Quando se poderia pensar, pelo clima desfavorável que se vai acumulando em alguma opinião publicada acerca do ME e da sua equipa, que afinal a máquina de propaganda do ME estaria a fraquejar, eis que surge a prova de que o plano inicial, ou a parte mais significativa dele, continua a funcionar em pleno.
Com as Escolas em balanço, submersas pelas necessidades da avaliação interna dos resultados dos exames, com o emaranhado processual do concurso para titulares e a necessidade de perceber como vão ser os horários para o próximo ano, enquanto não vamos todos, quais lémures, sincronizadamente para férias em Agosto, eis que são lançados para a mesa os projectos de diplomas destinados a regulamentar os aspectos que tinham ficado soltos no ECD.
Repare-se na excelência do calendário colocado em prática: aprovação do novo ECD em meados de Janeiro de 2007, já com o ano lectivo a decorrer, introduzindo-se novas regras a meio do dito em matérias como a assiduidade, ficando o prazo de 180 dias para a regulamentação para meados de Julho, acabando por quase se esgotar esse tempo na tarefa de produzir umas meras 30 pp. de legislação. Entretanto, o concurso para professores titulares é lançado em cima do período das provas de aferição e exames, baralhando todo o funcionamento administrativo dos estabelecimentos de ensino numa época do ano especialmente sensível.
Preocupação com os efeitos disruptivos de tudo isto no quotidiano das escolas, prejudicando o desempenho de alunos e professores? Nenhuma!
Obediência a uma calendarização que visa reduzir a capacidade de infoirmação atempada e consequente reflexão ponderada dos interessados em todos estes processos? Toda!
Ainda poderíamos pensar com grande dose de ingenuidade que esta equipa ministerial iria alargar um pouco o laço em torno do pescoço dos docentes, mas nada disso. Perante a incapacidade do Governo se impor em outras áreas da governação, em matéria de disciplina orçamental e controle dos gastos, fica sempre a Educação para malhar mais forte.
Com que ficamos, graças aos novos diplomas em pseudo período de “discussão” com os sindicatos?
- Com um regime de ingresso na profissão draconiano (ingresso.pdf), que torna a docência a profissão com maior nível de exigência à entrada (indispensável um mestrado, mesmo se de mestrado só terá o nome bolonhês), e a necessidade de uma classificação de 14 ou mais valores para se ser aprovado num exame que irá incidir não se percebe exactamente no quê e logo a cargo da coordenação do GAVE e dos seus “especialistas”. Com toda a sinceridade, seria mais honesto determinar um numerus clausus anual de acesso à profissão e seriar os candidatos pelas respectivas médias dos cursos que, sempre no plano teórico, lhes conferem uma habilitação profissional. Não tenho nada contra o facto de a minha profissão requerer níveis de excelência inauditos e incomparáveis a outras profissões. pelo contrário. Só lamento que, depois, na nossa prática, sejamos obrigados a aplicar regras inversas aos nossos alunos e que na vida política este tipo de exigência não exista. Em especial a parte do mérito, do rigor e da transparência. Embora a transparência esteja muito longe do que se determina no artigo 20º da proposta de decreto, em que se abre a porta à entrada directa na carreira de qualquer um que tenha beneficiado da celebração daqueles «contratos administrativos» que escapam ao crivo de qualquer prova académica ou pública de mérito.
- Com um sistema de avaliação do desempenho na carreira perfeitamente kafkiano (avaliadesemp.pdf), brutalmente burocrático, como se os docentes estivessem sob desconfiança permanente. Para além de que irá ser um sistema potencialmente perverso, pois faz depender grande parte da avaliação dos resultados obtidos pelos alunos. Isto poderá ter consequências altamente nefastas, não só com base numa tendência para a inflação da avaliação das classificações internas, em especial em disciplinas não submetidas regularmente a uma avaliação externa, como também numa eventual recusa por parte de muitos docentes em trabalhar com turmas manifestamente difíceis e problemáticas em matéria de desempenho escolar, com o justo receio de assim verem prejudicada a sua avaliação.
- Com um novo regime de acesso à categoria de professor titular (ler de novo com atenção titularnovo.pdf) que reúne o que de pior ficou atrás exposto nos dois pontos acima, quer pelo carácter pesadíssimo do sistema de avaliação, quer pelas exigências formais aos candidatos, quer ainda pela tal exigência dos 14 valores para a aprovação e da apresentação de um trabalho escrito que, pela dimensão e âmbito, equivalerá a uma tese de mestrado. O que é um manifesto gozo com os docentes que, estando em exercício, terão mais que fazer do que andar a cumprir as directrizes de alguém claramente a sair dos limites do razoável e a caminho do delírio sadístico.
