar uma anormalidade que a inércia das coisas pode, sem quaisquer vantagens, tornar “normal”;
 
    3.4. Existe um risco em qualquer processo de avaliação externa, e assim também na AEE, para o qual todos — escolas e IGEC — temos de estar prevenidos, e que pode colocar-se do seguinte modo: há avaliação externa para as escolas ou há escolas para a avaliação externa?; a não estarmos prevenidos, corre-se o risco de uma verdadeira encenação do processo;
 
    3.5. Para que muitas das questões atrás assinaladas possam ser ultrapassadas com mais facilidade, isto é, para que a AEE seja reforçada nos seus fundamentos e nas suas conclusões e não corra o risco de se tornar “impressionista” e “etnográfica”, torna-se imprescindível o aumento substancial do número de dias para a permanência nas escolas e do número de Inspectores afectos à actividade; é preciso eliminar uma perspectiva obreirista e quantitativista da AEE: é essencial cobrir menos escolas e o ritmo de trabalho dos Inspectores tem de ser reduzido.
 
    Caros colegas:
 
    Eis o que nos foi possível dizer no seminário e, verdadeiramente, nem tudo isto foi possível explicitar nos 120 segundos que nos destinavam (verdade seja dita que os ultrapassámos largamente, teremos ficado pelos 240, como não podia deixar de ser). Matérias houve, e importantes, que de todo não foi possível abordar. O Senhor Presidente do CNE, Professor David Justino, disse, na abertura do seminário, que com frequência “fala-se muito e ouve-se pouco”. Os Inspectores estão entre aqueles que quase não são ouvidos… Mas ficou claro, com a nossa pequena intervenção, que os Inspectores não são instrumentos-de-trabalho — pensam-e-fazem e fazem-e-pensam!

Saudações sindicais!
Pel’A Direcção do SIEE

José Calçada
(Presidente)

OS DOCENTES DE INGLÊS  E O TRABALHO ESCRAVO

Com a aproximação da data do PET (vulgo, exame de Inglês do 9.º ano), assistimos mais uma vez à forma vergonhosa como os professores de inglês estão a ser tratados pelo Ministério da Educação. Os professores de inglês (penso) concordam genericamente com a existência de um exame no final do 3.º ciclo. (e não temos medo de seR examinados; que isto fique bem claro). O que é perturbador é o contrato assinado entre o Ministério e a universidade de Cambridge. Tanto quanto sei, houve uma figura no Ministério que teve esta radiante ideia e o Crato engoliu-a sem a discutir e sem a dar a discussão. Isto cheira a mais uma parceria público-privada. O problema é que o sustento desta parceria é o trabalho escravo dos docentes de inglês que, a troco de nada, irão mais uma vez passar largas dezenas de horas entre formação não creditada e pouco digna, correção de testes e realização de provas orais com deslocação gratuita. No ano letivo passado, o Cambridge, que divulgou os resultados com pontualidade muito pouco britânica, responsabilizou os docentes pelo atraso na divulgação. Que vergonha.

Todos sabemos que apenas a nata da nata se candidata a estes certificados que, no privado, custam cerca de 65 euros. Ora, com esta parceria Cambridge consegue chegar a milhares de alunos portugueses do ensino público, que poderão assim obter o certificado a preço de saldo (25 euros para alunos que não têm escalão), e encher os bolsos. E o nosso Ministério? O que ganha Portugal com esta parceria? A qualidade da marca Cambridge? E porque não a marca Oxford? Oxford é para mim uma marca com mais valor porque não é mercantil como Cambridge e não tem o cunho conservador desta última. Qual será o próximo passo? Obrigar os professores a usar uma t-shirt de Cambridge durante o exame?

Mas não tornemos isto demasiado ideológico. O que importa mesmo é que os professores portugueses não deveriam trabalhar de graça para uma universidade britânica que não quer esses mesmos professores a trabalhar nas suas escolas de línguas espalhadas por aí como cogumelos. Se não somos bons para lecionar inglês nos institutos, como é que somos bons para corrigir os exames? Os professores querem formação atempada (não ‘em cima do joelho’,  convocados com menos de 48 de antecedência) e exigem ser pagos por um trabalho extra-horário. Trabalhar gratuitamente, não. Nem para o fantoche do Crato, nem para Cambridge.

Parece que a universidade de Cambridge descobriu o pote das moedas na ponta do arco-íris (neste caso, Portugal, que, não esqueçamos, fornece o P à designação PIGS, como são conhecidos os países do sul da Europa). Só espero que este contrato não leve ninguém para a cadeia de Évora, onde se encontra um recluso (com dinheiro suficiente para oferecer certificados a todos os alunos portugueses) que aguarda com impaciência feroz o aparecimento de alguém que lhe dê formação em língua inglesa, pois o seu inglês técnico já se encontra muito enferrujado.

