Lei De Bases


É uma velha guerra minha em que, por acaso, me terei de envolver de forma mais activa:

Artigo 48º

Administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino

 

1 – O funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino, nos diferentes níveis, orienta-se por uma perspectiva de integração comunitária, sendo, nesse sentido, favorecida a fixação local dos respectivos docentes.

2 – Em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo, tendo em atenção as características específicas de cada nível de educação e ensino.

3 – Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa.

4 – A direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino.

5 – A participação dos alunos nos órgãos referidos no número anterior circunscreve-se ao ensino secundário.

6 – A direcção de todos os estabelecimentos de ensino superior orienta-se pelos princípios de democraticidade e representatividade e de participação comunitária.

7 – Os estabelecimentos de ensino superior gozam de autonomia científica, pedagógica e administrativa.

8 – As universidades gozam ainda de autonomia financeira, sem prejuízo da acção fiscalizadora do Estado.

9 – A autonomia dos estabelecimentos de ensino superior será compatibilizada com a inserção destes no desenvolvimento da região e do País.

 

… têm é prioridades diferentes.

David Justino propõe-se avaliar Lei de Bases da Educação “quase artigo a artigo”

 

Nuno Crato: Rever Lei de Bases da Educação não é prioridade

Sei que podia ficar calado, mas não seria a mesma coisa, por isso aí vai: quem não consegue ter uma equipa capaz de, ao fim de dois anos, respeitar um cronograma como iria conseguir fazer uma proposta de revisão da Lei de Bases?

… que é letra morta em demasiadas passagens e é desrespeitada sempre que dá jeito.

David Justino propõe-se avaliar Lei de Bases da Educação “quase artigo a artigo”

Ex-ministro foi hoje ouvido na AR na qualidade de candidato à presidência do Conselho Nacional de Educação.

Aliás, qualquer reforma a sério na Educação deveria começar por aí e não por remendos sobre remendos.

Mesmo que se tenham concepções diversas sobre as melhores opções…

Apesar de habituada a violações mais ou menos públicas e violentas, com a idade, a que está em vigor começa a estar muito estafadinha.

Porque não é de agora que discordo de projectos de 2 ciclos de 6 anos ou de 3 com 6+3+3, sendo que esta é uma das duas alternativas que há algum tempo já expus aqui no blogue.

Ou fundir os actuais 2º e 3º CEB ou então esta proposta, apenas lamentando a prudência e cuidadinho com que é apresentada. Há que ser claro e esta é uma boa proposta que só peca por tardia, em relação ao processo de reajustamento curricular em curso.

E também concordo que é mais do que tempo de rever a sério a LBSE.

Conselho de Escolas propõe reorganizar ciclos

Projecto do órgão consultivo do Governo deve ser entregue à ministra da Educação até final do ano lectivo

O Conselho de Escolas vai propor à ministra da Educação a reorganização dos ciclos de ensino em três ciclos de quatro anos cada. O projecto vai ser debatido hoje, segunda-feira, no plenário do órgão consultivo do ME, e Álvaro Almeida dos Santos conta com a sua aprovação.

“Não passa de uma proposta” e pretende responder ao “desafio” colocado pelo alargamento da escolaridade obrigatória de 12 anos, começou por sublinhar ao JN o presidente do Conselho de Escolas (CE), Álvaro Almeida dos Santos. O documento, que pode ser aprovado hoje, no plenário realizado no Centro de Caparide, em Cascais, será entregue à ministra da Educação até final do ano lectivo. E, a ser aceite pela tutela “obrigaria à alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo”, reconhece o director da Secundária de Valadares.

Publicada no passado dia 27 de Agosto. Afinal sempre é feito o devido remendo na Lei de Bases do Sistema Educativo.

Continuam umas pontas por acertar em termos de operacionalização, mas isso depois logo se trata.

O Presidente da República acaba de promulgar o diploma que alarga a escolaridade obrigatória para 12 anos.

Porreiro, pá.

O chato é que lá vou eu ler a Lei de Bases do Sistema Educativo e dou de caras com isto:

Secção II

Educação escolar

Subsecção I

Ensino básico

Artigo 6º

Universalidade

1 – O ensino básico é universal, obrigatório e gratuito e tem a duração de nove anos.

Pois, o ensino secundário não aparece com estas características (universalidade, obrigatoriedade, gratuitidade) e etc. Será que se pode alargar a escolaridade obrigatória e deixar a Lei de Bases de lado?

Acho estranho num PR tão dado às minudências constitucionais quando se trata dos seus puderes e de alhos como as uniões de facto, mas depois sacuda a água do capote quando se trata de bugalhos como este.

Claro que seria altamente impopular vetar esta medida tão demagogicamente eleitoralista e populista.

Mas o PR não é o garante da fiscalização dos actos do Governo e da Assembleia da República quem, em primeiro lugar, deve velar pela constitucionalidade dos actos legislativos que brinda com as suas promulgações?

Já foi o mesmo com o decreto da gestão escolar e com o simplex 3. Quer-me parecer que Cavaco Silva nutre pela Educação uma espécie de afecto difícil de definir. Tudo deve ser muito legal e coiso e tal, desde que não seja matéria educativa. Nesse caso parece assinar de cruz.

Mas neste caso – e apesar do consenso parlamentar – a discrepância é mais do que óbvia.

Coerências.

Acaba de ser publicado o novo modelo de administração, autonomia e etc e tal dos estabelecimentos de ensino. O decreto-lei 75/2008 (de 22 de Abril) por que alguns tanto esperavam, em especial certas almas alvas e puras. Para mim, qualidade à parte, os capítulos 11º a 15º da secção I são incompatíveis com o nº 4 do artigo 48º da Lei de Bases do Sistema Educativo, mesmo se o legislador chega ao impudor de citar este mesmo artigo para, dizendo que está a legislar de acordo com ele, o violar de forma clara.

Sei que esta minha opinião não é consensual ou mesmo vagamente popular.

