O QUE PODEMOS FAZER? UMA SUGESTÃO APOCALÍPTICA.
Desde o inicio manifestei pública e ‘militantemente’ a minha absoluta discordância relativamente ao modelo de ADD que nos foi imposto.
Pesem as ínfimas alterações nele realizadas, não posso, em consciência e coerentemente, abster-me de reiterar a minha oposição à ideologia que subjaz a este modelo e aos processos que o enformam, bem como a todos os procedimentos laterais de ‘racionalização de recursos’ (em bom gestorês) que, infelizmente, são bem conhecidos de todos nós, educadores (pessoalmente, recuso quer a palavra docente, quer o termo, actualíssimo, de ‘recurso humano’ em ‘unidade orgânica’ ou, quem sabe, beta ou…), mas não só.
Aqui, partirei de dois pressupostos que tentarei expor de uma forma muito breve. O primeiro, o de que o gestorês é um dispositivo, ou seja que o seu despontar por motivos políticos, económicos, filosóficos e sociais, tem uma função estratégica dominante e insere-se numa ideologia muito mais abrangente, aquela precisamente que levou à actual crise. O segundo, o de que a resposta à actual crise que, transversalmente, determina todas as políticas educativas, mesmo aquelas que começaram antes da sua eclosão, e portanto também esta avaliação de desempenho, é apenas um ruinoso ‘mais do mesmo’, com a agravante de ter optado por hipotecar os filhos para salvar a casa.
Finalmente, proporei uma atitude, a única que
1. O gestorés como ideologia
Quando falo de ‘ideologia’ falo de um mainstream intelectual e económico neo-liberal de vocação universalista (e totalitária!) e não de opções políticas individuais. Em suma, falo do ‘tudo é economia’ e da subordinação do político, lugar das opções e da palavra da Polis, ao espartilho fetichista da gestão.
. Falo da perfídia com que hoje se invoca um suposto fatalismo económico para justificar e amplificar artifícios de desregulação financeira e impor políticas desumanizadoras ao serviço dos Senhores transnacionais de uma super classe mundial (vd, Maurice Allais, prémio Nobel da economia, La crise mondiale aujourd’hui).
Falo da subordinação das políticas, sejam quais forem os governos ou as opções políticas individuais, à gestão do político e do público segundo as determinações económicas emanadas unilateralmente do eixo Bruxelas-Maastricht-Berlim e da ideologia económica, passe o oximoro, a elas subjacente.
. Falo do que ontem foi o sonho comunista, rapidamente transformado em pesadelo, e hoje, como se de novo, veiculado pelo lado contrário.
( caricatural, mas não menos seriamente, poder-se-ia dizer, sem muito sarcasmo, que a ideologia internacionalista da revolução comunista que, supostamente, depositaria o político, por baixo, nas mãos de ‘operários e camponeses’, deu lugar, após a queda do muro, a uma nova vocação universal/internacionalista em versão capital-especulativa, ou seja, à tentativa de impor a nova ordem mundial do ‘tudo económico’ e a huxleyzação do mundo (vd. Admirável mundo novo), em que, à falta (ainda) da tecnologia apropriada para nos classificar geneticamente, se trata de se o fazer burocraticamente e por exaustão )
. Falo, no que nos é específico como educadores, da neo-taylorização e desumanização da escola, da redução do educador a funcionário e mero executante (à partida, suspeito!), e dos alunos a produtos calibrados por objectivos, elidindo o papel inerentemente humano e (felizmente!) incerto da profissão de professor.
2. Salvar a casa hipotecando os filhos?
Quando expresso a minha total discordância com este modelo de avaliação, incluindo-o entre a utensilagem da investida economicista neoliberal, de modo algum me conto entre os que são contra qualquer forma de avaliação. Pelo contrário, como professor e como pai, acho-a urgente, entre pares ou não (sinceramente, não considero que seja aí que reside a dificuldade da questão).