(Corre-se o risco, mais uma vez, de se usar o PET para achincalhar o ensino de inglês público em Portugal. Na verdade, este exame também oferece as maiores dúvidas a nível pedagógico, pois no que diz respeito ao funcionamento da língua (gramática), por exemplo,  o programa da escola pública não prepara os alunos para este tipo de exame; o mesmo não acontecendo no ensino privado, nos institutos e escolas de línguas, onde os alunos são ‘catequisados’ para a tipologia de exercício do PET, através da realização de centenas de exercícios semelhantes)

Gritemos: WE ARE NOT CAMBRIDGE!

Noel Petinga Leopoldo

Mobile Lovers

José Augusto Lopes Ribeiro Março de 2015.
Escola Sá de Miranda – Braga

A narrativa mítica conta-nos que Narciso se afogou nas águas quando observava a sua própria imagem refletida no lago. Nos nossos dias é o ecrã que serve como espelho para a hiper-subjetividade e o indivíduo encontra nas novas tecnologias o deslumbramento da extensão ilimitada de si próprio.

O prolongamento da sua imagem através do uso contínuo da parafernália tecnológica converte o ser humano numa espécie de servomecanismo. As modificações a nível afetivo, cognitivo, social e de relação com o mundo transportam o seu ser para um universo onírico e, como alerta McLuhan, a pessoa mergulha num estado de entorpecimento, de insensibilidade e de desrealização.

O mundo é oferecido em estado líquido e a satisfação é imediata. O  indivíduo deixa de se confrontar com obstáculos, a realidade virtual não tem atrito, não exige esforço. Trata-se de um universo plano, limpo e irresistível, onde a liberdade é total e o prazer intenso. Os jovens tornam-se imediatamente vítimas da omnipresença da tecnologia e encontram no computador e, principalmente, no telemóvel um universo artificial que lhes permite escapar ao mundo da vida e à autoridade do adulto (pais e professores), o fosso geracional aumenta através do fosso tecnológico.

Intoxicados pelo uso acrítico e compulsivo do telemóvel, os jovens sofrem a narcose de Narciso, o ego está deslumbrado consigo mesmo, com a extensão de si próprio através do potencial ilimitado que a tecnologia possibilita. O mundo já não é real e a verdade está noutro lugar: Narciso torna-se o detentor da verdade e do poder.

Agora é impossível educar. O jovem, entregue a si próprio, já não está disponível para ser incomodado, tudo lhe é permitido. Munido dos super poderes que o telemóvel lhe confere ele está pronto para aniquilar qualquer intrusão nos seus domínios. Fascinado perante as águas deste “mundo líquido” contempla uma imagem de si distorcida pela tecnologia. Narciso é um “deus menor” e o telemóvel um gadget de destruição massiva.

Perigo no exame de Português de 12.º: o acordo ortográfico

… e alguns lapsos de cronologia e ênfase, mas, no global, um interessante contributo para um candidato a governo-sombra.

Pensar a Educação à Esquerda

No fundo, é um regresso ao guterrismo educacional, com as suas vantagens (desagrado pelo conflito só pelo gosto de mostrar firmeza, a Educação como prioridade orçamental) e equívocos (a relação culpabilizada com a avaliação e o discurso redondo acerca da igualdade, o tal eduquês, mas agora menos evidente).

Enfim… já li coisas piores.

Falta o resto.

Da indignidade, da vergonha e da humilhação

A Educação ao sabor dos ventos…

Nem é bem ao sabor dos ventos… é ao sabor das manias pessoais de uns quantos governantes de terceira ordem.

Yanis Varoufakis: No Time for Games in Europe

Seja a favor ou contra. Convém é não ler apenas aquilo com que se concorda e dizer amén ou ler o que se discorda e dizer vade retro, sem pensar mais nisso.

In Defense of Annual School Testing

E já agora acrescento, repetindo o que deixei num comentário mais abaixo… eu não sou populista igualitário e assumo sem problemas que a avaliação dos alunos e dos professores não pode ser feita pela mesma labita, porque essa coisa de meter tudo no mesmo saco como se fosse igual só serve para quem gosta de tudo ao molho e fé nos deuses de ocasião.

O examinador foi ao exame

Sacudir a água do capote

 

É tão fácil e ingénuo, e ao mesmo tempo malicioso e destruidor, pôr em grandes parangonas na primeira página de um jornal que “Professores chumbam em exame por erros básicos de português”, ou ouvir o Ministro Crato dizer “Não faz sentido que um professor dê 20 erros ortográficos numa frase”. Estas 2 frases, que não têm mais que sensacionalismo, enfermam dos mesmos problemas: (1) quem realizou a prova não foram Professores, foram candidatos a Professor. (2) Esta pequena nuance ilustra bem o mal que se pode fazer a uma classe inteira, aquela que tem nas mãos a formação da sociedade Portuguesa do futuro. É mais uma machadada no prestígio dos Professores, que se vai reflectir até na sala de aula (onde o Ministro Crato não se atreveria a entrar, e muito menos leccionar), quando o aluno for corrigido por escrever com erros ortográficos, e este se desculpar afirmando que os Professores (todos, como maliciosamente está subjacente à parangona) também escrevem mal. (3) Não se diz na parangona, que é o que vai ficar na memória das pessoas, qual a representatividade daquele problema no universo dos (de facto) Professores Portugueses.