Sei que ninguém se deverá ir mexer quanto a isto, nomeadamente quanto ao pedido de fiscalização sucessiva deste aspecto do novo decreto, porque pode parecer politicamente incorrecto e quem promover isso despertará a ira do Pai da Nação.

Mas eu mantenho o que escrevi aqui e aqui, assim como a propósito dos acórdãos que declararam inconstitucional uma iniciativa legislativa similar na R. A. da Madeira.

Sei que não sou jurista, mas verdade se diga que ainda sei ler. E procuro ler o que está escrito e não uma extrapolação qualquer, uma espécie de interpretação legítima, do que lá não está.

Isso deixo para os «especialistas» e para os interessados no atropelo da LBSE. Que os há muitos por aí.

quanto ao resto, aposto simples contra quintuplicado (ou mais) que isto vai dar muito maus resultados em muitos sítios. Claro que depois estaremos cá para assinalarmos o facto, enquanto os responsáveis por isto estarão então na pose de «senadores» a apontar o caminho certo. Afinal os que fazem isto em 2008 não são muito diferentes dos que fizeram o 15/1998.

Artigo 48º

Administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino

1 – O funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino, nos diferentes níveis, orienta-se por uma perspectiva de integração comunitária, sendo, nesse sentido, favorecida a fixação local dos respectivos docentes.

2 – Em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo, tendo em atenção as características específicas de cada nível de educação e ensino.

3 – Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa.

4 – A direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino.

A menos que queiram os senhores vereadores, eventualmente professores titulares sem dar aulas e tudo, mais a alvenaria subsidiada a mandar nas Escolas.

Cavaco promulga diploma sobre Gestão e Administração Escolar

O Presidente da República promulgou esta sexta-feira o diploma sobre gestão e administração escolar que, ao contrário do projecto inicial do Governo, já não prevê percentagens mínimas para o número de representantes dos professores e dos pais no Conselho Geral, futuro órgão de direcção estratégica das escolas.

Quanto a esta promulgação, que acho absolutamente lamentável, só realçaria dois pontos essenciais:

  • As alterações introduzidas no diploma inicial – permitindo que a Presidência do Conselho Geral seja exercida por um docente, mas com o número de membros a ser ímpar e a proporção de docentes a não poder exceder 50% – são quase irrelevantes em termos práticos.
  • Esta lei, agora promulgada com a benção de Belém, é incompatível com o que está definido na Lei de Bases do Sistema Educativo quanto aos agentes educativos com capacidade para intervir nas eleições/escolha ds órgãos de administração da Escola. Isso já acontecia cm o 115/98, mas agora a discrepância é bem maior. Todos fingem não ver isso, em nome de opções «politicamente correctas». Enveredou-se pelo método preguiçoso de não rever a LBSE e aprovar legislação que é com ela incompatível como se isso fosse apenas um detalhe.

Alguém tem coragem de pedir a fiscalização sucessiva do diploma?

Ninguém?

Pois, é capaz de ser o mais certo.

De acordo com o Expresso de hoje, o Conselho Nacional de Educação vai divulgar publicamente na segunda-feira o seu parecer sobre o modelo de gestão escolar proposto pelo Ministério da Educação. Já tinha lido excertos e o JMAlves divulgou-o em primeira mão no Terrear.

Do que lera já me tinham saltado à vista algumas reservas, que agora confirmo com a leitura integral, depois de o receber graças à simpatia do João A. (cne.pdf).

Sei que em termos de “luta” o parecer do CNE tem toda a aparência de ser ou estar do “lado de cá”, mas a verdade é que de todos os que surgiram até ao momento é o que me parece acabar por validar algumas opções duvidosas do ME ou opta mesmo por avançar por soluções alternativas que levam mais longe o desrespeito pela Lei de Bases em vigor ou um modelo de gestão que pode agravar ainda mais eventuais situações de ingovernabilidade das escola/agrupamentos ou afastar de vez critérios pedagógicos da sua orientação estratégica.

Eu passo a especificar aquilo a que me refiro:

  • Este parecer do CNE faz questão de demonstrar de forma bem explícita que se enquadra de forma coerente em posições anteriores do próprio Conselho desde 1990 (§2) e que é clara «a preocupação do CNE de que a legislação em análise não contrarie a Constituição da República Portuguesa e a Lei de Bases do Sistema Educativo em vigor» (§3). No entanto, logo no parágrafo seguinte (§4) o parecer preocupa-se em fazer uma clara distinção entre «os órgãos de direcção e o de gestão das escolas, embora ambos devam compor a administração da mesma». Por aqui fica um problema que é de saber se o termo «mesma» se aplica à «direcção» (o uso do singular isso indicaria) se às «escolas» (que parece ser o sentido do texto, mas então falhará aqui a não utilização do plural). O mesmo se aplica para o plural inicial dos «órgãos de direcção» que um par de linhas depois se torna «órgão directivo». Curiosamente isto não é uma bizantinice minha, sem grande importância. Pelo contrário, é esta indefinição que subjaz à posição do CNE quanto à Lei de Bases do Sistema Educativo (aqui a versão alterada, e consolidada, de 2005) que, em nenhum momento faz tão claras delimitações entre a esfera da direcção, gestão e administração das escolas.

Aliás, e como tive oportunidade de há algum tempo por aqui discutir com alguns comentadores, é extremamente curiosa a forma como alguns sectores tentam fazer uma espécie de interpretação legítima do articulado da LBSE como se este fosse um documento herdado das brumas da História e não algo com pouco mais de 20 anos e, repete-se, parcialmente revisto em 1997 e 2005.

Isto acontece porque o objectivo é encobrir que já o 115/98 desrespeitava claramente o artigo 48º da Lei de Bases. Só que parece que esta constatação óbvia incomoda bastante e então vai de retorcer a leitura da LBSE para além dos limites do razoável, de forma a lá encaixar uma matizada diferenciação entre órgão de direcção e órgãos de gestão das escolas. Ora isso não está na LBSE. E como no caso da «autonomia» gritada a sete ventos pelo ME, também não é o facto do CNE dizer que se preocupa muito, muitíssimo em respeitar a dita Lei de bases que faz com que esse respeito exista.