Assim ela seja, não burocrática, mas didáctica e pedagógica, formativa e não exclusiva, assente em práticas, exemplos e contextos e não em objectivos descabidos de produção, compenetrada de que educar é uma arte humana de relacionar o conhecimento e de ajudar a pensar, irredutível a fichagens ad hoc e outros procedimentos puramente burocráticos, assim não vise tão só economizar recursos humanos e materiais e, pelo mesmo caminho, qualquer sentido crítico ou formação humanista – o sonho neoliberal! –, mas criar as melhores condições para o exercício digno da função educativa.
Finalmente, uma avaliação exigente, mas fiel ao que é a profissão de professor e executável sem sobrecarga de uma das partes, o professor, e sem comprometer em termos de ensino/aprendizagem a outra parte, o aluno. Na prática, como já todos percebemos, não só nenhuma melhoria para as aprendizagens dos alunos resulta das actuais rotinas (pseudo)avaliativas, como estas aventuram, com invulgar leviandade, trabalhar em seu prejuízo.
3. O que podemos fazer?
Reafirmada a minha absoluta discordância relativamente ao modelo de ADD que nos é imposto e explicitada a minha postura neste contexto, não posso, chegados a este ponto, simplesmente cruzar os braços e alhear-me do aniquilamento do propriamente pedagógico e humano na nossa profissão, da nossa transformação em mangas-de-alpaca, fiéis executores acéfalos de políticas e cartilhas ruinosas, ou consentir, impávido, na pauperização das escolas e na desconsideração a que temos vindo a ser sujeitos pela tutela e, em consequência, a autêntica deflação do valor do professor, como convém à actual estratégia de huxleyzação do mundo.
Acontece, que não podendo deixar de assumir a minha discordância, e uma certa incapacidade pessoal para a anuência a partir de certo ponto, também não posso, ou não posso com ganho, deixar de cumprir o papel que a obrigação profissional me incumbe neste processo.
O pedido de escusa de relator, mesmo quando deferido, serve de pouco. De imediato, outro relator é nomeado e, no limite, ou seja, mesmo que todos os professores de uma escola se escusassem, haveria sempre gente para tal disponível nas escolas mais próximas ou nas seguintes. Do mesmo modo, nas circunstâncias actuais, é pouco realista pretender uma avassaladora escusa dos avaliados, sem a qual, apenas assistiríamos ao prejuízo inglório de meia dúzia de intemeratos.
Posso sim, podemos sim, cumpri-la escrupulosa e massivamente. Sem querer legitimar aquilo que contesto, é exactamente isto o que eu sugiro. Não na base do ‘se não podes vencê-la junta-te a ela’, mas, opostamente, como estratégia ludista: sobrecarregar a máquina e obrigar a implosão.
Se considero hoje difícil uma recusa como aquela que ocorreu aquando dos objectivos, considero ainda possível a entrega massiva de pedidos de aulas assistidas, mesmo fora do prazo. Se algumas escolas o fizessem, isto, localmente, implodia; se muitas escolas o fizessem o sistema pura e simplesmente explodia.
Não sei se é a única coisa que podemos fazer, mas é, certamente, uma coisa que ainda podemos fazer.
Carlos Marinho Rocha
Janeiro 28, 2011 at 9:05 pm
“a entrega massiva de pedidos de aulas assistidas”
Esta seria talvez uma excelente forma de luta. Se todos o fizéssemos, na base do “agora desenrasquem-se!”
Mas, por razões que já defendi noutros tempos, não se criam formas de luta que passem por expor o peito dos outros às balas, para colectivamente resguardar o nosso.
Além de que falhava, porque os números não enganam, há muito quem leia e acompanhe o blog do Guinote, mas a maioria dos professores não o faz. Logo não levaria a coisa nenhuma.