Chama-se a isto manobra de diversão, a qual tem como objectivo desviar a atenção dos verdadeiros culpados para um bode expiatório. Em vez do sensacionalismo, aquele resultado devia levar-nos à reflexão que devia obrigatoriamente ser feita: porque é que os agora candidatos a Professor escrevem da forma que escrevem, tal e qual como a grande maioria das pessoas hoje em dia? Há 2 respostas possíveis para esta questão: (1) os jovens passaram todos a ser “burros” (opção arrogante muito própria de Governante que quer sacudir a água do capote), ou (2) as pessoas hoje têm o mesmo grau de inteligência que tinham os seus antecessores há 50 anos, mas o sistema de Ensino piorou dramaticamente. A resposta óbvia é que estes candidatos a Professor não são “burros”, são apenas o fruto do Ensino que em Portugal prevalece desde há, pelo menos, 30 anos. As parangonas atiram a culpa para cima dos Professores, quando os verdadeiros culpados são os MEs que sucessivamente têm destruído o Ensino em Portugal.

Afirmações gratuitas e destruidoras como esta do chumbo na PACC surgem regularmente nas parangonas dos jornais. São bons exemplos “a geração rasca” e “os jovens deixaram de ler”. A dita “geração rasca” não existe (só existe na mente de uma pessoa arrogante e mal formada), mas existe uma geração “à rasca” para enfrentar o mundo deixado pela geração anterior como herança envenenada. A geração do Ministro Crato, por exemplo. Já dizia Einstein que “a única forma de ensinar é pelo exemplo”, o que nos leva a uma questão fulcral mas sempre convenientemente ignorada: quantos filhos entram em casa e vêem os pais a ler um livro, em vez de estarem colados a um televisor ou a brincar com as ditas novas tecnologias? A resposta a esta questão explica em grande parte porque é que “os jovens deixaram de ler”.

Numa situação tão comum (mas tão instrutiva!) como a de deixar cair e partir um copo, percebe-se logo a diferença entre uma pessoa educada e responsável e … o oposto: a primeira de imediato assume a responsabilidade e garante a reposição da perda. A irresponsável (infelizmente tão mais comum e reflexo da Educação desde o berço) diz com o maior desplante: “olha, o copo partiu-se!”, atirando desta forma e sem pejo a culpa para um objecto inanimado, o copo. É tão fácil atirar com as culpas para cima de terceiros … mas não é honesto … nem que seja para cima de um copo de vidro!

O que todos nós Pais e Professores gostávamos de ver do Ministro Crato era: (1) soluções inteligentes para os graves problemas no Ensino. (2) Mais respeito por uma classe que tem nas suas mãos o futuro de Portugal – as nossas crianças. Infelizmente, vai ser mais um ME que não fez mais do que dar mais uma machadada no Ensino e no prestígio dos Professores. O País “está à rasca” com Governantes destes.

            Texto escrito propositadamente não seguindo o Acordo Ortográfico.

Fernando Ornelas Marques

Professor na FCUL

CV em: https://sites.google.com/site/fomarques/

Português dos redactores da PACC não cumpre os requisitos mínimos

A estupidez à solta

A minha experiência com a prova

Identidade e pertenças

“Eu sou Charlie, judia, muçulmana, cristã, hindu…”, ouvimos, por estes dias, reclamando, simbolicamente, pertenças comuns. Percebemos bem o que está em causa, mas convém ter presente a complexidade do que significa partilhar valores e construir identidades.

Pode acontecer que, amanhã, tudo continue como até aqui, quem não cumprimentava o vizinho da frente ou fechava a porta à diferença, continue a fazer mesmo; e os que acreditavam na abertura e no diálogo entre as diferentes comunidades e culturas continuem a construir passagens e a promover encontros.

Somos quem? O que nos identifica como seres humanos? O que partilhamos com outras pessoas? O que preservamos em redutos privados, inacessíveis para os outros, mas decisivos para nós?

Somos seres humanos, livres e iguais. Temos uma identidade legal que nos confere direitos e deveres de cidadania, na sociedade a que pertencemos, mas que não esgota o que somos. Temos outras pertenças, de natureza cultural, religiosa, ideológica, profissional, desportiva…, com influência distinta naquilo que cada um é e escolhe ser, onde aspetos de sentimento e de emoção ganham relevo.

Pertenças que configuram uma identidade pessoal múltipla, umas vezes, em equilíbrio e harmonia, outras vezes, em desequilíbrio e desarmonia, podendo levar a relativismos ou a radicalismos vários, com desintegrações, desfiliações, novas filiações…Ou seja, parece existir, naquilo que somos, uma instabilidade permanente, entre o individuo e o cidadão, entre o espaço público e o privado, entre as diferentes escolhas de realização pessoal e as leis dos Estados.