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Vamos ser claros: há um acordo há coisa de uma dúzia de anos em fazer letra morta de uma parte incómoda da LBSE. Quando foi possível, não houve coragem política (ou presidencial) para alterá-la e então entretemo-nos a contar contos de fadas para adormecer os incautos.

Não sei, nem me interessa muito, se estou do lado dos atavismos, do conservadorismo, do passado, se sou um destroço à deriva de velhas concepções de gestão escolar, etc, etc, etc. O que me interessa é que isto se constrói tudo em cima de uma manifesta ilegalidade que serviu na Madeira para o Tribunal Constitucional chumbar propostas similares a estas, mas que por cá, com uma postura mais ou menos crítica, parece não incomodar ninguém.

Não tenhamos medo de assumir o seguinte quanto à LBSE:

  • Ela não contempla a existência de órgãos distintos de direcção e gestão. Apenas prevê os órgãos de direcção, apoiados por outros «órgãos consultivos e serviços especializados» e critérios a seguir na administração e gestão dos estabelecimentos de ensino.
  • Ela explicita com clareza que o método de escolha dos elementos desses órgãos de direcção e quem pode participar nesse processo. Se o 115/98 martelou, na base da «integração comunitária», a presença de outros intervenientes, por exemplo, na Assembleia de Escola isso é outra coisa. Ou se agora se pretende que existam «procedimentos concursais» prévios a um acto eleitoral. Em nenhum momento, à luz do que é claríssimo na LBSE, se contempla um órgão de direcção como aquele que agora se pretende associar ao futuro Conselho geral (sendo que depois o ME e o CNE pretendem que a “direcção” seja de “gestão”, enquanto o órgão de “direcção” não é assim nomeado). Nem sequer contesto se a medida foi bem tomada em 1998 ou não. Se teve méritos ou não. Ou se a solução em 2008 é boa ou não, mais percentagem destes, menos percentagem daqueles.

O que está em causa é que, então, comecem por alterar a LBSE e não a dizer que ela diz o que não diz. Ou a insinuarem que, se não diz, queria dizer, ou que não diz porque à época não se lembraram de dizer. Mudem-na. Esclareçam isso. Ponto final. Eu calo-me.

Agora basearem parte substancial de um parecer – em especial quanto à extensão das competências do Conselho Geral – numa ficção é que me parece esticar a corda para lá do razoável.

E é logo por aí que eu começo a discordar.

Por uma questão de princípios e coerência (minha e do CNE, salvaguardadas as diferenças entre aqui o davidezinho e o GOLIAS)

Porque proclamar fé absoluta nas Escrituras Sagradas e depois começar logo a torpedeá-las à primeira oportunidade parece-me a modos que não sei bem o quê.

(continua…)

Já que não se percebe como a tutela pensa envolver todos os interessados na discussão do novo modelo de gestão escolar, para além do espaço reservado no site do ME para quem quiser deixar o seu contributo, parece sentir-se a necessidade em muitos de nós de conhecer melhor o novo modelo proposto para a gestão das escolas públicas, assim como de debater a solução apresentada.

Se com os contributos que foram deixados para o Debate Nacional sobre a Educação foi o que se viu (tudo na gaveta), com todo o aparato formal que teve, já sabemos que neste caso a “consulta pública” não passará de uma formalidade com um sentido: o ME apresenta a sua proposta, os parceiros e o vulgo lêem-na e está tudo resolvido. Acertam-se umas vírgulas, emendam-se as incongruências mais disparatadas e o projecto faz-se lei com todas as suas insuficiências, equívocos e contradições com outros diplomas legais em vigor.

Pelo menos com o RAAG houve algum cuidado em, gostássemos ou não do projecto, tentar explicá-lo às pessoas, com sessões abertas ao público interessado e mesmo com debates sobre o tema. Podiam não ser as melhores iniciativas – assisti a uma perfeitamente caricata com um técnico superior do ME, apoiado num powerpoint, que não aceitava interrupções na sua exposição e escrutinava as questões a que não respondia – mas era alguma coisa.

Agora adivinha-se pouco mais do que nada: um destes dias alguém do ME reúne-se com os “parceiros” e dessa reunião sairão sindicatos zangados, Confap feliz e a ANMP a pedir mais dinheiro. Consta que o Conselho de Escolas emitirá um parecer, mas desconhecem-se os trâmites para a sua elaboração.

Por isso mesmo é necessário que algo mais se faça, em tão curto espaço de tempo. E nesse sentido a Isabel Guerreiro enviou-me no passado domingo o mail que passo a transcrever na íntegra (e a que já aludira em post anterior):

Olá Paulo

Não me conheces mas como tu sou professora e descobri há pouco tempo o teu blogue, onde me revejo (como muitos outros colegas aliás) nas tuas tomadas de posição perante o descalabro que tem sido a actuação deste governo no campo da educação.

Ao mesmo tempo constato, com desânimo, que muitas das vozes de protesto que se ouviam/liam se remeteram ao silêncio (de mim falo) ou andam por aí espalhadas pelos vários umbigos da blogosfera.

Esta notícia do Público (ver anexo) não é uma surpresa e faz antever a machadada final que se preconiza para a escola pública, republicana e laica.

Penso que, se não fizermos alguma coisa agora, será muito difícil reavê-la mais tarde.

Sabemos como é a nossa “classe” e os nossos “sindicatos” mas ninguém me convence de que esperarmos de braços cruzados é a única alternativa.

Por que não esquecermos as divergências pontuais de alguns professores e pedagogos mais lúcidos e activos da nossa (pobre) praça (estou a pensar em Santana Castilho, Mithá Ribeiro, Amélia Pais e outros tantos que certamente conhecemos) e nos reunimos para tomar uma posição firme e clara perante tudo isto?

