Praticamente toda a entrevista de MLR é digna de citação e análise, mas a verdade é que ainda há quem tenha uma réstia de sanidade intelectual e psicológica para preservar.
Não sou um desses casos, portanto, acho que ainda vou gastar dois ou três bons posts a dedilhar o discurso pós-entendimento da Ministra da Educação, alguém que parece incapaz de perceber que não é a Margaret Thatcher (por caso Eecretária Para a Educação entre 1970 e 1974 no governo de Edward Heath), por muito que António Ribeiro Ferreira a tenha tentado convencer do contrário, enquanto a observava a, adoravelmente, ingerir bolachinhas.
Vamos lá então, começando pelo princípio, como mandam as regras das coisas, em geral e particular.
Sobre a avaliação encontramos o já habitual trilho de imprecisões, deturpações e meias-verdades, aquelas que um dia a Ministra na TV considerou serem coisas feias, feias, feias, de se dizerem. Olhem a primeira:
O que está estabelecido no decreto regulamentar é que a avaliação, que no anterior modelo não tinha qualquer consequência em termos de progressão na carreira e contagem do tempo de serviço, neste modelo tem consequências. E era necessário chamar a atenção para as consequências.
Isto é uma inverdade que é o nome moderno de mentira.
No anterior sistema a avaliação tinha consequências, pois a atribuição de um Não Satisfaz (cf artº 12º do DR 11/98 e nºs 1 e 2 do artº 48º do DL 1/98 de 2 de Janeiro) implicava, para um «docente em pré-carreira» que não fosse considerado o período de tempo lectivo a que se reportasse essa avaliação. No caso de docentes integrados na carreira «a primeira atribuição da menção qualitativa de Não Satisfaz determina a permanência do docente no escalão em que se encontra, devendo ser acompanhada de uma proposta de formação que permita ao docente superar os aspectos do seu desempenho profissional identificados como negativos no respectivo processo de avaliação». A segunda menção de Não Satisfaz implicava a «cessação de atribuição de serviço lectivo ao docente em avaliação, devendo o órgão de gestão do estabelecimento de educação ou de ensino propor a reconversão ou reclassificação profissional do docente».
A classificação de Muito Bom, prevista no artigo 50º do anterior ECD (DL 1/98 de 2 de Janeiro) que implicava a bonificação de quem se distinguisse na sua prática profissional é que nunca foi regulamentada e este Governo também não o fez. Pudera, custava dinheiro.
Portanto, o que Maria de Lurdes Rodrigues afirma é falso e isso é facilmente verificável. Claro que o entrevistador apaixonado ou é desconhecedor em matérias legislativa da área da Educação ou a cegueira da paixão impediu-o de dar com o caminho para um qualquer livro de Legislação Essencial pra o Professor da Porto Edtora ou para links fáceis de achar para o DL 1/98 ou o DR 11/98.
Claro que a partir do momento em que se deixa basear toda uma argumentação em premissas falsas, o que vem a seguir continua em processo de descolamento da realidade dos factos. Frases como as seguintes deixam de fazer sentido, se não for à luz de pressupostos que estão errados:
O que acontece é que Governo nenhum, na minha opinião, estaria disponível para abrir uma excepção para os professores num quadro em que toda a administração pública está a ser avaliada e tem condicionamentos na sua progressão em função dos resultados da avaliação.
(…)
E no caso dos professores a situação é muito diferente porque nós temos a noção de que a função docente é diferente, mais exigente, tem outras características, tem um modelo diferente. Agora não podíamos criar uma situação em que não concretizando a avaliação se colocava o problema do que é que acontecia na carreira.
Tudo isto não faz sentido, pois bastaria ao ME regulamentar a atribuição da menção de Muito Bom e corrigir pontualmente o DR 11/98 para ter um processo de avaliação que diferenciaria o desempenho dos docentes pela positiva, pois pela negativa o mecanismo já estava previsto.
As consequências na carreira sempre foram possíveis. É profundamente desonesto para todos nós afirmar-se que não.
Tinham dúvidas quanto à aplicação das regras? A IGE detectou irregularidades nas suas inspecções ordinárias, extraordinárias ou outras?
Nunca me constou.
Mas se existiam dúvidas, seria de bom tom esclarecê-las em vez de querer dar como verdadeiro aquilo que o não é/era.
Abril 20, 2008 at 6:31 pm
Com papas e bolos se enganam os tolos.
Abril 20, 2008 at 7:04 pm
Paulo,
Dá um desconto à senhora: explicar o inexplicável é tão difícil… Só mesmo com inverdades é que se chega lá.
Alguém que aconselhe a nossa ministra a ir confessar-se:
– Qualquer padre absolve-lhe os pecados com 100.000 ave marias, 100.000 pais nossos e 100.000 entrevistas a dizer: “Eu não queria a avaliação, queria era poupar o milhão.”