Assim, o ponto não é saber como anular as tensões individuais e coletivas, elas são da ordem do facto; o ponto é saber como tornar possível a convivência, entre os indivíduos e os diferentes grupos de pertença, em sociedades organizadas, livres e democráticas, onde há valores que não podemos alienar. A questão continua a ser de abertura e diálogo, mas requer compromissos políticos sérios, a diferentes níveis e instâncias, para que todos se sintam parte e participantes.

Maria Rosa Afonso

Avaliação dos professores

Os professores e a sociedade do conhecimento

Temos vindo a afirmar que, pela primeira vez na história da educação ocidental, ocorre um momento único pela sua singularidade e muito preocupante pelas transformações que irá imprimir no trabalho dos docentes e na organização das escolas: – existem hoje poderosíssimos instrumentos de aprendizagem e de acesso ao saber (os PCs; os smartphones; as tablets; TVs interctivas….) que os alunos já dominam melhor que a maioria dos professores e que manipulam com mais destreza que a generalidade dos pais.

O computador pessoal e o smartphone modificaram, rápida e radicalmente, os rituais de iniciação nos grupos de pares, a comunicação intra e intergrupal, os graus de socialização e de integração, já que criaram novos gestos, linguagens, códigos, símbolos, valores e um mundo infindável de engenhos periféricos.

Numa só geração desapareceram muitos dos artefactos que constituíam a memória e a referência do mundo dos adultos contemporâneos: – o vinil foi o primeiro; agora agonizam os CDs, as cassetes VHS e os DVDs de primeira geração; um aluno de 1º Ciclo não faz a mínima ideia do que era uma cassete áudio ou um rolo de fotografia a cores; um vídeo gravador é um aparelho obsoleto e o arquivo de dados em disquetes, CDs e DVDs pertence a um passado quase pré-histórico; grande parte da informação disponível já não existe em suporte de papel, e pouco falta para que Pens Drives e Discos Externos possam ser dispensados. A informação vai parar a Clouds (“nuvens”), onde tudo pode ser armazenado para ficar disponível, em qualquer momento, e em qualquer parte do mudo onde haja acesso à internet.

Se tanto não bastasse, há nas escolas uma geração de professores e de educadores já nascidos na era digital, que trabalham lado a lado com outros docentes que, envergonhadamente, se sentem info-excluídos, pois pertencem a uma outra geração que amadureceu, pessoal e profissionalmente, antes da era da internet, dos motores de busca, das bases de dados digitais, do matraquilho das mensagens por SMS ou da presença orwelliana do Messenger, do Facebook, do Twitter….

São professores e educadores que olham para as novas tecnologias da informação e da comunicação com a desconfiança dos traídos, pois sabem que é ali que está a fonte do mal que os levará à desactualização precoce e, logo, ao mal-estar profissional que acompanha o desgaste, a indisfarçável angústia e o stress.

É nossa profunda convicção de que aquilo que aqui descrevemos implica um perigosíssimo ‘corte geracional’ que tem que ser rapidamente atenuado e corrigido, se queremos eliminar a iliteracia digital e ter as nossas escolas a fazer parte da sociedade do conhecimento. Porém, a introdução, quase sempre inconsequente, das TIC nas escolas acentuou drasticamente esse corte geracional, já que os governos decidem sempre ‘equipar’ primeiro os alunos e as escolas, esquecendo-se de ‘equipar’ previamente os professores com formação específica.

Infelizmente, a educação padece sempre deste estigma: o calendário eleitoral da classe política funciona no curto prazo dos ciclos eleitorais de quatro anos, exigindo resultados rápidos, imediatos e mediáticos. Daí que o investimento em educação, sobretudo na formação dos seus actores, não lhe interesse, já que só permite medir os resultados a médio e a longo prazo, e muitas vezes em contra ciclo eleitoral…

Por tudo isso, os professores devem exigir imediata formação nas tecnologias da informação e da comunicação ou correm o perigo de se tornarem info-excluídos e profissionalmente “desajeitados”. Urge diminuir esse fosso digital, porquanto não há escola do futuro que consiga sobreviver sem incorporar essas novas tecnologias. Até porque a generalização cega das TIC, sem sentido e contexto pedagógico, pode provocar uma deriva na utilização destes instrumentos do saber, com desperdício do investimento realizado e com perigosas consequências para os aprendentes.

Hoje, não basta que o aluno só aprenda a ler e escrever textos na linguagem verbal. É necessário que ele aprenda a ‘ler’ e a ‘escrever’ noutros meios, como o são a rádio, a televisão, os programas de multimédia, os programas de computador, as páginas da Internet… Só assim conseguiremos erguer uma escola pública que seja exigente na valorização do conhecimento e promotora da autonomia pessoal. Uma escola pública que não desista de uma forte cultura de motivação e de realização de todos os membros da comunidade escolar. Uma escola pública que assuma os seus alunos como primeiro compromisso e os professores como seu principal valor. E que, em fim, se revele como um espaço de aprendizagem promotor do debate e da reflexão crítica, incentivando-se a participação cívica nesta aldeia global que é o mundo de hoje.

João Ruivo
ruivo@rvj.pt

Transcrevo na íntegra, em vez de incluir ficheiro, porque já sei que é a melhor forma de ser lido na íntegra por mais pessoas.