O projecto de lei vai estar em debate público durante o mês de Janeiro, não há tempo a perder.

Um dos pontos de partida poderia ser um abaixo-assinado on line que permitisse também agregar o maior número de pessoas em torno desta questão central para a democracia, de modo que, mesmo o governo leve avante o seu projecto, se possa constituir um grupo mais ou menos organizado de resistentes.

A escola pública tem de ser uma questão transversal de cidadania acima de lógicas “politiqueiras” mesquinhas!

Uma vez que muitos colegas nossos frequentam o teu blogue, deixo-te este desafio: não queres tomar a iniciativa de promover um debate público aberto sobre esta questão (não faltarão espaços onde um evento desses possa ter lugar)?

Isabel Guerreiro
(professora de educação musical)

Como a ideia é boa, reencaminhei este mail para uma dúzia de colegas, autores de blogues e não só, no sentido de auscultar ideias e se procurarem propostas de acção concreta para as próximas semanas. O Fernando Martins divulgou a ideia no Geopedrados, o Miguel Pinto fez o mesmo, acrescentando a sua opinião no outrÒÓlhar, o José Matias Alves já vem abordando o assunto há alguns dias no Terrear, assim como já terão aparecido entretanto outras prosas em outros blogues, à medida que fui recebendo resposta aos mails e comentários aqui no Umbigo por parte de pessoas de que não tenho o contacto directo.

Neste momento, e para facilitar, eu sintetizaria algumas das opções em aberto, para serem concretizadas em rede ou isoladamente, a partir da ideia original. Nos próximos dias (até final da semana) irei tentar sistematizar prós e contras e avaliar da exequibilidade de cada uma.

  • Realização de um encontro de âmbito nacional sobre o tema, organizado a partir da blogosfera, mas com ancoragem em grupos locais/regionais de professores.
  • Realização de uma rede de encontros locais/regionais deste tipo, com um calendário adequado às possibilidades de cada grupo dinamizador, reunindo-se no final os diversos contributos.
  • Sensibilização dos órgãos de gestão das Escolas/Agrupamentos e Centros de Formação para a realização – em prazo útil – de iniciativas destinadas ao debate do tema.
  • Organização de um abaixo-assinado/petição online para que o debate em torno desta legislação seja mais alargado.
  • Produção de materiais sobre o tema para um suplemento especial do Correio da Educação a publicar na segunda/terceira semana de Janeiro, sob coordenação do J. Matias Alves.
  • Abordagem sistemática do diploma apresentado pelo ME, assim como do modelo de gestão da Escola Pública nos blogues.

Penso que, no essencial, são estas as ideias que até ao momento recolhem maior consenso, sendo evidente que quase todos os que se pronunciaram parecem concordar que, mesmo articulando esta iniciativa com organizações existentes, deveria ser algo que emanasse directamente dos professores e da sua vontade de participar na discussão do seu futuro, sem filtragens hierárquicas/organizativas, que possam desvirtuar a sua espontaneidade ou tornar mais fácil a sua catalogação por parte de quem gosta de ver o mundo apenas a preto/branco ou vermelho/verde.

Como iniciativa de Ano Novo a coisa é obviamente ambiciosa.

Pelo que me toca, e na medida das minhas possibilidades, a partir de amanhã penso começar uma série de textos sobre a proposta governamental de gestão escolar, da qual discordo em vários aspectos da sua fundamentação teórica, da sua dimensão prática e ainda da sua incongruência com diversa legislação existente,a começar pela LBSE. Esses textos serão sintetizados para uma crónica a inserir no Correio da Educação. Se estiver mesmo bem disposto colocarei os materiais produzidos aqui no blogue, incluindo este post, no espaço de propostas aberto pelo ME.

Na minha escola, onde tem sede um Centro de Formação, irei procurar saber o que se poderá realizar a nível local e, a partir daí, procurar perceber o que será possível alargar.

Claro que quem tiver essa possibilidade e principalmente os contactos certos, também deveria sensibilizar quem de direito nos órgãos de comunicação social de “referência”, escritos mas não só. Porque não conheço a agenda do Prós & Contras não sei se esta será uma temática a abordar proximamente.

Agora, é esperar de forma activa pelos próximos episódios.

Pois é, devo seu eu que sou mesmo chato e depois me agarro muito às coisas escritas, em especial quando são leis estruturantes da organização do Estado. Porque, podemos ou não concordar com tudo o que na Constituição, Códigos, Leis de Bases, etc, mas temos duas opções: ou as respeitamos ou lutamos por mudá-las.

Neste momento sinto um apego especial pela Lei de Bases do Sistema Educativo, quase provecta com pouco mais de 20 anos, mas ainda em vigor na sua versão consolidada.

Até há pouco tempo achava que a proposta – vaga – de novo modelo da gestão escolar feria gravemente o princípio da democraticidade do processo de eleição dos seus órgãos. Mantenho as minhas reservas de não jurista ou constitucionalista, mesmo se reconheço a habilidade da fórmula escolhida para tornear o problema.

Mas isto é como com os chicos-espertos. Escapam do buraco em frente dos olhos, mas esquecem-se de olhar um pouco mais adiante, para saber se com o salto artístico não irão cair em buraco maior.

É o caso.

Vejamos porquê: é certo que a LBSE postula no seu artigo 46º a participação «mediante adequados graus de participação dos professores, dos alunos, das famílias, das autarquias, de entidades representativas das actividades sociais, económicas e culturais e ainda de instituições de carácter científico».

Os «adequados graus de participação» são vagos mas a fórmula deu cobertura à forma de composição da Assembleia de Escola segundo o RAAG, assim como parece validar a solução encontrada para a composição do Conselho Geral.

Nada mais errado, penso eu de que.