Abril 20, 2008 at 7:06 pm
Por motivos que agora não interessa dissecar, a verdade é que eu perdi mais de 500 dias na minha progressão na carreira, na vigência da legislação anterior.
Amanhã vou à DREC com esta entrevista na mão e vou pedir que me contem todo o tempo… ora não!…
Abril 20, 2008 at 7:06 pm
Não tardou o que eu receava…
Sendo que consigo compreender a defesa feita ao entendimento assinado entre ME e FENPROF aqui veiculada pelo Paulo, não podia deixar de pensar que mais tarde ao mais cedo esse mesmo entendimento (e toda a mise en scène que o rodeou, entre outros aspectos que agora não importam mencionar, funcionariam como combustível para um automotora (leia-se ME) quase parada e de alento para uma maquinista já quase sem sulipas para percorrer.
Esta entrevista acaba por comprovar que MLR (ME) assinou o entendimento mas não enterrou o machado de guerra… qual guerreiro Sioux… receio que ainda veremos (principalmente ao longo do próximo ano lectivo) muitas caravanas de peregrinos recebendo ataques com flechas e lanças como as que podemos constatar neste entrevista.
E, tal como os sindicatos pretenderiam quando firmaram tal acordo, não havera jantar de Thanksgiving em Setembro de 2009 que restabeleça a paz… apazigue os animos… e traga de volta a confiança entre as partes ‘quase beligerantes’
Abril 20, 2008 at 7:07 pm
Ó Paulo, não havia um sinistro senhor que afirmou que “uma mentira repetida muitas vezes se transforma numa verdade”?!
Pois aqui temos um exemplar perfeito, num contexto completamente diferente, salvaguardando as (des)proporções.
Abril 20, 2008 at 7:12 pm
Na minha escola, uma colega (excelente professora!!) sempre se recusou a apresentar o relatório referente à anterior avaliação… permaneceu no mesmo escalão estes anos todos (5º, acho eu). Agora é a única PQND que vai ser avaliada pelo modelo SIMPLEX…e vai progredir de escalão…basta ter Bom…o que nunca aconteceu na anterior avaliação…. E esta, hein???
Abril 20, 2008 at 7:13 pm
Cá vai uma pergunta provocatória para me baterem apesar de eu não gostar da ministra, do governo, do primeiro-ministro e do presidente da república 🙂
Diz o Paulo, em quem acredito, que a parte do “pau” já existia e a da “cenoura” nunca foi regulamentada.
A minha questão é: conhecem alguém que tenha tido consequências negativas na carreira por uma avaliação negativa?
Pergunto isto porque li por aqui que o Satisfaz era a menção geral, sem Bons. Passava-se o mesmo com os Insuficientes?
Abril 20, 2008 at 7:15 pm
Não sei o que se passava “em geral”.
Conheço apenas um ou dois casos de “insuficientes”.
Abril 20, 2008 at 7:16 pm
Ou melhor, de “Não Satisfaz”.
A terminologia por vezes baralha-se-me.
Abril 20, 2008 at 7:20 pm
Pêndulo,
Antes tínhamos a esmagadora maioria dos professores a tirar Satisfaz (Bom) e a progredir na carreira.
Agora teremos a esmagadora maioria dos professores a tirar Satisfaz (Bom) e a NÃO progredir na carreira.
– Acha que isto vai melhorar a escola pública e a educação nacional????
E já agora: se esta “pseudo-avaliação” for para a frente (não acredito), lanço-lhe um desafio: daqui por 6 anos venha colocar a mesma questão.
E não surpreenda-se com a resposta…
Abril 20, 2008 at 7:38 pm
Perguntei isto porque na minha profissão o “paradigma” tem sido outro, somos todos Bons, embora tenhamos de fazer ciclos de 3 exames para ascender um “degrau”.
Há uma coisa que temos de aceitar porque já é efectiva, a tal “verticalização” com diferenciação. Ela já está em vigor para os restantes funcionários públicos e seria insustentável exigir que não se aplicasse aos professores. Claro que a introdução dessa diferenciação tem por motivo a poupança mascarando-se de “tornar mais eficiente”.
Agora o que há a fazer é tornar a avaliação o mais justa possível. É aí que se deve centrar a vossa luta.
E há duas inevitabilidades, a existência de “não satisfaz” e de “bons” e “Excelentes”, em reduzido número.
Confesso que não me agradava a situação anterior que, creio, era generalizada na função pública, em certas profissões mais do que noutras.
Abril 21, 2008 at 12:20 am
A minha questão é: conhecem alguém que tenha tido consequências negativas na carreira por uma avaliação negativa?
Conheço! 🙂