Os rankings das escolas e os seus perigosos equívocos

Este texto tem sobretudo um propósito: desconstruir as representações perniciosas da maioria das opiniões pública e publicada que resultam da divulgação dos chamados rankings das escolas. Recordo que estes rankings (reparem que o anglicismo remete-nos logo para uma ideia de competição) têm sido disponibilizados ao público, nos últimos anos, pelo Ministério da Educação e fazem uma seriação hierarquizada das escolas portuguesas a partir da ponderação dos resultados que os seus alunos obtiveram nos exames nacionais do ensino básico (4.º, 6.º e 9.º anos) e secundário (11.º e 12.º anos).

Creio bem que estes rankings inoculam interpretações enganadoras na opinião pública, porquanto são divulgados pelos media de forma redutora e enviesada.

A forma como são noticiados resulta, afinal, da «civilização do espetáculo» em que vivemos (para utilizar o título de um excelente ensaio de Mário Vargas Llosa sobre os descaminhos do jornalismo, da política, da arte e da cultura contemporâneas, editado em 2014), que está formatada para entreter e distrair o público e não para estimular a sua reflexão; está apenas formatada para exibir a aparência e desprezar a essência das coisas. Em última análise, no mundo atual em que vivemos, contaminado por uma tendência para diabolizar os serviços públicos, é legítimo presumirmos que a forma descontextualizada como são divulgadas estas listas de classificações das escolas pode favorecer ou mesmo obedecer a uma agenda ideológica neoliberal, mais ou menos oculta, que visa descredibilizar o ensino público e fazer a apologia do ensino privado.

Qual é, então, a leitura que a maioria da opinião pública e publicada faz destes rankings? Como várias escolas particulares se encontram no topo destas listas, infere que as escolas particulares oferecem um ensino mais competente do que as escolas públicas, porque permite aos seus alunos a obtenção de classificações médias mais elevadas. Curiosamente, estas representações optam por ignorar, ostensivamente, que muitas escolas privadas surgem também colocadas nos lugares medianos e até inferiores destas listas.

Evidentemente, importa explicar porque lideram estes rankings algumas escolas particulares — nomeadamente, alguns colégios particulares independentes, confessionais ou laicos, e/ou certos colégios particulares e cooperativos, laicos ou confessionais, os quais, interessa aqui enfatizar, apesar de serem privados, beneficiam de pródigos financiamentos estatais. Acrescente-se, a este propósito, que estes financiamentos resultam de parecerias público-privadas que neste caso — e em tantos outros existentes em outras áreas da vida portuguesa — têm suscitado grandes desconfianças por parte dos cidadãos. Basta recordarmos as histórias exemplares relativas à criação e funcionamento dos colégios privados do poderoso grupo GPS, que foram denunciadas pela TVI, numa incontestável reportagem feita pela jornalista Ana Leal. Pena é que essa desconfiança não se traduza numa intervenção inequívoca do Governo, no sentido de suprimir definitivamente essas parcerias ou, no mínimo, torná-las absolutamente transparentes.

As razões de algumas escolas privadas liderarem estes rankings são várias e não resultam, necessariamente, da qualidade do ensino que oferecem.

Todos os colégios particulares que se encontram no topo destas listas, ao contrário das escolas públicas, não são socialmente transversais ou interclassistas. Dito de outro modo: pelo menos no primeiro ciclo do ensino básico e no ensino secundário, excluem dos seus estabelecimentos alunos de origens socioeconómicas mais baixas; concretamente, rejeitam alunos economicamente carenciados, porque os seus encarregados de educação não têm possibilidades de pagar as elevadas propinas que estas escolas cobram pelas matrículas dos seus alunos nestes níveis de ensino, e além disso raramente aceitam alunos com Necessidades Educativas Especiais. Por conseguinte, não praticam um ensino inclusivo, democrático e muito menos massificado. Têm, por isso, menos alunos, embora melhores alunos a realizarem exames nacionais, e fazem ainda uma triagem mais rigorosa dos alunos que se propõem aos exames. Por exemplo: vários destes estabelecimentos têm o hábito de não levarem todos os seus alunos a exame, porque forçam os mais fracos a reprovar ou, no caso do ensino secundário, a anular as matrículas e a inscreverem-se como alunos autopropostos nos exames das escolas públicas.

Mas quem são então esses alunos das escolas privadas? São uma elite social privilegiada: filhos de pais dotados de situação económica média-alta e alta, que, por isso, proporcionam aos seus filhos explicações a quase todas ou mesmo a todas as disciplinas em que estes últimos se propõem fazer exames; filhos de pais que têm uma formação académica e cultural acima da média nacional, condição que lhes permite ofertar aos seus filhos acesso a livros, periódicos, viagens, cinema, música, teatro, exposições, visitas a museus, etc.; filhos de pais que vivem, em regra, nas zonas residenciais privilegiadas das cidades mais desenvolvidas nos planos socioeconómico e cultural; enfim, filhos de pais que, geralmente, levam muito a sério o sucesso educativo quantificado dos filhos, por isso matriculam-nos nestes estabelecimentos e dão-lhes um apoio muito personalizado no seu processo educativo e instrutivo.