Porque se combinarmos a sua composição com as competências previstas e o que Jorge Pedreira parece ter tido o cuidado de querer aclarar de maneira algo bizarra (um docente como presidente do Conselho Geral diminuiria a autoridade do professor que fosse Director Executivo, mas parece que isso não acontece se for um professor ocasionalmente vereador ou encarregado de educação) como sendo o modo de articulação entre Conselho Geral e o Director, acabamos com um evidente desrespeito pelo artigo 48º da LBSE onde se lê, com bastante clareza que:

A direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino.

Significa isto que os «órgãos próprios» de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de ensino são formados por representantes democraticamente eleitos de professores, alunos e pessoal não docente .

Se alguém detectar a presença de caciques locais, líderes confapianos ou sérios representantes dos pais, assim como construtores civis de sucesso, faça o favor de me comunicar.

O que lá está é a exigência da existência de órgãos consultivos ou serviços especializados. Esses até podem contar com a presença da associação de arrumadores do bairro, mas não deixam de ser «consultivos». O que contradita qualquer hipótese de fazerem escolhas vinculativas.

Por isso, em nenhum momento se admite que a direcção do estabelecimento de ensino possa ser escolhida por outras pessoas que não o pessoal docente, não docente e alunos (no caso do Secundário). Foi no interior destas balizas que a legislação de Marçal Grilo se moveu. A Assembleia de Escola inspeccionava e aprovava ou não os actos do Conselho Executivo, mas não o podia “seleccionar”, “nomear” ou “eleger”.

Ora o projecto de decreto-lei actualmente apresentado para «discussão pública» não se encontra dentro dessas balizas e coloca mesmo em posição de destaque na «selecção» ou «eleição» do Director Executivo intervenientes que a LBSE não prevê, mesmo que a tentemos ler num «sentido lato».

Ou seja, se o truque de chamar «eleição» ao resultado de um concurso público foi divertido, parece que alguém se esqueceu do detalhe de nessa «eleição» existirem protagonistas que de acordo com a LBSE não podem lá estar.

Portanto, e mais uma vez pedindo desculpa ao meu professor de Filosofia do 12º ano por não ter ido para Direito e por isso mesmo isto não passar oficialmente de patuá (aportuguesamento do patois gaulês) de leigo, quer-me parecer que este projecto de decreto-lei está condenado a levar chumbo de inconstitucionalidade, por desrespeito da LBSE.

Lamento, mas desta cadeira ou me sento agora, os isaltinos, albinos e zirgulinos deste país ainda não podem presidir ou fazer parte de um Conselho Geral que tenha as competências que neste projecto de decreto-lei estão previstas.

E não há que ter vergonha em assumir que esta é uma posição corporativa, que defende o papel e o valor dos professores na gestão das escolas, defendendo-os de elementos externos que, até ao momento, não têm revelado nenhum valor acrescentado à sociedade nas respectivas áreas de intervenção: o Poder Local está falido e envolto em escândalos de corrupção e a iniciativa privada está longe de ser um exemplo de virtudes. Quanto aos pais e encarregados de educação (como eu) desde que se representem a si e deixem de ser – ao nível da superestrutura – uma correia de transmissão subsidiada pelo ME, são por mim sempre bem vindos à Escola. Todos os Encarregados de Educação de alunos das direcções de turma que tive ao longo da carreira sabem disso, pois sempre trabalhámos em conjunto e nunca em oposição.

Neste momento e perante a situação concreta que vivemos este novo modelo de gestão das escolas é errado porque lá quer colocar quem, na generalidade dos casos, nunca lá quis estar. Basta olhar para casos concretos como o do concelho onde trabalho: sem Carta Educativa, com um Conselho Municipal eleito há um par de meses e ainda sem funcionar e um poder político que fez gala, quando do seu arranque, em não apoiar as AEC.

Sei que esta posição é politicamente incorrecta da Esquerda (que quer mais poder para os órgãos regionais e locais em nome da descentralização) à Direita (quer quer mais poder para a sociedade civil), passando pelo Centrão (que quer alijar as responsabilidades do Estado Central que domina há 30 anos pelo insucesso escolar).

Mas é a minha e parece-me que medianamente fundamentada.

Quem discordar (ou concordar) que atire o primeiro comentário.

Os cérebros da 5 de Outubro conseguiram enfiar uma eleição num processo de concurso público, de maneira a tentar tapar a brecha aberta em relação à LBSE.

Não é que a solução me convença, mas há que admitir que alguém deve ter passado umas horas a congeminar isto.

Claro que é uma solução meio encavalitada na fronteira da compatibilidade com a LBSE.

Os artigos 21º e 23º são uma pérola antológica sobre como tornear a letra e o espírito da LBSE. Já adivinhava isto que, aliás, seria praticamente a única forma de – formalmente – respeitar a incómoda «democraticidade do processo».

Eu de certa forma até concordo que, em termos nacionais, esta talvez fosse uma solução a adoptar: em vez de uma eleição tradicional, deveríamos abrir um concurso público para Primeiro-Ministro, ao qual pudessem concorrer políticos com um mínimo de experiência – um mandato como detentores de um cargo político executivo – mesmo de países envolventes ou mais distantes.

Conforme as candidaturas apresentadas, os currículos e os projectos, depois uma espécie de Conselho Corporativo Geral da Nação (note-se que no Conselho Geral das escolas só os elementos do corpo docente e dos funcionários estão sujeitos a eleição, sendo os outros nomeados, designados ou cooptados) reunir-se-ia e escolheria o melhor candidato.

Aposto que muito provavelmente não teríamos acabado com uma espécie de engenheiro.

Retirado do ponto 5 das resoluções do Conselho de Ministros de hoje:

Ao director será confiada a gestão administrativa, financeira e pedagógica, assumindo também, para o efeito, a presidência do Conselho Pedagógico, devendo o director ser recrutado de entre docentes do ensino público ou particular e cooperativo qualificados para o exercício das funções, seja pela formação ou pela experiência na administração e gestão escolar.

