Pois é, devo seu eu que sou mesmo chato e depois me agarro muito às coisas escritas, em especial quando são leis estruturantes da organização do Estado. Porque, podemos ou não concordar com tudo o que na Constituição, Códigos, Leis de Bases, etc, mas temos duas opções: ou as respeitamos ou lutamos por mudá-las.
Neste momento sinto um apego especial pela Lei de Bases do Sistema Educativo, quase provecta com pouco mais de 20 anos, mas ainda em vigor na sua versão consolidada.
Até há pouco tempo achava que a proposta – vaga – de novo modelo da gestão escolar feria gravemente o princípio da democraticidade do processo de eleição dos seus órgãos. Mantenho as minhas reservas de não jurista ou constitucionalista, mesmo se reconheço a habilidade da fórmula escolhida para tornear o problema.
Mas isto é como com os chicos-espertos. Escapam do buraco em frente dos olhos, mas esquecem-se de olhar um pouco mais adiante, para saber se com o salto artístico não irão cair em buraco maior.
É o caso.
Vejamos porquê: é certo que a LBSE postula no seu artigo 46º a participação «mediante adequados graus de participação dos professores, dos alunos, das famílias, das autarquias, de entidades representativas das actividades sociais, económicas e culturais e ainda de instituições de carácter científico».
Os «adequados graus de participação» são vagos mas a fórmula deu cobertura à forma de composição da Assembleia de Escola segundo o RAAG, assim como parece validar a solução encontrada para a composição do Conselho Geral.
Nada mais errado, penso eu de que.
Porque se combinarmos a sua composição com as competências previstas e o que Jorge Pedreira parece ter tido o cuidado de querer aclarar de maneira algo bizarra (um docente como presidente do Conselho Geral diminuiria a autoridade do professor que fosse Director Executivo, mas parece que isso não acontece se for um professor ocasionalmente vereador ou encarregado de educação) como sendo o modo de articulação entre Conselho Geral e o Director, acabamos com um evidente desrespeito pelo artigo 48º da LBSE onde se lê, com bastante clareza que:
A direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino.
Significa isto que os «órgãos próprios» de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de ensino são formados por representantes democraticamente eleitos de professores, alunos e pessoal não docente .
Se alguém detectar a presença de caciques locais, líderes confapianos ou sérios representantes dos pais, assim como construtores civis de sucesso, faça o favor de me comunicar.
O que lá está é a exigência da existência de órgãos consultivos ou serviços especializados. Esses até podem contar com a presença da associação de arrumadores do bairro, mas não deixam de ser «consultivos». O que contradita qualquer hipótese de fazerem escolhas vinculativas.
Por isso, em nenhum momento se admite que a direcção do estabelecimento de ensino possa ser escolhida por outras pessoas que não o pessoal docente, não docente e alunos (no caso do Secundário). Foi no interior destas balizas que a legislação de Marçal Grilo se moveu. A Assembleia de Escola inspeccionava e aprovava ou não os actos do Conselho Executivo, mas não o podia “seleccionar”, “nomear” ou “eleger”.
Ora o projecto de decreto-lei actualmente apresentado para «discussão pública» não se encontra dentro dessas balizas e coloca mesmo em posição de destaque na «selecção» ou «eleição» do Director Executivo intervenientes que a LBSE não prevê, mesmo que a tentemos ler num «sentido lato».
Ou seja, se o truque de chamar «eleição» ao resultado de um concurso público foi divertido, parece que alguém se esqueceu do detalhe de nessa «eleição» existirem protagonistas que de acordo com a LBSE não podem lá estar.
Portanto, e mais uma vez pedindo desculpa ao meu professor de Filosofia do 12º ano por não ter ido para Direito e por isso mesmo isto não passar oficialmente de patuá (aportuguesamento do patois gaulês) de leigo, quer-me parecer que este projecto de decreto-lei está condenado a levar chumbo de inconstitucionalidade, por desrespeito da LBSE.
Lamento, mas desta cadeira ou me sento agora, os isaltinos, albinos e zirgulinos deste país ainda não podem presidir ou fazer parte de um Conselho Geral que tenha as competências que neste projecto de decreto-lei estão previstas.
E não há que ter vergonha em assumir que esta é uma posição corporativa, que defende o papel e o valor dos professores na gestão das escolas, defendendo-os de elementos externos que, até ao momento, não têm revelado nenhum valor acrescentado à sociedade nas respectivas áreas de intervenção: o Poder Local está falido e envolto em escândalos de corrupção e a iniciativa privada está longe de ser um exemplo de virtudes. Quanto aos pais e encarregados de educação (como eu) desde que se representem a si e deixem de ser – ao nível da superestrutura – uma correia de transmissão subsidiada pelo ME, são por mim sempre bem vindos à Escola. Todos os Encarregados de Educação de alunos das direcções de turma que tive ao longo da carreira sabem disso, pois sempre trabalhámos em conjunto e nunca em oposição.
Neste momento e perante a situação concreta que vivemos este novo modelo de gestão das escolas é errado porque lá quer colocar quem, na generalidade dos casos, nunca lá quis estar. Basta olhar para casos concretos como o do concelho onde trabalho: sem Carta Educativa, com um Conselho Municipal eleito há um par de meses e ainda sem funcionar e um poder político que fez gala, quando do seu arranque, em não apoiar as AEC.
Sei que esta posição é politicamente incorrecta da Esquerda (que quer mais poder para os órgãos regionais e locais em nome da descentralização) à Direita (quer quer mais poder para a sociedade civil), passando pelo Centrão (que quer alijar as responsabilidades do Estado Central que domina há 30 anos pelo insucesso escolar).
Mas é a minha e parece-me que medianamente fundamentada.
Quem discordar (ou concordar) que atire o primeiro comentário.
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