Importa ainda analisar esta questão sob outros ângulos, porventura ainda menos consensuais.

Parece-me lógico e legitimo avaliar também a qualidade de uma escola a partir das suas práticas educativas bem como da análise dos currículos dos seus professores (média de licenciatura, mestrado ou doutoramento obtidos em universidades credenciadas, experiência educativa medida em tempo de serviço, projetos educativos em que participaram e trabalhos publicados): ora, eu não tenho dúvidas em afirmar aqui que os professores com melhores médias profissionais estão sobretudo concentrados nas escolas públicas, para onde concorreram e entraram através de concursos nacionais. Ao contrário, salvo algumas honrosas exceções, os professores com piores currículos profissionais lecionam nas escolas particulares (sejam elas colégios particulares independentes ou colégios particulares e cooperativos), onde ingressaram através de processos que estão, infelizmente, longe de serem objetivos, transparentes e imparciais.

A maioria esmagadora das escolas particulares inflacionam generosamente as suas classificações internas para atraírem mais alunos e deste modo garantirem mais propinas e aumentarem os seus apoios financeiros do Estado. Todos nós conhecemos casos de alunos que se transferiram, a meio do ano letivo, das escolas públicas para as escolas privadas e nesse mesmo período ou ano letivo as suas avaliações dispararam incompreensivelmente. Esta afirmação não resulta apenas de uma constatação empírica, pois foi já objetivamente comprovada por um estudo divulgado em 2014 por investigadores da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Estes docentes analisaram, ao longo de 11 anos, mais de três milhões de classificações de exames nacionais, cruzando depois estes dados com as respetivas classificações internas dos alunos. Ora, a conclusão destes investigadores de que as avaliações internas das escolas privadas são bem mais inflacionadas do que as avaliações internas das escolas públicas levanta, obrigatoriamente, uma gravíssima questão de equidade e justiça, que deveria merecer a preocupação e a reflexão do Ministério da Educação. Por conseguinte: nas candidaturas para o ensino superior, os alunos que frequentam as escolas privadas encontram-se numa situação de acentuada vantagem relativamente aos alunos do ensino público e tal facto contribui para reproduzir e consolidar as desigualdades socioeconómicas do país.

Sabemos que muitas escolas particulares têm a política educativa pragmática de treinar os alunos exclusivamente para obterem bons resultados nos exames, com prejuízo da transmissão de conteúdos e valores complementares que ultrapassam as aprendizagens formais – o que, não sendo uma opção educativa necessariamente errada, pode ser redutora e por isso discutível. Pois esta obsessão pelos exames não produzirá efeitos perversos? Estes professores e alunos, porventura ainda mais do que os professores e alunos das escolas públicas, vivem o ano todo pressionados com a espada dos exames, o que torna quase todas as suas aulas centradas nesse treino obsessivo para estas provas finais. E tal pressão leva-os a descurar práticas pedagógicas que promovam o gosto pela leitura, pela escrita, pelo cálculo, enfim, pela busca desinteressada do conhecimento. Por outro lado, muitas escolas particulares obrigam os seus professores, sobretudo os mais jovens, que estão em escalões mais baixos, a aceitar horários ilegais, providos com demasiados tempos letivos. Ora, na escola, como, de resto, noutros serviços públicos (como, por exemplo, nos hospitais e centros de saúde), demasiadas horas de trabalho podem significar pior prestação de serviço aos seus utentes. Aliás, saliente-se, a este propósito, que é isso mesmo que está também a acontecer nas escolas públicas, onde, nos últimos anos, os professores têm mais tempos letivos, mais e maiores turmas, mais alunos, maior número de piores alunos, em termos de aproveitamento e de comportamento. Esta situação afigura-se profundamente nociva, pois obriga os professores a prestarem um serviço educativo de pior qualidade. Porquê? Porque têm menos tempo para preparar as suas aulas e para oferecer aos seus alunos um ensino e uma avaliação rigorosos e individualizados. Ainda porque ficam mais desgastados com a lecionação de demasiadas horas diárias de aulas administradas a demasiados alunos cada vez com mais dificuldades de aprendizagem e com problemas comportamentais.

Em conclusão: os rankings das escolas apresentados e lidos de forma bruta são ardilosos, para não dizer mentirosos. Acredito que as escolas públicas, por terem, em regra, melhores professores e por serem dimensionadas para todos os alunos e não apenas para alguns, prestam melhor serviço cívico aos alunos e aos pais dos alunos, apesar das limitações e dos problemas bem maiores com que se confrontam os seus professores e diretores. Quais são esses problemas? Problemas relacionados com a dimensão excessiva ou a degradação acelerada dos edifícios de algumas dessas escolas. Problemas relacionados com a permanente instabilidade do seu corpo docente. Problemas cada vez mais graves de aproveitamento e comportamento dos seus alunos, que, na maioria dos casos, decorre de muitos pais se demitirem de educar em casa os seus filhos, ou decorre ainda da desestruturação de muitas famílias provocada pelo desemprego, a miséria, a iliteracia, a emigração, a ausência do agregado familiar, por razões profissionais, dos seus membros nucleares, ou pelos divórcios (recordo que, hoje, ocorrem em Portugal cerca de 3 divórcios por cada 5 casamentos).

