O livro já não é novo, mas estes problemas também não o são. Por isso é interessante recuperar alguns textos, autores e opiniões que nas últimas décadas abordaram o tema, embora nem sempre com uma transposição evidente para os normativos legais ou para as práticas pedagógicas correntes.
Desenvolver e manter o controle na sala de aula requer autoridade e poder. Autoridade pode ser definida como o direito de tomar decisões que afectam as escolhas disponíveis ás pessoas. O professor pode especificar o que é certo ou aceitável no âmbito dos objectivos e pode seleccionar os meios para os alcançar. Esta autoridade é conferida. A autoridade estatal da educação e o conselho escolar local delegam a responsabilidade pela educação das crianças e jovens a professores e dão-lhes autoridade para actuar de acordo com essa responsabilidade. Assim, a autoridade pode ser dada; não precisa de ser ganha por actos que agradem o grupo sobre a qual a autoridade é exercida. Em outras palavras, os alunos têm poucos recursos quanto à autoridade do professor.
Quando os professores entram na sala de aula no primeiro dia de escola, já tomaram a maior parte das grandes decisões sobre o que será aprendido e como os estudantes irão aprendê-lo. Este é um exercício da autoridade do professor; o professor prescreve o que está certo no âmbito dos objectivos e actividades. O professor sente que este é um modo perfeitamente legítimo de exercer a sua função de gestão (…).
Enquanto a autoridade pode ser conferida, o poder precisa de ser ganho. Apesar do professor receber a autoridade para tomar decisões que potenciem ou impeçam a satisfação das necessidades dos alunos, o professor não pode receber o poder para fazer os estudantes aderirem a estas escolhas. Por exemplo, o professor pode empregar a autoridade para marcar uma página de problemas de multiplicação mas necessita de usar o poder para fazer os estudantes completam o trabalho. O que beneficia o professor tomar todo o tipo de decisões se são largamente ignoradas? A autoridade tem poucas consequências sem poder. Por outro lado, o poder raramente se torna um problema se os alunos não resistirem à autoridade. Se os estudantes estiverem dispostos a aceitar as decisões do professor como sendo em favor dos seus melhores interesses e estiverem dispostos a trabalhar como se tivessem participado nas decisões, a necessidade de poder torna-se meramente académica. (Len Froyen, Classroom Management. New York/Oxford, Macmillan, 1988, pp. 49-50)
O que actualmente percebemos é que esta última parte falha por completo. Ao colocar em causa de forma sistemática o desempenho dos professores, o Ministério da Educação abriu a porta para que os alunos deixassem de considerar os docentes como capazes de tomar as melhores decisões para o interesse de todos.
Agora, a menos que algo se faça em termos nem que seja simbólicos (mas seria extremamente aconselhável que fosse em termos concretos) a situação pode derrapar para um descontrole maior do que o que caracterizou alguns períodos dos últimos anos.
Se não perceber isso, a equipa ministerial terá dado mais um golpe profundo na eficácia do funcionamento das Escolas e não adianta acenar com o Estatuto do Aluno, que umas dezenas de artigos em diploma longo e verborreico nada resolvem contra opiniões e atitudes que se vão cristalizando em alguns estratos das mentalidades colectivas.
Sim, é verdade que a aluna errou, que eventualmente a sua família falhou, que a docente foi ultrapassada pelos acontecimentos, que aquilo que conhecemos foi um episódio singular com as suas próprias circunstâncias.
Mas não podemos absolver o ME de ter criado um clima propício à contestação da autoridade e poder dos docentes nas suas salas de aula.
Se na televisão e na comunicação social, na chamada esfera pública mediática, de forma repetida, a Ministra e os seus Secretários decidem amesquinhar os docentes, apontar-lhes o dedo como maus profissionais, gente incapaz de lidar com a mudança e a avaliação, avessos ao rigor e ao mérito, o que esperam que aconteça?
Atearam o fogo e agora não querem assumir responsabilidades?
E depois querem dar-se ao respeito por parte dos professores?
Mereçam-no!
Março 24, 2008 at 10:37 am
É tudo tão claro! (grande objectividade, Paulo, neste texto).
Como é que a Confap ainda tem o desplante de vir dizer que a questão não passa pela restauração da autoridade?
Parece que arrumaram as armas, desistiram da autoridade sobre os filhos; eles, os pais.
Quem sabe!
Março 24, 2008 at 11:53 am
Quando eles crescerem e baterem nos pais por não lhes darem aquilo que eles acham que têm direito, a coisa vai virar-se contra eles.
Quando era DT de um aluno problemático e agressivo que queria bater nos professores e enchia os colegas de porrada.Foram-lhe aplicados 10 dias.