E assim nos encontramos entregues a uma equipa ministerial, devidamente assessorada por grupos de trabalho de bastidores, que passou a estar claramente contra os docentes, impondo-lhes um conjunto de exigências que, longe de promoverem o mérito, se revelarão paralisantes da melhoria das práticas pedagógicas, para todos os que tentarem cumprirem rigorosamente o que é pedido.
Para além de que a calendarização de todas estas propostas, juntando ao seu conteúdo, traduzem apenas o desejo de amesquinhamento de toda uma classe profissional cujo maior pecado parece ser resistir – e nem sequer muito nos dias que correm – aos atropelos de uma equipa ministerial que considera normal produzir despachos inconstitucionais ou sucessivamente desautorizados nos Tribunais.
Julho 13, 2007 at 4:17 pm
“Com um regime de ingresso na profissão draconiano (ingresso.pdf), que torna a docência a profissão com maior nível de exigência à entrada”
Será mesmo? consulte isto:
http://www.cej.pt/
Click to access Lista_Gradua_XXVICurso.pdf
Tem noção da bateria de testes que são necessários para ser juiz ou procurador?
E já agora contratar professores com base na nota de licenciatura?
Não se pode meter no mesmo saco os professores formados nas Independentes, Lusófonas, Piaget´s e os formados nas Nova de Lisboa , Técnica de Lisboa, Universidade do Minho, etc…
Imagine que o acesso ao CEJ tb seguia esse método que propõe, o que seria dos alunos de direito formados nas universidades clássicas?
Quanto ao artigo 20, péssimo artigo, foi colocado após as negociações com os sindicatos.
Julho 13, 2007 at 5:55 pm
Eu acho que para se ser juiz qualquer bateria de exames será escassa.
Assim como para médico.
Agora a questão séria: se existem cursos manifestamente maus, não há uma qualquer Inspecção que possa detectar isso?
Ou só quando começam a vender 150% das acções das cooperativas é que dão nas vistas?
Mas vamos ser claros: este regime de ingresso vai aplicar-se ao novo modelo de formação de professores, aquele que já foi desenhado por este Governo, por este ME do lado do perfil desejado, e do lado do Ministério do Gago com o novo regime jurídico do Ensino Superior.
Dizem que é um sistema lindo de morrer, com licenciatura e mestrado incorporado e tudo, um curso exactamente para professores e nada mais.
Já no caso do Direito, o curso não é especificamente para juízes. Para além de que a partir de agora estes também já poderão passar a ser recrutados em outras áreas de formação, desde que façam a tal bateria de testes.
Julho 13, 2007 at 6:32 pm
Já agora, se um dos factores importantes da avaliação do desempenho dos professores são as classificações dadas aos alunos, comparadas com a média das da escola na mesma disciplina e com a relação entre estas e as de exames nacionais, mais uma vez tal não é absurdo? Os exames no básico são só a Português e Matemática e os do secundário não o são a todas as disciplinas. Já para não falar nos alunos dos cursos profissionais, que não terão de realizar estes exames, excepto se quiserem continuar os estudos. Será que estou com uma “branca” e a ver mal o problema?
Julho 13, 2007 at 6:48 pm
Não.
O sistema é que tem diversas “brancas”.
Que se irão notar ao aplicar.
E quando for necessário adaptá-lo à realidade terrena.
Julho 13, 2007 at 8:43 pm
A “máquina” continua realmente a funcionar. E continuará enquanto não a conseguirmos fazer parar. A máquina como sabe que os sindicatos – e a Fenprof em particular no nosso caso – são uma resistência à sua trituração fez e está fazendo tudo para os asfixiar. E os professores assistem neste momento plácidamente. Estou a falar nos professores em geral, não em todos como é evidente.
O Paulo vem fazendo e fez, neste post, muito bem, a denúncia argumentada das passadas e recentes malfeitorias deste ministério. Só que quem pode fazer parar o ministério é, de facto, são quem trabalha nas escolas. E duma forma organizada. Temos de encontrar mobilização para isso, fazermos individualmente o que podemos, mas o que poderá inverter este estado de coisas é uma resistência colectiva organizada. disso não tenho a mínima dúvida.
Julho 13, 2007 at 9:03 pm
Henrique,
Lamento mas a acção sindical na minha escola desde a proposta de greve geral é absolutamente nula.
Seja presencial ou documentalmente.
Nada.
Zero.
E é uma Escola bem receptiva à contestação, numa zona igualmente contestatária por tradição.
Se não fossemos 3 ou 4 “marretas” a divulgar o que se passa, o conhecimento seria nulo.
Sobre as novas propostas de decretos e portarias há uma vaguíssima ideia.
Alguns receberam os meus mails e abriram mas não leram.
outros esperaram para que eu explicasse.
Outros vão baixando os braços.
