Ainda não fui confirmar à papelaria da esquina se saiu a versão 3.0 na edição de hoje do Sol. Como foi um texto pedido, a versão final teve de ser encaixada no espaço disponível. De qualquer modo eu confessei a quem mo pediu que depois publicava aqui a versão correspondente ao segundo rascunho.

O episódio é já acontecimento nacional e o ruído em seu redor bastante estridente. Todas as posições já foram ensaiadas, a maior parte dos argumentos imagináveis já foram aduzidos, as responsabilidades foram assacadas a toda a gente, os diagnósticos multiplicaram-se, assim como as soluções. Neste contexto é difícil trazer algo de novo à discussão. Por isso, mais do que o episódio em si, convém analisar algumas questões que o rodeiam e as epidérmicas polémicas que o envolvem.

  • A indisciplina e violência nas escolas são fenómenos normais ou excepcionais?
  • São fruto de práticas ancestrais de contestação à autoridade ou são comportamentos novos, resultantes de factores recentes como a fragmentação familiar e uma crise de valores?
  • São resultado de comportamentos disruptores individuais ou manifestações de uma cultura de irresponsabilidade de grupo?
  • São epifenómenos a que devemos responder de forma tolerante, relativizando a sua gravidade, ou devemos encarar a sua punição como exemplar?

A resposta a estas questões não é tão simplista como muitos gostariam, para melhor enquadrarem a realidade nas suas ideias confortavelmente pré-formatadas.

Comecemos pela frequência: estes actos são razoavelmente frequentes nas nossas escolas, embora variando de escola para escola e de turma para turma. Não são excepcionais, singulares, ou «casos dramáticos individuais», mas também não são a regra em todas as turmas, todos os dias, em todos os estabelecimentos de ensino. Mas são frequentes. Não me importo com o que dizem as estatísticas recolhidas por qualquer Observatório. Elas dizem muitas vezes o que deixamos que elas registem.

E quanto à novidade dos actos? Será isto coisa nova, ou apenas a ponta de uma longa cauda? Verdade seja dita que isto tem pouco de novo, embora existam ciclos de maior ou menor incidência destes fenómenos (e do interesse público e mediático por eles). A indisciplina e a violência (que representam pontos não muito distantes de um continuum de comportamentos) existem no quotidiano escolar, assim como a gritaria nos corredores, os atropelos nas filas para o almoço, a falta de civismo nos WC’s. Todos o sabemos. Fomo-nos habituando. Porque é natural. Faz parte da idade. O professor nunca fez nada disso no seu tempo?

São condutas individuais ou de grupo? Na sua forma mais singular são condutas individuais, mas resultam tantas vezes da «pressão dos pares», da necessidade de demonstrar uma «atitude», de «marcar uma posição», de ganhar um virtual concurso de popularidade e respeito em grupos que se definem pela auto-imagem de rebeldia. Daí o rótulo de «o 9ºC em grande» que servia de título ao vídeo.

Como devemos reagir perante estes casos? Relativizando e pós-modernizando apenas na medida estritamente necessária. Não pactuando com políticas de silêncio e camuflagem destas condutas. Não culpabilizando a vítima pela agressão sofrida. Não querendo fazer crer que quem é violado(a) o é por sua única e exclusiva culpa. Havendo coragem de assumir as responsabilidades pelos actos. Pedir desculpa ajuda mas não resolve tudo. O pontapé depois de dado, não deixa de doer. Uma bala não retorna à arma depois de um instrumental «desculpe lá qualquer coisinha».

 

Mas existem três outros pontos que não queria deixar de sublinhar:

  • Para alguns a docente estaria «impreparada» para lidar com esta situação. Mas como é possível estar preparado? Ouvi sugestões de conduta alternativa que, a serem seguidas, motivariam outras críticas. Se desistisse da disputa revelaria falta de autoridade; se saísse da sala em busca de alguém, teria abandonado a aula. A ninguém ocorreu que a situação se tornou um beco sem saída quando os restantes presentes optaram por pactuar com a vergonha em curso.
  • Neste caso não está em causa apenas um tipo de violência, mas vários. A física, a verbal e a simbólica. Mas também a devassa da privacidade do jovem Copolla que decidiu gravar o episódio com a intenção de auto-glorificação do que se passava e não de denúncia.
  • E para finalizar o único aspecto verdadeiramente decorrente dos tempos: nestes dias a imagem impera. Apesar da violência que representou a repetição à exaustão das imagens em blogues e televisões, sem elas talvez tudo não viesse a passar de um impresso de ocorrência disciplinar que se deixaria guardado numa gaveta.

Parece que nos transformámos todos em S. Tomé, nesta idade onde só a imagem conta.