A mãe e EE disse:
– Senhora professora, por favor não mandem o meu filho para casa 10 dias. Não faço nada dele em casa, bate em mim e nos avós.
Resposta da DT:
– Chame a GNR.
Março 24, 2008 at 12:03 pm
Olinda, já tive coisas semelhantes. Todos nós já ouvimos a célebre frase “veja lá o que é que oode fazer por ele”.
há uns tempos a mãe de um miúdo desgraçadamente infeliz… enfim, ela também desgraçadamente igual a ele, dizia-me “por favor não o mandem embora… é que ele aqui ao menos anda entretido e eu estou descansada”
Ele estragou a turma e agrediu um colega na sala de aula e a professora “levou” também porque se meteu no meio.
Na altura fiquei umas noites sem dormir porque ele estava super “tapado” por faltas em Dezembro e mandá-lo embora era-pô-lo na RUA.
Contudo, a escola não pode ser a Santa Casa da Misericórdia.
Este dilema já nos afectou a todos, acredito! Mas que fazer quando os outros vinte e tal queriam aprenser e não conseguiam? De certeza que também muitos de vocês já se questionaram sobre a injustiça que fazemos cair sobre os alunos “normais”, de quem habitualmente nos esquecemos, porque os outros é que nos sugam as atenções e os cuidados.
Março 24, 2008 at 2:39 pm
[…] « Se na televisão e na comunicação social, na chamada esfera pública mediática, de forma repet… […]
Março 24, 2008 at 6:29 pm
…para se ver como os pais desistiram de exercer a sua autoridade natural, basta observar nos hipermercados a forma como se comportam muitas das crianças , mesmo na companhia dos seus progenitores… desde mexer em tudo quanto está exposto,desarrumar livros, abrir embalagens, ” jogar à bola”, andar de bicicleta, eu já vi de tudo, com os pais a ver também , é claro…aí os funcionários, coitados, marketing obriga , “comem e calam”….
Março 25, 2008 at 12:24 am
A propósito de toda esta situação, há pelo menos uma coisa positiva. Finalmente estamos a discutir o que é mais importante na Educação em Portugal: o estado lamentável em que o ensino chegou neste país.Não foi só a autoridade que foi retirada aos professores com todas estas desastrosas reformas implementadas, foi também retidado o papel fundamental, a possibilidade de ensinar a sério. Hoje é difícil ensinar a sério, na maior parte das escolas públicas em Portugal, então nas eb2,3_ Meu Deus- é de fugir…
Infelizmente, o ensino público hoje é o primeiro a criar desigualdades na sociedade, pois impossibilita muitos jovens de se prepararem convenientemente para o futuro, proporcionando-lhe um ensino medíocre, passando-os de ano para ano, sem nada saberem. Alguns mal sabem ler, escrever duas linhas com lógica é muito difícil. A culpa?!! Estou a ler ” Os Filhos de Rousseau” de Maria Filomena Mónica, concordo inteiramente com o que ela diz.Se tiverem oportunidade de ler o prefácio, encontram alguns dos nomes que “servem que nem uma luva” para os culpados: Augusto Santos Silva, Valter Lemos, e a maior parte daqueles que estão ligados às Ciências da Educação, sem esquecer, claro, a Dra Ana Benavente.
Março 27, 2009 at 8:23 am
Adorei o texto, pois vejo só críticas negativas aos professores e muitas sugestões de “intelectuais de gabinetes da educação” que não conhecem a verdadeira realidade que os professores vem enfrentando em sala de aula. Pedagogos que nunca entraram em sala de aula (e, quando entram, ficam doentes 3 dias de atestado)sugerindo estratégias ridículas por desconhecerem a realidade. Enfim, percebo que os professores estão acoados, isso precisa mudar e urgente.
Junho 19, 2009 at 3:54 pm
Às vezes achamos que só nós temos problemas.
Lendo os comentários acima, percebo que a Educação no mundo precisa de cuidados, pois estamos sofrendo o novo mal do céculo “para garantir o que comer em casa, os pais abriram mão de EDUCAR seus filhos e estão delegando esta função também aos professores”, isso é bastante preocupante já que o conteúdo didático é só nosso, os pais precisam assumir suas responsabilidades, e o estado devolver nossa dignidade.
Concordo que antes a escola era bastante excludente, mas a qualidade do ensino era tambem bastante grande, hoje com a permissidade em aceitar alunos descomprometidos com os estudos, a qualidade caiu muito e os bons alunos estão ficando marginalizados, na tentativa de se resgatar os maus.
Não prego a expulsão de alunos, mas punições mais severas aos indisciplinados e mais autonia para as escolas nestas tomadas de decisões.
Junho 19, 2009 at 3:55 pm
errata
onde se lê céculo, deve-se ler “século”