Outros, mesmo se poucos, criticam que os não baixa e preocupam-se mais em dificultar a vida a quem quer facilitar a dele(a)s.
Julho 13, 2007 at 9:15 pm
hummm… interessante, só te falta formalizar o acto… de activista, Paulo. É que isto de ser sindicalista está no sangue! ;))
Julho 13, 2007 at 10:23 pm
De activista já tenho os actos.
Dou-me mal é em organizações.
Se nem sequer consigo ser sócio do Sporting…
Julho 13, 2007 at 11:22 pm
E quem ficar agora titular (que pode aliás ser o meu caso), vai ter problemas se não aceitar ser a tropa de choque de tudo isto e mais o que há-de vir. Mais e penosas tarefas pelo mesmo salário. Mas vai o mesmo ambiente por toda a administração pública. Alguns amigos meus destacados em vários serviços, que nem quiseram concorrer a titulares, vêem-se agora obrigados a assumir postos de chefia se quiserem permanecer destacados.
Julho 13, 2007 at 11:25 pm
Tanta lateralização do e no jogo, isto em gíria futebolística…
Bem, vamos mas é ao que interessa.
1) As sacanices estão identificadas
2) Os sacanas são conhecidos
3) Os sacaneados vão-se deixar?!
Comecemos pela blogosfera relacionada com a educação. Não poderá ela ser uma das pontes para como disse o Henrique: “Só que quem pode fazer parar o ministério é, de facto, são quem trabalha nas escolas. E duma forma organizada. Temos de encontrar mobilização para isso, fazermos individualmente o que podemos, mas o que poderá inverter este estado de coisas é uma resistência colectiva organizada. Disso não tenho a mínima dúvida.”
Proponho que comecemos a organizar-nos a partir da mobilização de todos os blogers e seus posters. Que dizem?
Exemplos:
Imprimir e afixar nas escolas as denúncias por cá feitas
Enviar as mesmas para as nossas mailing lists…
Julho 14, 2007 at 8:51 am
Daqui a uns anos não há quem queira ser professor, com tanta perseguição, tanta exigência estúpida que em nada melhora a qualidade do trabalho desenvolvido.
Julho 14, 2007 at 11:05 am
Uma correcção de informação – não é o GAVE a coordenar, é o GAE (gabinete de avaliação educacional), organismo novo que organizou aquele encontro sobre avaliação de professores que o Paulo referiu lá para trás no tempo.
São tantas as siglas que ficamos todos com síndroma negrão. Está o homem desculpado.
Julho 14, 2007 at 11:16 am
Paulo Guinote:
Tens de convir que:
1 – Ser titular;
2 – Sócio do Sporting;
3 – Activista Sindical!
É uma mistura EXPLOSIVA!!!!!
Julho 14, 2007 at 12:11 pm
Setôra,
esta confundida, o organismo que organizou o tal encontro é o conselho científico para a avaliação dos professores, presidido pela ex-inpectora geral da educação, Conceição Castro Ramos.
O que diz no decreto das prova de ingresso é que a sua elaboração compete ao GAVE.
Quanto ao não termos professores isso não será problema com a quantidade de licenciados de sempregados que andam por aí, nos hiper´s, nos Call Center´s…quando não houver professores de geografia licenciados na área, vão aos licenciados em Relações Internacionais, quando não houver licenciados em matemática voltam a recorrer aos engenheiros, economistas, etc…
Foi sempre assim.
Julho 14, 2007 at 12:19 pm
Terá razão. E então isso é o CCAP?
Valha-me o santo Negrão!
Julho 14, 2007 at 12:21 pm
E esse CCAP entra onde nestas histórias?
Julho 14, 2007 at 1:43 pm
Agora já me deixaram baralhado com as siglas.
😉
Pois é Trindade, a mistura é tão explosiva, que há quem já sinta estilhaços ainda antes da explosão.
Quanto ao espera os titulares, volto a dizer que não é, nem de perto nem de longe, uma função gratificante para quem queira manter-se fiel a princípios de justiça, equidade, para além de são de corpo e espírito.
Sei que haverá quem desejou isto como o ar que respira, para exercer o seu poderzinho e ter categoria distinta dos outros.
Não é o meu caso.
Se acabar por entrar no “sistema” é porque acho que ele precisa mesmo de ter uma perestoika desde o começo.
Julho 14, 2007 at 8:11 pm
É verdade,muitos com o pé na reforma e concorreram…
Julho 14, 2007 at 11:22 pm
Publiquei este post, com referência ao Blog e autor, no Geopedrados, GeoLeiria, Ciências Correia Mateus e AstroLeiria.
Continue, que isto está muito negro…
Julho 15, 2007 at 9:27 am
Obrigado e vou continuando.