No sentido de reforçar a liderança da escola e de conferir maior eficácia, mas também mais responsabilidade ao director, é-lhe atribuído o poder de designar os responsáveis pelas estruturas de coordenação e supervisão pedagógica.

Isto tem alguns aspectos que roçam o surrealismo porque:

  • O tal Director vai acumular o cargo de Presidente do Conselho Pedagógico, órgão formado essencialmente por professores-titulares (há excepções estranhas, mas há…), mas ele próprio não necessita de ser titular. Ou seja, cai pela base toda a teoria que esteve na base da fundamentação do corte da carreira docente em duas, porque afinal o mais competente por de ser um qualquer, não-titular.
  • Esse mesmo Director pode escolher quem ocupa os cargos de coordenação e supervisão pedagógica, o que acaba de vez com qualquer veleidade de eleição interna, em caso de existir mais de um elemento titulado. Para além disso acaba por contrariar a própria regulamentação criada há pouco tempo para a ocupação desses cargos.

Mas o mais interessante nem é isso. O mais giro é mesmo a forma como se descreve o futuro Conselho Geral – metamorfose da actual Assembleia de Escola – e o modo como vai escolher o Director. Reparemos no que fica escrito por agora:

A este órgão colegial de direcção – designado Conselho Geral – caberá a aprovação das regras fundamentais de funcionamento da escola (regulamento interno), as decisões estratégicas e de planeamento (projecto educativo, plano de actividades) e o acompanhamento e fiscalização da sua concretização (relatório anual de actividades).

Além disso, confia-se a este órgão a capacidade de eleger o director que, em consequência, lhe terá de prestar contas.

Leram bem: eleger o Director.

Perante isto, acho que das duas, uma: ou a ideia do concurso público vai “cair” e a escolha do director será feita de entre os elementos do Conselho Geral, ou então a “eleição” terá uma modalidade muito esquisita.

Naquela polémica que me opunha ao Reitor (e que se estendeu por aqui, sem grandes mudanças de táctica ou posição) quanto à forma de ler a LBSE, julgo que – por agora – este tipo de discurso governamental procura tornear a afronta directa à democraticidade exigida ao processo de escolha da direcção, administração e gestão dos estabelecimentos de ensino.

Mas, verdade seja dita, a opacidade acerca deste modelo continua enquanto não aparecer o projecto de decreto-lei, que adivinho desde já peça antológica da nossa legislação na área da Educação.

No seu editorial de hoje, José Manuel Fernandes dedica-se a abordar a questão da gestão das escolas. Li de passagem o texto e não tenho cópia em papel do exemplar (alguém que tenha possibilidade de aceder ao texto completo, agradeço que me a envie), mas retive o essencial:

A ideia entrevista nas declarações de Sócrates, que JMF deve associar às soluções «liberais» e de “envolvimento das comunidades», parece ser acolhida com agrado, chegando-se mesmo a alvitrar que se deveria ir mais além na área da «gestão».

No entanto, detectam-se fissuras nas posições dos defensores teóricos desta solução – que ainda não conhecemos – assim como JMF percebe que a LBSE em vigor esteve na base do veto aplicado por Sampaio (com palmas entusiasmadas do PS) ao projecto de revisão da Lei de Bases que David Justino apresentara e que contemplava soluções próximas destas.

Paternal, JMF recomenda que os actores políticos se entendam a este respeito e colmatem as brechas nas suas posições e linhas de argumentos.

Eu cá, acho que não estão em condições de o fazer. Mas cá estaremos para saber…

Entretanto, sobre o mesmo assunto, João Miranda escreve umas coisas no Diário de Notícias, sem grande conhecimento dos factos e caracterizando a traço muito grosso, para ridicularizar, a situação existente. A falta de capacidade analítica é tal, a carência de conhecimentos é de tal dimensão qu, aplicando a lógica dele, os accionistas da empresa detentora do DN deveriam pedir de volta o dinheiro que foi pago a JM por esta crónica.

O Reitor treplica aqui, insistindo em interpretar a Lei de Bases do Sistema Educativo mais do que em lê-la, assim como o comentador Mário parece concordar com o facto da LBSE dar cobertura ao que parece ser um “novo” modelo de gestão escolar a propor pelo Governo/ME.

Ora muito bem: sinceramente acho que ambos fazem exercícios em wishfull thinking. Vou repetir-me, mas não há remédio: a LBSE é o que é e está lá o que está lá, não o que gostaríamos que estivesse. La Palisse não descreveria melhor a situação.

Podemos ter a tentação de ler nas entrelinhas e ignorar a letra da lei, podemos apelas à teoria das organizações para aclarar conceitos de forma retrospectiva, no desejo de sondar a alma do legislador de há duas décadas, incutindo-lhe uma visão que achamos que deveria ser a dele.

Mas não é isso que lá está.

No caso do Mário é mesmo introduzida uma noção muito portuguesa nestas matérias que é a da necessidade de entender certas passagens da lei «em sentido lato», de forma a lá caber o que não está lá. A LBSE afirma que a administração E gestão E direcção dos estabelecimentos devem obedecer a critérios de democraticidade, mas devemos entender isso em «sentido lato».

Caro Mário, não me leve a mal, mas isso diverte-me. Hoje, até me diverte. Mas há dias e situações em que a coisa me chateia e me serve de sinónimo para a balda institucionalizada em que isto se tornou.

Entre nós há uma enorme tendência para fazer leis mal escritas e concebidas – ao contrário do mito urbano piedoso que afirma o contrário, que temos leis muito boas – que depois são interpretadas ao gosto do cliente. Em última instância são cumpridas, ou não, ao gosto do leitor-hermeneuta.

