Foi perdida em diversas fases, mas desde logo a partir da discussão do diploma que veio a ser o DL 75/2008. Quando a esmagadora maioria dos actores concordou no torpedeamento implícito da LBSE em aspectos como a constituição do Conselho Geral.

Uns por razões ideológicas (todos os que abominavam o conceito e a prática que ainda restava da gestão democrática das escolas), outros por questões de real politik (não se queriam envolver demasiado numa outra frente de conflito com o ME, que sabiam colher escasso apoio junto das instituições), da Presidência da República aos sindicatos, quase toda a gente assobiou para o lado perante a inconstitucionalidade evidente do documento e, com mais ou menos garganteio, acomodou-se ao modelo de gestão unipessoal, com um Conselho Geral pretensamente representativo da sociedade civil ou da comunidade educativa.

Tretas, como bem se sabe. O que estava em causa era a criação de um modelo único de gestão que, em termos de propaganda, seria bom para uma maior autonomia e responsabilização da gestão mas que, na prática, apenas definia com clareza uma cadeia hierárquica de comando entre a tutela e os professorzecos, algo que muitos pequenos potentados locais consideraram ser uma forma de reforçarem o seu poder, sem repararem que, por seu lado, ficavam com o flanco todo à mostra.

Nada que não se tivesse dito e escrito durante meses e meses de 2008.

Como disse, de uma ponta a outra do espectro, receberam-se sinais implícitos e explícitos que essa era uma guerra em que se ficaria praticamente só.

Como aconteceu.

As consequências foram naturais: os Conselhos Gerais Transitórios formaram-se, quantas vezes como emanações dos poderes que já estavam consolidados nas escolas, escolheram alguém que assumiu plenos poderes e a partir daí o 75/2008 passou a ser lei quase absoluta.

Poucos Conselhos Gerais assumiram o seu papel de efectivo órgão fiscalizador do trabalho da Direcção, muitas vezes porque a sua liderança estava conivente com a solução directiva. Os Conselhos Pedagógicos tornaram-se uma assembleia interna com poderes pouco mais do que fáticos e quase sempre com o controlo total do Presidente que é o Director, ao contrário do que se recomendava no modelo anterior, que postulava uma muito maior desconcentração dos poderes. Aliás, a nomeação, e não eleição, dos Coordenadores de Departamento dificilmente poderia conduzir a outra coisa que não a subserviência dos nomeados em relação ao nomeador. Quando se ousou deixar nos Regulamentos Internos uma norma destinada a exigir a consulta dos professores antes da escolha de um Coordenador ou representante de disciplina, a coisa caiu da árvore ainda verde, não sendo usada.

Os Directores (vou usar aqui uma designação generalista, embora saiba de muitos casos de excepcional excepção) acomodaram-se, na sua grande maioria à situação criada. Para além do Conselho de Escolas, surgiram duas associações de dirigentes escolares. Não se percebendo bem para quê, pois sempre se caracterizaram por uma prudência extrema nos actos.

Os directores abdicaram de ser líderes de comunidades educativas para, em muitos casos (há sempre excepções de enorme dignidade), se calarem quando deveriam falar, receando perder os lugares, e optando por ser enviados do MEC nas escolas, em especial junto dos que há muito tempo tinham sido seus colegas. Esqueceram-se do que é uma sala de aula, do que é atravessar um pátio ou um corredor no horário de entrada, do que faz a essência de ser professor. Iludiram-se com o ser director. Muitos gostaram de avaliar, outros de mandar avaliar e avaliar quem avaliava. E acreditaram na conversa de serem líderes de uma comunidade educativa, quantas vezes encarando isso como contrário a dialogar com os professores. Preferiam o diálogo com a tutela, como de forma cândida confessa hoje Adalmiro da Fonseca ao Correio da Manhã. Deslumbraram-se com as runiões, salivando com as chamadas a Lisboa.

Os problemas só começaram a sério no paraíso directivo quando se percebeu que a tutela se estava a marimbar (é um termo que perdeu o desuso) para os directores quando decidia mega-agrupar, atropelando mandatos, projectos educativos, cartas educativas, conselhos municipais de educação, autonomias e tudo o mais.

Ou seja, a tutela fez aos directores o que muitos fizeram aos professores. Mandou e esperou que obedecessem. Depois começaram os cortes de privilégios. E seguiram-se as ordens sem horário ou calendário seguro.

E o peso do modelo hierárquico e autoritário fez-se notar muito.

E agora já será uma minoria de directores que goza de prestígio e admiração entre os corpos docentes que antes os elegiam.

Já será uma minoria que conseguiria congregar em seu redor um corpo docente em defesa de posições comuns, perante os atropelos sucessivos na reorganização da rede escolar ou os disparates em matéria de avaliação do desempenho.

A aceitação prática do 75/2008 sem uma acção concertada de boicote ao modelo de gestão, a quebra de laços de solidariedade dentro das escolas, fomentada pela prática das nomeações de tipo absolutista, mas também a apatia generalizada de muita gente, incapaz de se erguer, pensando mais no horariozinho do ano seguinte, no clubezinho a ser aprovado para não dar substituições, na sacanicezinha e delaçãozinha abjecta contra os colegas para ganhar pontos na ADD, fizeram das escolas algo muito pior do que era, com apenas um vencedor: o poder político que queria domesticar salarial e profissionalmente os professores. E os directores (com excepções, ressalvo pela terceira vez) aceitaram fazer parte desse esforço, em tempos de Maria de Lurdes Rodrigues, como se depreende da entrevista referida anteriormente e que está transcrita no post abaixo.

Agora dizem que se vão embora… mas embora para onde? Para as salas de aula? D-u-v-i-d-o! Para a aposentação, ainda acredito, agora voltarem a ser professores na verdadeira acepção do conceito e da função?

A verdade é que a guerra em defesa do funcionamento democrático das escolas, de um modelo de partilha das decisões, mesmo se com rostos responsáveis por cada desempenho, foi perdida porque foi travada por muito menos gente do que a da avaliação. E essa, como sabemos, foi sendo perdida, apesar de um quase unanimismo vocal de um dos lados.

Fomos poucos a travar ambas mas, mesmo tendo perdido ambas de forma bem clara, fica-se sempre com a consciência limpa de não ter jogado do lado do oportunismo.