Janeiro 28, 2011 at 9:10 pm
Não querendo ser derrotista ou pessimista digo que falar faz bem…mas na maior parte dos casos não leva a lugar nenhum..um pouco como aquela ideia do Cantona de levantar dinheiro dos bancos..viu-se…
Janeiro 28, 2011 at 9:40 pm
ó buli, cala-te assombração 🙂 – estou a brincar.
se estiveres a olhar para o chão não vês o carro na frente 🙂
Janeiro 28, 2011 at 9:47 pm
Gestorês sem máscara
Para el caso de Portugal la situación es aún más dramática dado que el costo de su deuda supera el 7%. El desolador mapa del paro, y la inutilidad de las reformas, como dice Niño Becerra, “solo permitirán empobrecer aún mas a la población”.
Marco Antonio Moreno
Janeiro 28, 2011 at 9:50 pm
Jake eu não quero parecer derrotista apenas constato os factos….quem me dera estar errado..até comia bosta..acredita…ok seca e só uma dentadinha mas comia…
Janeiro 28, 2011 at 9:52 pm
Buli, até pode ser que essa desesperança seja o que nos espera ao fundo do túnel.
mas temos um túnel para atravessar. atravessa-o. depois logo se vê. 🙂
Janeiro 28, 2011 at 9:57 pm
Retirado de um dos posts em baixo:
“O pessoal é tão totó que se aceita que o Relator e todos os outros, sem qualquer tipo de formação, andem a fazer este trabalho.”
Sim.
E já agora, alguém com um´mínimo de conhecimento de gestão de RH, de como as coisas se passam, da formação de excelência e caríssima que as empresas e organizações sérias têm, do investimento que fazem nos seus departamentos de RH, na qualificação destas pessoas, pode levar a sério esta treta??
Janeiro 28, 2011 at 9:58 pm
Pois…
Uma vida humana. Como ela é intensa. Porque o que nela acontece não é o que nela acontece mas a quantidade de nós que acontece nesse acontecer. Vergílio Ferreira,
Janeiro 28, 2011 at 10:12 pm
Mesmo, ALGUNS, que possuem formação não concordam com a AD.O que é necessário é UNIão e LUTA a sério. Não greves de UM DIA nem manifestações. Greve e escolas fechadas algum tempo. Sempre o disse.
Não pude ir mas desejo que das Caldas da Rainha surja o fio condutor para a luta verdadeira e união de todos para acabar com TODA a palhaçada que se passa nas escolas públicas.
Janeiro 28, 2011 at 10:24 pm
Caro autor,
Não percebe nada nem de avaliação nem de liberalismo. Verifica-se, no entanto, que assimilou muito bem a conhecida ideologia da cassete. Parabéns! Com sorte, ainda vai chegar ao comité central da fenprof, perdão, ao secretariado geral da fenprof.
Janeiro 28, 2011 at 10:28 pm
São os relatores e outros avaliadores que devem provocar as incompatibilidades. Se toda a gente concorrer para MB, todas as escolhas de avaliadores dentro do mesmo agrupamento vão gerar incompatibilidade. Não se pode ser júri e concorrente ao mesmo tempo.
Janeiro 28, 2011 at 10:49 pm
# 10
Caro tt
Com certeza, com certeza. Mas o Sr., com a sua patenteada educação e formação política, vai explicar-me, não é?
Janeiro 28, 2011 at 11:20 pm
Uma boa sugestão!
Janeiro 28, 2011 at 11:42 pm
Fenprof contra privilégios aos privados
Mais do que o público, não!
O secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, rejeitou anteontem a ideia de que os estabelecimentos particulares possam receber mais fundos do Estado do que as escolas públicas.
Nos últimos dias, muitos empresários de colégios privados com contrato de associação, juntamente com vários pais, levaram a cabo protestos contra a anunciada redução de verbas do Estado a essas instituições de ensino. Questionado pela comunicação social, Mário Nogueira rejeitou que o financiamento aos colégios privados tenha valores superiores ao do ensino público.
O sindicalista reconheceu o espaço «muito importante» que o ensino particular ocupa em Portugal, nomeadamente quando a escola pública «não dá resposta», e defendeu o seu financiamento pelo Ministério da Educação – mas nunca por valores superiores aos pagos no ensino público, vincou. Mário Nogueira acrescentou ainda que o custo do trabalho dos professores no ensino particular é «bastante inferior» ao do ensino público.