Todos os dias arrisco a minha vida na estrada em confronto com imensos cidadãos que interpretam no »sentido lato» as leis ou normas do Código da Estrada, em particular as da prioridade. A 100 metros da minha casa existe uma bifurcação em que, por norma, quem deveria ceder a prioridade (está lá o sinalzinho) interpreta de forma flexível e muito lata a questão e quase me passa a ferro. Eu que tenho direito a passar é que vou travando, fazendo sinais de luzes à noite e tal, para ver se não sou esborrachado. É uma caricatura, eu sei, mas a realidade é a mesma para outros níveis da nossa vida.

Há quatro anos, uma vice-presidente de um CE apelava a uma leitura «flexível» da legislação para reduzir as horas que a minha caríssima metade tinha para aleitamento da petiza, enquanto flexibilizava imenso outros horários, sem qualquer cobertura legal. Flexible, your ass, foi mais ou menos a minha resposta quando tive direito a meter a colherada. Parece que a colega teve pesadelos no dia a seguir à conversa, mas passou a ler a lei e não a flexibilizá-la em detrimento da sua colega-cidadã.

E isso chateia-me, claro que me chateia, e ainda mais quando elevamos a fasquia para leis estruturantes do Estado de Direito.

Vejamos: se a LBSE está obsoleta, mude-se. No tempo de David Justino, Jorge Sampaio vetou uma tentativa de a modernizar. Evocar os argumentos com que o fez e os apoios que teve nessa decisão seria algo que faria corar alguns actuais responsáveis do PS. Mas enquanto a LBSE for o que é, não tentemos meter lá o que ela não diz, seja em termos de conceitos, seja em termos de redefinição do que é democraticidade.

E a LBSE não é a Constituição Americana com mais de 200 anos e sete artigos com necessidade de serem interpretados à luz do século XXI.

Por isso vamos lá deixar a questão do «sentido lato» e fiquemo-nos pelo que está escrito efectivamente e de forma clara:

Artigo 46º, nº 1:

A administração e gestão do sistema educativo devem assegurar o pleno respeito pelas regras de democraticidade e de participação que visem a consecução de objectivos pedagógicos e educativos, nomeadamente no domínio da formação social e cívica.

Artigo 48º, nºs 2 a 4:

2- Em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo, tendo em atenção as características específicas de cada nível de educação e ensino.

3 – Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa.

4 – A direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino.

Está cá a exigência da democraticidade e participação de todos na administração E gestão E direcção. Em nenhum lado temos concursos públicos e escolhas indirectas.

Poderíamos gostar que estivessem por ali formas dúbias. Mas por acaso até nem estão. E enquanto não mudarem a letra da lei, não há torcicolo interpretativo que lá meta o que não está.

Mas desde que já foram avistados simpáticos suínos a fazer ciclo-turismo, já acredito em tudo…

Cumprindo o prometido, aqui vou tentar rebater os erros que o Reitor considera existirem na minha leitura da Lei de Bases do Sistema Educativo. São eles três que passo a sumariar usando as palavras do autor para não falhar ou incorrer involuntariamente em simplificação abusiva

Primeiro tiro ao lado: são, precisamente, os números 2 e 4 do artº 48º da LBSE, que o Paulo sublinha para exemplificar essa desconformidade legal, que permitem um modelo de administração e gestão escolar como Sócrates anunciou no Parlamento. Vejamos: por um lado, não se deve confundir direcção das escolas com gestão das escolas. O Director Executivo de Sócrates é o gestor da escola; o dito cujo Conselho Geral de Sócrates é a “direcção” da escola que, presumo eu, será constituída, na maioria dos casos, por eleição de representantes: caso dos pais, alunos, profs e funcionários. Portanto o modelo socretino assegura que a “direcção” da escola seja democraticamente eleita.

O segundo tiro na água e que, aliás, perpassa nas suas opiniões do Paulo sobre gestão das escolas, tem a ver com a ideia de que quanto mas personalizada e individualizada a gestão das escolas, maiores as tendências “autoritárias” dos gestores e a tendência para se manterem agarrados à cadeira. Claro que a gestão das escolas é, também, uma questão de poder. Mas a eternização e o autoritarismo não têm nada a ver com eleições, órgãos colegiais/unipessoais e outros “esquerdismos” démodés. Aliás, em que países do mundo a gestão das escolas é parecida com a nossa? Nos países europeus, até na Europa de Leste e noutros países desenvolvidos do mundo, a gestão é entregue a um responsável de carreira (Reitor vai bem. Proviseur, pior), que é responsabilizado perante quem tem poder sobre a escola (o dono): o empresário privado, a cooperativa, a comuna/cantão, ou o Estado ou outros. É nomeado e é demitido tal como o responsável por uma empresa/organização qualquer.

O terceiro tiro (estava mesmo com azar) deve-se ao facto de ter acreditado que, da Madeira, vinha bom vento… Mas não vem. O sr. Secretário Regional da Educação e Cultura enganou-se, não disse tudo. O diploma de gestão escolar que Alberto João queria impôr nas ilhas foi considerado ilegal porque contrariava flagrantemente o RAAG (Dec. Lei nº 115-A/98) que regula a gestão escolar e que Sócrates quer alterar e não pela LBSE.

Ora bem. Indo pela mesma ordem:

1.

O Reitor engana-se – mesmo não existindo ainda qualquer diploma sobre a mesa – porque assume que o Director é o Gestor da Escola e o futuro Conselho Geral é a Direcção. Não propriamente. No modelo actual temos um Conselho Executivo (que é uma espécie de Governo), uma Assembleia de Escola (que é uma espécie de Parlamento muito diminuído em termos de competências, cruzado com Câmara Corporativa) e o Conselho Pedagógico (órgão sem um paralelo no sistema político). Na transformação para um novo modelo em que a Assembleia se transforma num Conselho Geral que representa os grupos interessados da comunidade educativa, estamos ainda sem saber como serão escolhidos os seus membros e nada nos leva a acreditar que sejam todos por eleição. Quanto ao Director afirma-se que será por concurso público, com base em candidaturas e currículos profissionais. Não me parece que aqui tenhamos, em qualquer momento, um processo que garanta a democraticidade exigida – bem ou mal não vem ao caso – pela LBSE. E também não parece que aqui tenhamos um modelo paralelo ao da Direcção ou Administração de uma empresa. Porque o BCP, a Edimpresa, a Sonae não escolhem os seus Presidentes/Directores Executivos por concurso (público ou outro).

