Peço desculpa aos(às) colegas do 1º CEB se vou usar neste post exclusivamente a ficha destinada à avaliação dos docentes dos outros ciclos de ensino, mas como é a que se me vai aplicar, acabo por lhe sentir maior afeição.
Vejamos então aquilo que nos reserva, com um ou outro acerto de detalhe e um ou outro acrescento de pormenor reservado à autonomia das escolas (medida em 5 itens num conjunto de 30), o Ministério em matéria de grelha apara a avaliação do nosso desempenho.
Notam-se à vista desarmada quer a preguiça (na prática retoma-se grande parte do que servia para os nossos relatórios críticos de desempenho), quer a tentação da quantificação objectiva do mérito e/ou qualidade do docente (a grelha cheia de quadradinhos para preencher com numerozinhos de 1 a 4).
Ou seja, lança-se borda fora tanto a água meio suja de alguma conversa fiada do modelo da auto-avaliação formativa como o bebé inocente, ou seja, a impossibilidade de quantificar a qualidade do desempenho de um docente numa grelha com 30 quadradinhos.
Mas comecemos, divindindo a análise pelas cinco categorias individualizadas para classificação, sendo que a primeira é a Preparação e organização das actividades lectivas:
Admito que esta seria a categoria de mais fácil verificação (se o docente planificou, se o fez com «qualidade científico-pedagógica e didáctica», se seleccionou adequadamente as estratégias de acordo com a complexidade dos conteúdos, se utilizou recursos diversificados e se teve em conta os resultados da avaliação formativa na dita planificação) caso os avaliadores fossem naturalmente dotados de uma capacidade científico pedagógico-didáctica superior aos avaliados. O que está longe de ser o caso em muitas situações.
Estou à vontade neste particular porque tenho uma boa ou mesmo excelente relação com as minhas colega potencialmente avaliadoras (tenho dois departamentos, não sei como será neste caso…). Só que, em especial num dos meus grupos disciplinares, a trajectória da quase totalidade dos seus elementos é paralela em termos de carreira, apenas existindo diferenças de tempo de serviço decorrentes dos acidentes de percurso, de horários incompletos em maior ou menor quantidade. Quase todos lecionamos desde a segunda metade dos anos 80 e estamos encaixotados no fianl do antigo 7º escalão, excepto uma colega.
Mas mesmo abstraindo desta curiosidade muito concreta e que pode ser qualificada como anedótica, como é que em milhares de departamentos curriculares se sabe e tem a certeza que quem vai fazer a avaliação é a pessoa mais competente para a fazer? Porque tem mais um ou dois anos de serviço? Em outros casos é o inverso, pois se o(a) estimável colega em muitos casos não distingue um data-show de uma pen-drive como poderá avaliar da correcta aplicação de um recurso multimédia mais sofisticado nas aulas? Ridículo!
Mas passemos à segunda categoria de parâmetros sobre a Realização das actividades lectivas:
Antes de mais verifica-se que existe a obsessão pelo cumprimento do programa. Neste caso estou como peixe na água, mas não me vou alongar que é questão polémica que aqui não interessa. Depois pretende classificar-se a forma como o docente proporciona «a todos os seus alunos iguais oportunidades de participação».
Mas como é que é possível avaliar isto com a observação de três aulas num ano lectivo? Claro que nessas três aulas até o caixote do lixo e as cortinas podem ter a oportunidade de participar! O pior é se as turmas decidem, por mau feitio, não colaborarem e então está tudo estragado.
E já repararam no parâmetro B.3 que de tão longo é manifestamente impróprio de transcrever e ainda mais impossível de observar/avaliar nos moldes propostos?
E já atentaram no completo delírio da terceira categoria (C) de parâmetros, a da Relação pedagógica com os alunos?
De todos considero o parâmetro C.2 o mais antológico pois é uma espécie de híbrido, recuperando um manifesto resquício do discurso eduquês, só que espartilhado para aplicação numa grelha de tipo positivista. Como se fossemos classificar a qualidade de uma poesia com base na quantidade das suas letras ou sílabas.
Classificar de 1 a 4 se o docente se relaciona «positivamente com os alunos proporcionando um clima de escola caracterizado pelo bem-estar afectivo que predisponha para as aprendizagens»?
Isso mede-se como? E observa-se em que moldes? Neste caso só me ocorre uma das tiradas de Agildo Ribeiro, enquanto professor de mitologia em O Planeta dos Homens, quando, ao tocar da sineta do partenaire com ar de defunto sempre que ele se alongava em passagens sobre a Bruuuuuna, anunciava e lançava a sua gargalhada de desprezo.
Neste caso penso que é apenas uma enorme gragalhada, ponto final.
Mesmo se a grelha não acaba por aqui.
(continua…)
Setembro 25, 2007 at 12:43 am
E não te esqueças que estes pormenores são todos contratualizados nos objectivos individuais!
“caso os avaliadores fossem naturalmente dotados de uma capacidade científico pedagógico-didáctica superior aos avaliados. O que está longe de ser o caso em muitas situações. (…) a trajectória da quase totalidade dos seus elementos é paralela em termos de carreira, apenas existindo diferenças de tempo de serviço decorrentes dos acidentes de percurso, de horários incompletos em maior ou menor quantidade” … e como acrescentas bem “dos conhecimentos relacionados com o choque tecnológico!… e se quem vai fazer a avaliação é a pessoa mais competente para a fazer?