Se dúvidas houvesse a propósito da importância e qualidade da maioria das escolas públicas, permitam-me citar um outro estudo feito também pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, em 2008-09, a partir de uma amostra do percurso académico de 4280 estudantes desta universidade, durante os primeiros três anos. Este estudo chegou à seguinte conclusão: nesse triénio de frequência universitária, os alunos provenientes das escolas particulares obtiveram piores resultados académicos do que os alunos oriundos das escolas públicas. Porquê? Entre outras razões, porque o desempenho dos estudantes no ensino superior requer capacidades que não são aquelas que dependem apenas de o aluno estar muito bem treinado para as matérias dos exames. Os alunos provenientes das escolas públicas, porque foram menos protegidos na sua vida social e académica e tiveram acesso a uma formação cívica mais convergente com o mundo real, estão dotados de melhores ferramentas para enfrentar a universidade e certamente o mundo do trabalho.

Dito isto, não pretendo concluir que as escolas públicas se devem acomodar, fazer como a avestruz, «meter a cabeça na areia» e ignorar os seus problemas. Evidentemente, elas confrontam-se hoje com desafios cada vez mais difíceis, que resultam muitas vezes das políticas erráticas impostas pelo Ministério da Educação — a este propósito, basta recordarmos o brutal desinvestimento feito, nos últimos anos, pelo Estado na escola pública, ou o que aconteceu com o processo de criação atabalhoada de muitos mega-agrupamentos, ou ainda os erros imperdoáveis cometidos no concurso nacional de professores, no início deste ano letivo, e o perigoso avanço para a municipalização da escola pública (que, aliás, aparece hoje como uma ideia nova, apesar de ter raízes em políticas educativas adotadas, com pouco ou nenhum êxito, desde o tempo da Monarquia Constitucional). Mas esses penosos desafios que se colocam à escola pública resultam também dos problemas complexos que afetam o mundo em geral e a sociedade portuguesa em particular, a qual vive há demasiados anos submersa numa crise económica, política e cultural profunda e aparentemente irresolúvel.

Uma observação final: obviamente, as escolas particulares têm todo o direito de existir numa sociedade livre e democrática. As famílias deverão ter sempre o direito de optar pelo ensino privado, bem entendido, desde que estejam dispostas a suportar integralmente as implicações económicas dessa decisão.

Luís Filipe Torgal, professor de História do Agrupamento de Escolas de Oliveira do Hospital

 

The Charlie Hebdo Tragedy

Quase sem palavras e sem procurar teorizar um sentido onde ele foi destruído.

Beija-mão às grades

O ex-primeiro-ministro José Sócrates, preso em Évora, inaugurou uma nova prática: a de conceder audiências na cadeia.

Estou em evidente discordância com a opinião do Filinto Lima de que o problema da municipalização passe apenas pela falta de explicações e pelo confronto com uma certa central sindical (não nomeada).

“Aproximar Educação” – nome do programa que visa a passagem de competências do Ministério da Educação para as autarquias (consubstanciada na celebração do contrato interadministrativo de delegação de competências) e que atraiu alguns (poucos) municípios à discussão – será o próximo pomo da discórdia, sobretudo envolvendo os sindicatos afetos a uma grande central sindical. A recentralização da Educação pode ser atenuada com medidas de proximidade se forem explicadas. Sendo um assunto muito importante, que mexerá com os alicerces do edifício educativo, seria importante a apresentação e a discussão prévias, para que as desconfianças se desvanecessem e não tivessem razão de existir. É bom para quem implementa qualquer inovação sentir as partes interessadas do seu lado, sob pena de mais um falhanço.

Tendo eu lido todos os documentos públicos (que o foram quase à força) que suportam o projecto, considero-me informado e nada convencido. Como não sou de nenhum sindicato da não nomeada central sindical (ou de qualquer outra), ou sou realmente muito estranho ou estamos a querer reduzir e muito a oposição a uma ideia que, se vier a ser concretizada na extensão que está pensada, será mais um desastre para a transparência do funcionamento do nosso sistema educativo.

Verdade se diga que tenho um evidente parti-pris em relação a muitos poderes locais, mas isso é só porque o observo com bastante interesse e atenção há bastante tempo. Não nego que possam existir experiências muito positivas, mas parece-me difícil negar que o governo pretende apenas alijar responsabilidades financeiras e atomizar os concursos de docentes, para que a contestação se desloque para esferas locais, com muito menor impacto público e a capacidade de pressão sobre os decisores.

Sobre o que é escrito sobre a ADD e a PACC sou obrigado a sorrir, pois os directores poderiam ter muito a dizer a este respeito e não o têm feito de forma pública e institucional de uma forma que possa satisfazer os professores rasos que têm de suportar qualquer uma destas ficções.

