Para aqueles que tinham dúvidas sobre o conteúdo dos acórdãos que consideraram inconstitucionais os decretos que na R. A. Madeira procuraram implementar uma sistema de gestão escolar similar ao que agora o Governo “da República” pretende instituir, agora já os podem consultar aqui (acordao161de2003.doc e acordao262de2006.doc).

Gosto em especial desta passagem do de 2006 que sintetiza a decisão do de 2003, realçando que tudo isto acontece mesmo tendo em atenção que a Assembleia Regional possui alguma latitude, decorrente da autonomia, para legislar:

(…) o Tribunal Constitucional, no já citado Acórdão 161/2003, e no quadro da competência legislativa das Assembleias Legislativas Regionais anterior à revisão constitucional de 2004 (Lei Constitucional n° 1/2004, de 24 de Julho), pronunciou-se no sentido de a forma de recrutamento dos membros da direcção executiva – concurso em lugar de eleição – não se harmonizar com os princípios relativos à democraticidade e participação de todos os intervenientes no processo educativo e à representatividade dos órgãos de administração e gestão das escolas como concretização do artigo 77º da Constituição e do artigo 45º da Lei n° 46/86, declarando, consequentemente, as respectivas normas ilegais, com força obrigatória geral.

Os legisladores habilidosos da 5 de Outubro decidiram inventar uma eleição dentro de um concurso público, mas isso não deve chegar para contrariar que a situação criada seja semelhante à que a Assembleia Regional da Madeira tentou, nesse caso alegando até o regime de autonomia regional para produzir legislação discordante da LBSE.

Relativamente às normas sobre o procedimento de selecção do Conselho Executivo ou Director, importa reter que esta selecção ocorre mediante procedimento desencadeado pelo Conselho da Comunidade Educativa e promovido pelo Conselho Executivo ou Director cessante – artigo 17.º, n.º 1; que compete a uma comissão aplicar os critérios de selecção e elaborar proposta de deliberação a apresentar ao Conselho da Comunidade Educativa artigo 28.º; que a decisão final é do Conselho da Comunidade Educativa artigo 29.º, n.º 1; e que desta decisão cabe recurso hierárquico com efeito suspensivo para o Secretário Regional da Educação – artigo 29.º, n.º 2.

Trata-se de um procedimento de selecção do Conselho Executivo ou Director e não de um procedimento de eleição (seja directa ou indirecta), o que é assumido pelo órgão autor das normas, nomeadamente quando destaca que há «selecção baseada numa análise curricular ponderada com uma apreciação de um projecto de acção do candidato, num enquadramento todo ele centrado na escola através de uma Comissão de apreciação constituída por docentes e monitorizada pelo órgão de direcção (Conselho da Comunidade Educativa)».

O parâmetro relevante para o confronto deste procedimento de selecção do Conselho Executivo ou Director com a Lei de Bases do Sistema Educativo é o constante do artigo 48.º, n.º 4, desta Lei, quando dispõe que a direcção de cada estabelecimento dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente. Concretamente, por se estabelecer aqui, como regra específica comum às escolas de ensino básico e de ensino secundário, «a eleição democrática para os órgãos próprios de direcção de representantes de professores e de pessoal não docente» (Jorge Miranda, O Direito, p. 492), o que coloca, de imediato, a questão de saber se também ao órgão em causa nos presentes autos – o Conselho Directivo ou Director – cabe assegurar a direcção dos estabelecimentos dos ensinos básico e secundário.

(…)

Face ao exposto, o Tribunal Constitucional decide:

a) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade do artigo 1.º do decreto legislativo regional que altera o Decreto Legislativo Regional n.º 4/2000/M, de 31 de Janeiro, aprovado em 22 de Março de 2006, na parte em que dá nova redacção aos artigos 17.º, n.ºs 1 e 7, 28.º e 29.º, por violação do artigo 164.º, alínea i), da Constituição da República Portuguesa;

A parte da violação da Constituição significa que a Assembleia Regional não podia legislar de forma contrária ao enquadramento jurídico da República, arrogando-se de uma competência que não tem. Porque a tentativa de 2006 (dlr21de2006madeira.pdf) levava consigo o argumento de existir essa competência.

Sei ainda que as situações não são perfeitamente equiparáveis, mas até acho que a proposta do ME é mais vulnerável em alguns pontos do que a da Assembleia Regional madeirense.

Eu sei que há advogados e juristas capazes de retorcerem toda e qualquer lógica, mas quer-me parecer que não chega inventar uma pseudo-eleição, na sequência de um concurso, para mais com um colégio eleitoral formado por elementos não previstos na LBSE, para tornar o projecto do ME constitucional em pelo menos dois pontos essenciais.