Mas mais importante, o Reitor parece não ter lido o seguinte (artigo 46º, nº 1 da versão consolidada):

A administração e gestão do sistema educativo devem assegurar o pleno respeito pelas regras de democraticidade e de participação que visem a consecução de objectivos pedagógicos e educativos, nomeadamente no domínio da formação social e cívica.

Pois é. A Administração E gestão. Não é só uma delas. Mas no artigo 48º tudo isto ainda fica mais explícito:

2 – Em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a administração E gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo, tendo em atenção as características específicas de cada nível de educação e ensino.

3 – Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa.

4 – A direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino.

Portanto, amigo Reitor, por mais voltas que tentemos dar ao texto, o que está escrito na LBSE é claro. Mesmo a questão da integração da comunidade educativa deve ser entendida mais no plano dos órgãos consultivos cuja existência se preconiza e não propriamente no âmbito dos órgãos de administração.

2.

Neste ponto entramos no domínio da opinião, mais do que nos factos. Diz-me que o autoritarismo não depende do modelo adoptado. Talvez não. Mas eu acho que, provavelmente, até dependerá. Um órgão unipessoal com quase plenos poderes tende a uma concentração exagerada dos poderes. É uma espécie de presidencialismo à americana, mas quase sem travões. A diferença estará no tipo de prestação de contas por parte dos órgãos dirigentes. Não quero neste momento saber qual é o modelo dominante no resto da Europa, incluindo a de Leste. Possivelmente cada nação, ou conjunto de nações, tem o seu trajecto próprio em matéria de sistema educativo. O que me interessa é que não julgo que a adopção de um modelo do tipo director iluminado omnipotente seja a solução ideal para o nosso caso. Tanto pela fórmula, como pelo método de selecção que permanece desconhecido. E se os candidatos forem todos maus? Escolhe-se o mal menor? E quem faz a escolha? Que competência para essa função demonstrou?

Repito: cada sistema educativo tem a sua história, o seu trajecto. O nosso é um enxerto de reformas sobre reformas, mesmo em período de ditadura (os anos 30 passaram em boa parte em sobressalto, nos anos 50 houve mudanças importantes, na sequência de uma maior abertura a influências externas como a OCDE e nos anos 60 novamente, ainda antes da projectada reforma de Veiga Simão). A necessidade de estabilidade que as escolas têm não é interna, é antes exógena e relaciona-se com a montanha russa do reformismo permanente e, para ficar com coisas eslavas, a roleta russa da legislação, que normalmente traz o carregador cheio de balas que nem são, nem deixam de ser. Não matam de vez o sistema, nem o salvam. Vão apenas moendo quem por lá passa e em especial quem lá fica mais tempo (os professores).

Mas como lhe digo, Reitor, este ponto não é de doutrina objectiva, é de mero exercício de opinião.

3.

Agora o caso específico ocorrido com a Madeira. Fui fazer uma pesquisa curtinha e eis o que encontrei:

É a segunda vez que o poder madeirense legisla sobre a matéria e também é a segunda vez que o Tribunal Constitucional (TC) reprova o modelo de gestão das escolas. Depois do decreto legislativo 4/2000/M foi a vez, agora, do diploma aprovado em 22 de Março do corrente pelo parlamento madeirense.

O representante da República entendeu que o nova lei regional chocava com os «princípios de democraticidade e participação» consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE).

Como esta Lei vale para todo o país e não pode ser violada, o TC determina que as direcções das escolas sejam designadas através de eleição, por este método estar de acordo com os princípios nucleares na respectiva Lei de Bases.

Ora eu estranho muito que o Reitor tenha falhado nisto e tenha desviado a razão do chumbo para a não conformidade com o RAAG. Achei desde logo estranho porque isso seria comparável a chumbar os Estatutos da Carreira Docente das Regiões Autónomas da Madeira e Açores por não estarem conformes aos ECD “continental”.

Porque existe uma margem de autonomia regional na legislação nestes assuntos e porque existe uma hierarquia entre os diplomas legais. A Constituição ou uma Lei de Bases é válida para o todo nacional. Outras leis podem ser adaptadas com base no regime de autonomia das Assembleias Legislativas Regionais.

Portanto, amigo Reitor, julgo ter deixado agora devidamente fundamentadas e mais esclarecidas as minhas anteriores afirmações quanto à incompatibilidade do “novo” modelo abstracto de gestão escolar anunciado pelo PM no Parlamento e a Lei de Bases do Sistema Educativo e, por tabela, desmontado a sua argumentação que, essa sim, parece estar neste momento um tanto ou quanto abalroada. Para manter as metáforas corsárias.

Mas fico à espera da tréplica.

O Reitor do Educação S.A. acha que eu estou enganado, baralhado mesmo, na forma como leio o artigo 48º da Lei de Bases do Sistema Educativo na sua relação com o que parece ser o novo modelo de gestão escolar que o Governo pretende implementar.

Como seria de esperar – e não é por teimosia – eu acho que a minha leitura da LBSE é menos interpretativa do que a dele, restringindo-me à letra da lei e aos conceitos explícitos que contém.

Ele aponta-me três erros crassos, ou tiros na água. A eles responderei mais logo, porque hoje o dia na escola já não foi de 10 horas como ontem.

De qualquer modo fica desde já a referência a uma visão alternativa sobre este assunto que, exactamente por ser discordante da minha, tenho interesse em discutir, de modo a explicitar de forma mais clara como acho que a LBSE tem sido e vai ser desrespeitada.

Sobre o caso da Madeira, só me posso pronunciar com mais elementos, nomeadamente a fundamentação do chumbo no TC.