No caso da ADD, o problema não é só a operacionalização das progressões após um mirífico descongelamento, mas a total vergonha em que se tornaram os seus procedimentos, com gente que não tem preparação para fazer este tipo de avaliação ou ignora por completo noções básicas de legalidade a ter uma função para que não tem qualquer preparação.

Um regresso ao “Eduquês”

A formação da identidade do professor, o sentido da sua profissionalidade, constitui, hoje, uma das grandes preocupações das associações profissionais e sindicais dos docentes, dadas as implicações da actuação profissional na prática social.

Neste contexto, é genericamente aceite que os educadores devem ser profissionais que elaborem com criatividade conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade escola e da comunidade que a envolve e condiciona.

Neste tempo de profunda revolução tecnológica, os professores devem ser vistos como parceiros na transformação da qualidade social da escola, compreendendo isso os contextos históricos, sociais, culturais e organizacionais que fazem parte e interferem na sua actividade docente. Caberia, assim, aos educadores a tarefa de apontar renovados caminhos institucionais face aos novos e constantes desafios do mundo contemporâneo, com competência do conhecimento, com profissionalismo ético e consciência política. Só assim estariam aptos a oferecer novas oportunidades educacionais aos alunos, para que estes alcançassem a construção e a reconstrução de saberes, à luz do pensamento reflexivo e crítico.

A escola, então, desempenharia um papel fundamental em todo o processo de formação de cidadãos aptos para viverem na actual sociedade da informação e do conhecimento. Caberia ao sistema educativo fornecer, a todos, meios para dominar a proliferação de informações, de as seleccionar com espírito crítico, preparando-os para lidarem com uma enorme quantidade de informações que nos chegam, a todo o momento, dentro e fora do espaço escolar.

A importância do papel dos professores, enquanto agentes desta mudança, revela-se fundamental. Eles têm um papel determinante na formação de atitudes, positivas e negativas, face ao processo de ensino – aprendizagem e na criação das condições necessárias para o sucesso da educação formal e da educação permanente, motivando-os para a pesquisa e interpretação da informação e para a elaboração de um espírito crítico. Os aprendentes deveriam, progressivamente, desenvolver a curiosidade pelo mundo que os rodeia, desenvolver a autonomia do pensamento reflexivo e estimular o rigor intelectual, como forma de criar as condições para o “saber aprender a aprender”, pilar fundamental para uma educação ao longo da vida.

Por sua vez, essa educação ao longo da vida deve constituir um direito de todos as pessoas, independentemente da sua idade, habilitações e percurso profissional, à aquisição de saberes e competências que lhes permitam participar na construção contínua do seu desenvolvimento pessoal e profissional, proporcionando-lhes instrumentos para a compreensão das mudanças numa sociedade em rápida evolução, instrumentos para identificar os seus interesses e direitos e desenvolvimento de capacidades para intervir e agir adequadamente. Esse direito pressupõe a disponibilização de condições para a actualização e domínio de novos saberes e tecnologias, a certificação das competências adquiridas por via formal ou informal, nomeadamente as adquiridas ao longo da sua actividade profissional.

Uma estratégia de educação ao longo da vida tem de articular e dar coerência às suas várias vertentes: a formação inicial e a transição da escola para a vida activa; a acreditação e a certificação das competências, formais e informais; a educação e a formação de adultos, ou mesmo a formação permanente nos locais de trabalho.

O cenário educacional contemporâneo mostra, ainda, uma forte tendência: a crescente inserção dos métodos, técnicas e tecnologias de educação à distância num sistema integrado de oferta de ensino superior, permitindo o estabelecimento de cursos com combinação variável de recursos pedagógicos, presenciais e não presenciais, sem que se criem dois sistemas separados. Nesse novo e promissor cenário, o próprio conceito de educação à distância ganha uma dimensão renovada, tornando-se, na verdade, numa educação sem distâncias.

A escola é, ainda, a grande alavanca do desenvolvimento. A sociedade do conhecimento alicerça-se no crescimento do capital humano, na promoção da aprendizagem ao longo da vida.

Infelizmente, a equipa do ME, liderada pela perversa incompetência de Crato, tem levado a escola pública portuguesa a um verdadeiro colapso, em todas as frentes e vertentes, estando as estatísticas internacionais a recolocar-nos em valores que envergonham e nos aproximam dos que conhecemos muitas décadas atrás.

Por isso mesmo, neste pequeno texto, quisemos voltar ao “Eduquês”, tão parodiado pelo actual ministro, mas que manteve viva a alma da escola democrática e o impulso renovador da classe docente.

Classe docente essa que merece o reconhecimento público, por se manter na primeira linha de defesa destes princípios, apesar do achincalhamento a que, diariamente, o ME a sujeita.

Atrofiar a escola e o investimento na educação compromete o futuro, mas também relega para o fim da história aqueles que protagonizam essas políticas.

 

João Ruivo

ruivo@ipcb.pt

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