De acordo com o Expresso de hoje, o Conselho Nacional de Educação vai divulgar publicamente na segunda-feira o seu parecer sobre o modelo de gestão escolar proposto pelo Ministério da Educação. Já tinha lido excertos e o JMAlves divulgou-o em primeira mão no Terrear.
Do que lera já me tinham saltado à vista algumas reservas, que agora confirmo com a leitura integral, depois de o receber graças à simpatia do João A. (cne.pdf).
Sei que em termos de “luta” o parecer do CNE tem toda a aparência de ser ou estar do “lado de cá”, mas a verdade é que de todos os que surgiram até ao momento é o que me parece acabar por validar algumas opções duvidosas do ME ou opta mesmo por avançar por soluções alternativas que levam mais longe o desrespeito pela Lei de Bases em vigor ou um modelo de gestão que pode agravar ainda mais eventuais situações de ingovernabilidade das escola/agrupamentos ou afastar de vez critérios pedagógicos da sua orientação estratégica.
Eu passo a especificar aquilo a que me refiro:
- Este parecer do CNE faz questão de demonstrar de forma bem explícita que se enquadra de forma coerente em posições anteriores do próprio Conselho desde 1990 (§2) e que é clara «a preocupação do CNE de que a legislação em análise não contrarie a Constituição da República Portuguesa e a Lei de Bases do Sistema Educativo em vigor» (§3). No entanto, logo no parágrafo seguinte (§4) o parecer preocupa-se em fazer uma clara distinção entre «os órgãos de direcção e o de gestão das escolas, embora ambos devam compor a administração da mesma». Por aqui fica um problema que é de saber se o termo «mesma» se aplica à «direcção» (o uso do singular isso indicaria) se às «escolas» (que parece ser o sentido do texto, mas então falhará aqui a não utilização do plural). O mesmo se aplica para o plural inicial dos «órgãos de direcção» que um par de linhas depois se torna «órgão directivo». Curiosamente isto não é uma bizantinice minha, sem grande importância. Pelo contrário, é esta indefinição que subjaz à posição do CNE quanto à Lei de Bases do Sistema Educativo (aqui a versão alterada, e consolidada, de 2005) que, em nenhum momento faz tão claras delimitações entre a esfera da direcção, gestão e administração das escolas.
Aliás, e como tive oportunidade de há algum tempo por aqui discutir com alguns comentadores, é extremamente curiosa a forma como alguns sectores tentam fazer uma espécie de interpretação legítima do articulado da LBSE como se este fosse um documento herdado das brumas da História e não algo com pouco mais de 20 anos e, repete-se, parcialmente revisto em 1997 e 2005.
Isto acontece porque o objectivo é encobrir que já o 115/98 desrespeitava claramente o artigo 48º da Lei de Bases. Só que parece que esta constatação óbvia incomoda bastante e então vai de retorcer a leitura da LBSE para além dos limites do razoável, de forma a lá encaixar uma matizada diferenciação entre órgão de direcção e órgãos de gestão das escolas. Ora isso não está na LBSE. E como no caso da «autonomia» gritada a sete ventos pelo ME, também não é o facto do CNE dizer que se preocupa muito, muitíssimo em respeitar a dita Lei de bases que faz com que esse respeito exista.
Vamos ser claros: há um acordo há coisa de uma dúzia de anos em fazer letra morta de uma parte incómoda da LBSE. Quando foi possível, não houve coragem política (ou presidencial) para alterá-la e então entretemo-nos a contar contos de fadas para adormecer os incautos.
Não sei, nem me interessa muito, se estou do lado dos atavismos, do conservadorismo, do passado, se sou um destroço à deriva de velhas concepções de gestão escolar, etc, etc, etc. O que me interessa é que isto se constrói tudo em cima de uma manifesta ilegalidade que serviu na Madeira para o Tribunal Constitucional chumbar propostas similares a estas, mas que por cá, com uma postura mais ou menos crítica, parece não incomodar ninguém.