É isto mesmo! Não é o “brasão” que me confere a qualidade de avaliador! E espero que todos se compenetrem deste facto e não lhes suba o “poder” à cabeça! Eu sinto-me mesmo pequenina diante disto! E não é por ter feito “coisas” semelhantes, tal como orientação de estágio, que me sinto mais habilitada a avaliar colegas, nesta perspectiva de lixanço instituído. ´
E sinto-me muito menos capaz quando sei que estou a avaliar e a ser avaliada para a mesma quota de excelentes/muito bons que dá o direito à progressão para uns e a não se sabe o quê para outros.
E são estes pequenos grandes pormenores que tornam isto tudo muito mais maquiavélico do que o que já vem expresso nas grelhas
E já agora, saia um PIT para a mesa do canto… parece-me que vamos todos começar a nossa profissionalização em serviço!!!!
Setembro 25, 2007 at 7:33 am
Paulo
Aponta aí esta:
http://jn.sapo.pt/2007/09/25/nacional/horarios_feitos_para_professores_imp.html
Atafulham os putos com tudo quanto é coisa e depois chegam a esta brilhante conclusão!
Ou será início de mais uma campanha contra os profes?
Cá por mim cheira-me que vai chover p’rás nossas bandas….
Setembro 25, 2007 at 8:25 am
Mas não querem a “escola a tempo inteiro”?
A mim cheira-me a que há aqui alguém a quem o caso tocou pessoalmente.
É verdade, assisti a horários deste tipo numa escola por onde a IGE passou mas não disse nada, porque nem percebeu o que se passava, porque estes inspectores por vezes são muito verduscos e em outros casos não os têm no sítio para se opôr a “notáveis” com ligações fortes nos aparelhos partidários.
Na escola onde estou respeitam-se religiosamente as indicações para a miudagm ter três tardes ou manhãs livres.
Claro que depois ficam na escola à mesma porque as famílias assim o exigem, porque não há ninguém em casa para os receber e acompanhar.
Setembro 25, 2007 at 8:26 am
Maria Lisboa, a parte E da grelha é aquela onde os avaliadores são obrigados a fazer o que muitas vezes não querem, caso contrário…
Mas ainda lá chegarei, só que hoje sou eu que tenho escola a tempo quase inteiro.
Setembro 25, 2007 at 8:47 am
São pérolas como estas que me lembram por que deixei o ensino.
Os melhores professores que tive da pré-primária à universidade chumbariam nestas avaliações.
Continuamos no bom caminho.
Setembro 25, 2007 at 10:39 am
Caramba!
Não haverá alternativa ao regabofe de todos serem excelentes e atingirem o topo?
Vá lá, não sejam pérfidos. Confessem-se adeptos da progressão automática baseada em formações estapafúrdias, senão forjadas, e coisas semelhantes. Onde estava o espírito crítico e rigoroso aqui expresso durante mais de 3 dezenas de anos de bagunça generalizada?
Vão-se catar!
Setembro 25, 2007 at 12:19 pm
João Raposo:
o apelido deve ter surgido das brilhantes caçadas efectuadas no final de cada ano lectivo na escola!
Setembro 25, 2007 at 2:30 pm
Não, ftrindade, o apelido vem do regabofe pérfido desta gente em confundir classificação com avaliação mesmo depois de, alguns e algumas, terem passado pelos bancos das nossas universidades onde muitos(as) fizeram formações estapafúrdias quando não forjadas por cábulas de todo o tipo e cujo espírito crítico e rigoroso que adquiriram é a aceitação benévola e de apoio à aldrabice generalizada a que este governo nos vem habituando com particular ênfase na educação onde, a partir de agora, os raposos e as raposas se vão andar a catar com a avaliação.
Ele há cada um, não é?!!!
Setembro 25, 2007 at 3:55 pm
Qual é o nome que se pode dar a este fenómeno: o de por todo o lado aparecer o discurso que ilude, que parece ser exactamente aquilo que queremos, qusndo a verdade é que é o contrário? Na verdade é apenas uma maneira de silenciar a verdadeira e real tentativa de lutarmos por aquilo que eles só escrevem em papel, etc.
Afinal de contas, é assim justamente que funciona a mentira: não através daquilo que está obviamente errado: mas através daquilo que parece igual ao que está certo.
O mesmo fenómeno em relação a tantos aspectos diferentes…
Setembro 25, 2007 at 4:40 pm
Eh, Flori!
Qual foi o tratado que digeriste ao almoço??? Dava-me um certo jeito!
Chiça, porra, que esse despacho nem ao Saramago lembrava!
Setembro 25, 2007 at 5:53 pm
Amigo Raposo,
Regabofe, regabofe, aquele de que fala (se sabe exactamente do que fala) continuará.
O que o meu amigo e alguns tantos outros parecem não perceber é que a progressão salarial não equivale a uma progressão de patente, à modas das metáforas militares da ministra.
E o que parecem não perceber é que este sistema não é exequível, se levado a sério.
Por uma vez, pensem sobre o que lhes é dado a ler e não reajam com base em fórmulas acríticas.
Sei que esse é o desejo de quem nos governa, mas esforcem-se…
Setembro 25, 2007 at 6:31 pm
Raposo
Informe-se bem antes de dizer “raposices”, frequente este blogue amiudadas vezes e ficará mais culto e aberto para estas e outras problemáticas.
Setembro 26, 2007 at 7:22 am
?
Abril 2, 2008 at 9:58 pm
Boa noite!
Depois de um dia de faina, acho que este meu comentário me vai sair irónico!
Será que, à boa mada antiga, os avaliadores aceitam presuntos? 🙂
Abril 2, 2008 at 9:59 pm
errata: moda e não mada
Abril 23, 2008 at 12:30 pm
Convém recordar às curtas memórias:
os avaliadores não pediram a ninguém para o serem; foram obrigados. Deixem de atirar perdras aos avaliadores e continuem a preocupar-se com as decisões dos decisores.