Nem de propósito, para fazer ver a Maria do Céu Roldão, que ainda há quem pense sobre estas questões na classe docente, só é pena que ela não dê por isso. O texto resulta de posts inicialmente publicados no Dúvida Metódica (ler ainda este post).

Como deveriam os professores ser avaliados?

Qualquer avaliação inclui sempre vários parâmetros e não seria possível analisar todos eles num texto desta natureza. Por isso, vamos referir superficialmente três ou quatro desses parâmetros e explicar apenas aquele que, na nossa opinião, deveria ser o parâmetro principal.

Se quiséssemos, por exemplo, avaliar um fabricante de tesouras o parâmetro principal dessa avaliação consistiria certamente em verificar se as tesouras cortavam ou não cortavam bem o papel, os tecidos, etc.
Contrariamente às tesouras, um professor não tem apenas uma função (actualmente pode-se até dizer que tem demasiadas funções), mas sem dúvida que a principal é ensinar e fazer aprender. Por isso, não faz nenhum sentido avaliar os professores e não ter em conta as aprendizagens dos alunos. Mas como fazê-lo?

O modelo de avaliação que o governo tentou impor pretendia fazer isso através do estabelecimento de taxas de sucesso que o professor teria de alcançar.
Esse método é absurdo, pois o sucesso dos alunos não depende apenas da qualidade do ensino ministrado pelo professor: depende também de factores que o professor (por muito que se esforce) não controla – a vontade do aluno, as dificuldades que acumulou em anos anteriores, etc.
Dizer aos professores que só terão Excelente, Muito Bom ou Bom se os seus alunos tiverem uma certa percentagem de sucesso é quase equivalente a convidá-los a inflacionar a notas. Ou seja: trata-se de um truque para fabricar um sucesso educativo artificial e meramente estatístico (à semelhança da fraude que são as Novas Oportunidades e do facilitismo nalguns exames do passado ano lectivo).

Contudo, há uma maneira rigorosa e objectiva de relacionar as aprendizagens efectuadas pelos alunos com a qualidade do ensino ministrado pelo professor. Consiste em comparar as classificações atribuídas pelo professor no final do ano lectivo com as classificações obtidas pelos alunos em exames nacionais elaborados com rigor e exigência.

Nessa comparação, o que seria significativo para a avaliação do professor não seriam os resultados mais ou menos elevados obtidos nos exames nacionais (pois isso não depende inteiramente do mérito ou demérito do professor), mas a coerência entre esses resultados e as classificações por si atribuídas. Dito por outras palavras: a coerência entre a avaliação externa e a avaliação interna dos alunos.

Para que a avaliação dos professores tivesse essa comparação como parâmetro principal seria necessário que existissem mais exames nacionais do que actualmente sucede.
Na nossa opinião, deveriam existir exames nacionais em todas as disciplinas “de estudo” (ou seja: em todas, excepto em disciplinas como Educação Física e Educação Visual). Tais exames deveriam ser efectuados no final de cada ciclo: no 4º ano, no 6º ano, no 9º ano e no 11º ano ou no 12º ano (consoante as disciplinas durassem 2 ou 3 anos). O peso da classificação do exame na classificação final do aluno deveria ser significativo (30% como actualmente ou mais) e, mais importante do que isso, deveria haver uma nota mínima para haver aprovação: independentemente da classificação interna, o aluno só deveria ser aprovado se obtivesse pelo menos 9,5 numa escala de 0 a 20.
Na avaliação do desempenho dos professores, além desse parâmetro, deveriam ser considerados diversos outros parâmetros. Estes por exemplo:
– A qualidade científica e pedagógica dos instrumentos didácticos elaborados pelo professor avaliado (planificações, textos de apoio, esquemas, fichas de trabalho, testes, etc.).
– A qualidade científica e pedagógica das próprias aulas (rigor e clareza das explicações, atenção e apoio prestado aos alunos, capacidade de criar um ambiente tranquilo e propício à aprendizagem, etc.).
Não é preciso ser especialmente céptico em relação à natureza humana para considerar que a avaliação de aspectos desse género pode revelar-se muito subjectiva e dependente das meras impressões pessoais do avaliador.
Por um lado, o avaliador pode deixar-se levar pela eventual simpatia ou antipatia que sinta pelo avaliado e (podendo até não ter consciência disso) favorecê-lo ou desfavorecê-lo indevidamente.
Por outro lado, existem concepções pedagógicas muito diferenciadas e pode suceder que o avaliador (com ou sem consciência disso) não consiga ver para além da sua própria perspectiva e não reconheça qualidade ao trabalho de um colega apenas porque este não perfilha as suas concepções pedagógicas e tem outro entendimento acerca do ensino e da aprendizagem. Do mesmo modo, pode suceder que o avaliador relativize a falta de qualidade do trabalho do avaliado, caso este perfilhe as suas concepções pedagógicas.
Todavia, se os alunos do professor avaliado realizarem um exame nacional e for possível comparar os resultados nele obtidos com as classificações atribuídas pelo professor no final do ano lectivo, isso terá um efeito dissuasor e será menos provável que as deturpações subjectivas da avaliação ocorram. Levará os avaliadores mal intencionados a pensar duas vezes antes de voluntariamente deturparem a avaliação. E levará os avaliadores desleixados a empenharem-se com receio que o seu desleixo seja descoberto.
Um parâmetro que também deve existir numa avaliação do desempenho dos professores é a autoavaliação. Se for possível efectuar a comparação referida haverá menos condições para os avaliados “puxarem a brasa à sua sardinha” e se autoavaliarem de modo excessivamente generoso.
Em suma: ter em conta, na avaliação de um professor, as classificações obtidas pelos seus alunos num exame nacional, além dos seus méritos intrínsecos, promove a objectividade e o rigor na avaliação dos outros parâmetros.

Exames nacionais exigentes e bem elaborados permitiriam a existência de um parâmetro de avaliação independente da vontade e dos interesses particulares dos professores avaliados e dos professores avaliadores, mas não do mérito do trabalho dos professores avaliados. Isso levaria todos os envolvidos a esforçarem-se por serem rigorosos e imparciais.

De resto, a existência de mais exames nacionais deve ser defendida independentemente da avaliação dos professores, pois iria promover a melhoria do ensino e da aprendizagem. A existência de mais exames nacionais faria os professores e os alunos trabalharem mais e melhor. E faria também com que os autores dos programas e dos manuais escolares fossem mais cuidadosos e ponderados na sua concepção.

Carlos Pires
Sara Raposo

Faro, 30 de Novembro de 2008