Não tenhamos medo de assumir o seguinte quanto à LBSE:
- Ela não contempla a existência de órgãos distintos de direcção e gestão. Apenas prevê os órgãos de direcção, apoiados por outros «órgãos consultivos e serviços especializados» e critérios a seguir na administração e gestão dos estabelecimentos de ensino.
- Ela explicita com clareza que o método de escolha dos elementos desses órgãos de direcção e quem pode participar nesse processo. Se o 115/98 martelou, na base da «integração comunitária», a presença de outros intervenientes, por exemplo, na Assembleia de Escola isso é outra coisa. Ou se agora se pretende que existam «procedimentos concursais» prévios a um acto eleitoral. Em nenhum momento, à luz do que é claríssimo na LBSE, se contempla um órgão de direcção como aquele que agora se pretende associar ao futuro Conselho geral (sendo que depois o ME e o CNE pretendem que a “direcção” seja de “gestão”, enquanto o órgão de “direcção” não é assim nomeado). Nem sequer contesto se a medida foi bem tomada em 1998 ou não. Se teve méritos ou não. Ou se a solução em 2008 é boa ou não, mais percentagem destes, menos percentagem daqueles.
O que está em causa é que, então, comecem por alterar a LBSE e não a dizer que ela diz o que não diz. Ou a insinuarem que, se não diz, queria dizer, ou que não diz porque à época não se lembraram de dizer. Mudem-na. Esclareçam isso. Ponto final. Eu calo-me.
Agora basearem parte substancial de um parecer – em especial quanto à extensão das competências do Conselho Geral – numa ficção é que me parece esticar a corda para lá do razoável.
E é logo por aí que eu começo a discordar.
Por uma questão de princípios e coerência (minha e do CNE, salvaguardadas as diferenças entre aqui o davidezinho e o GOLIAS)
Porque proclamar fé absoluta nas Escrituras Sagradas e depois começar logo a torpedeá-las à primeira oportunidade parece-me a modos que não sei bem o quê.
(continua…)
Fevereiro 9, 2008 at 9:16 pm
Paulo:
Fizeste um lapso inconsciente no título, ou era propositado?
«O Parece do CNE Sobre o Modelo de Gestão Escolar E Porque Não Gosto Muito Dele – 1»
não mudes, está muito bem assim, quanto a mim!!
Fevereiro 9, 2008 at 9:20 pm
Por acaso foi semi consciente e estava influenciado pela notícia do Expresso que qualifica o parecer de “nim”.
Para além disso tenho uma categoria para os posts que é exactamente “Parece Que”.
E é assim que irei emendar o título.
Fevereiro 9, 2008 at 11:21 pm
A leitura do Expresso é claramente infundamentada. O Parecer do CNE é arrasador da proposta do ME. É preciso ter presente que o CNE é um órgão que integra representantes de todos os partidos com assento parlamentar, do Governo, dos Sindicatos, da Confap, do EPC… e que o parecer final tem muitas vezes de integrar o mais possível as diferentes visões e interesses…
Fevereiro 9, 2008 at 11:34 pm
Mas eu continuo na minha aldeia gaulesa: a LBSE está a ser desvirtuada e nem houve coragem de mudá-la, nem de respeitá-la.
Fevereiro 10, 2008 at 4:52 pm
Afinal, PG, não sou apenas eu (http://educacaosa.blogspot.com/2007/12/ui-ui-que-confuso-vai-por.html) que defendo que a LBSE não exige, em momento algum, que o órgão de gestão das escolas seja eleito. O CNE parece que tem a mesma leitura…
Não admite como hipótese, apenas como hipótese, que possa ser você a estar enganado?
Fevereiro 10, 2008 at 5:02 pm
Sim, admito como hipótese académica, por parte de quem não consiga, por qualquer razão que me escapa, ler o que está na LBSE.
Mas conhece a anedota da mãe orgulhosa no filho que é o único certo, quando os outros andam ao contrário?
A minha mãe não era desse tipo.
Setembro 11, 2008 at 11:43 am
[…] controleira, centralista e antidemocrática que está subjacente a este novo modelo, para além do Paulo Guinote, também eu já me referi ao assunto aqui. Mas se os aspectos que se relacionam com a designação […]