No mesmo dia, o Sindicato dos Professores da Região Centro, da Fenprof, reagiu no mesmo tom aos protestos dos empresários do sector da educação, considerando que estes visam «pressionar o Governo a pagar-lhes um valor superior ao do financiamento das escolas públicas». Para o SPRC, o poder político «não só fechou os olhos como pactuou com a proliferação destes colégios». Alguns deles foram construídos ao lado de escolas públicas (como sucedeu por exemplo com o Colégio de São Martinho, em Coimbra, que está praticamente encostado à Escola EB 2,3 de Taveiro e Inês de Castro) e que conseguiram, assim mesmo, celebrar contratos de associação com o Estado.
O sindicato refere-se mesmo aos «verdadeiros impérios» construídos por alguns dos empresários do sector da educação naquela região, muitas vezes à custa da violação dos direitos profissionais dos professores: recibos de vencimentos com valores superiores ao que é efectivamente pago, a devolução por parte dos professores do montante correspondente ao subsídio de refeição e muitas horas de trabalho não pagas são apenas alguns dos expedientes encontrados pelos donos dos colégios para enriquecer.
Acerca dos protestos em curso, o SPRC aconselha aos professores para que cumpram os seus horários nas escolas, «não vá a entidade patronal descontar-lhes o salário do dia de trabalho». Sendo o lock-out proibido e não estando marcada qualquer greve por parte dos sindicatos de docentes esta será a atitude mais avisada, sobretudo num momento em que sobre os professores destas escolas se abate uma «violenta onda de pressões e ameaças».
O SPRC defende que sejam fixados critérios «claros e explícitos» para a celebração de contratos de associação e a definição rigorosa do conceito de «zona carecida de rede pública», não constante na portaria do Governo. A uniformização dos custos da rede pública e privada e o «respeito absoluto» pelos direitos dos professores são outras exigências do sindicato.
Janeiro 29, 2011 at 12:20 am
Não quero ser pessimista, mas se este post pretendia dar dicas para uma linha de acção falhou pela simples razão que poucos terão paciência para ler tantas frases.
Janeiro 29, 2011 at 12:24 am
Concordo em muito do do que foi referido! Quero apenas dar os parabéns por surgir como uma postura de acção! Que é preciso lutar, sabemo-lo muito bem, mas falta-nos saber como lutar! Aqui surge uma possibilidade e fico grata por ela. Quanto a esta ADD “não sei por onde vou, mas sei que não vou por aí”. Neste sentido, todas as formas de luta são bem vindas!
Janeiro 29, 2011 at 1:00 am
Sugeri, aí há uns dois meses, que toda a gente pedisse umas dez aulas assistidas. 150 professores, 1500 aulas. Seria bonito.
Foram-se rindo. Até hoje…
Janeiro 29, 2011 at 9:44 am
Concordo. No meu grupo (910) já o fizemos no Agrupamento Luísa Todi, em Setúbal. Objectivo: entupir. Em curso estão as incompatibilidades de relatores e avaliados por estarem a concorrer para a mesmo escalão.Tudo com grande cumplicidade. Veremos!
Janeiro 29, 2011 at 11:38 am
Caro colega, gostaria de partilhar consigo e com todos aqueles que seguem o seu blogue o que se passa no Agrupamento onde lecciono. Na passada 5ªfeira, reuniram-se os docentes do mesmo, a fim de partilhar as suas preocupações face à actual política do estado que muito nos prejudica. Perante isto, mobilizámo-nos para tomarmos uma posição que,espero, seja alargada a todos os agrupamentos e a todos os trabalhadores em geral. Não podemos mais ficar indiferentes e aceitar de baixos cruzados o que se está a passar.
Bem haja!
Janeiro 29, 2011 at 11:39 am
Agrupamento Vertical de Escolas Luísa Todi
Janeiro 29, 2011 at 11:41 am
#20
Força! Estou convosco.