Eu sou do tempo em que a Matemática era já um estereotipado papão. Mas em que não havia outra hipótese da malta se safar sem ser sabendo a tabuada, usando os neurónios ou, como o Manelito, amigo da Mafalda, os dedos das mãos e, em casos de aflição, os dos pés se fosse dia de sandálias.

No entanto fui afortunado por – enquanto jovem, não estou a dizer que assim permanece – uma mente extremamente compreensiva para as chamadas Ciências Exactas, exactamente porque a exactidão permite que cheguemos a resultados exactos e não há mais discussão. Pelo menos, até ao 9º ano a coisa era assim. Fiz quase sempre o pleno em todos os períodos com 5 a Matemática, sendo que a partir do 7º ano prescindi de comprar o manual. No 9º ano comecei a desatinar com a trigonometria, mas, lá está, a objectividade e a mecânica da coisa, permirtiam oscilar entre os 92% e os 100%, apesar de nunca fazer os trabalhos de casa.  Acabei em História vá-se lá saber porquê, ou melhor, até sei, mas agora isso não interessa.

O que me interessa é que, maravilha das arábias, a Ministra da Educação afirma que rios de euros irão cair sobre as escolas para que os jovens aprendam Matemática, delirem com inequações e sintam o êxtase da compreensão do funcionamento de um algoritmo.

Sinceramente – e por uma vez desculpem-me lá o retorcer do nariz à promessa de dinheirinho para as Escolas – o segredo para o sucesso a Matemática não passa por aí. Ajuda, é certo que ajuda, mas não é o essencial. Sei que devemos adaptar-nos aos meios disponibilizados pelas novas tecnologias, mas não é um quadro interactivo que faz uma Primavera de futuros matemáticos. E muito menos o recurso generalizado a calculadoras.

A Matemática é especial. No bom sentido. E isto é vindo de alguém que a largou há mais de um quarto de século, se não contarmos com uma cadeira no 1º ano da licenciatura (mas aquilo era quase só estatística…). Tão especial que a sua beleza e encanto, podendo ganhar brilho com demonstrações hábeis nos ditos quadros, depende principalmente da forma como quem ensina consiga transmitir aos alunos o prazer de pensarem e de, na sua mente, fazerem muito mais do que permite um quadro interactivo.

Sei que pareço estar a delirar, mas não. A Matemática no Ensino Básico não é difícil. Sempre a considerei a disciplina que estava feita à partida. Sempre lutei muito mais com a Gramática, por estranho que pareça (a gramática generativa a isso obrigou) e mesmo a História me pregou algumas partidas. O problema é que a Matemática nasce da Aritmética e da aquisição e desenvolvimento de rotinas mentais desde tenra idade. E quase pareço agora o Nuno Crato.

Mas ele tem razão em algumas coisas: em vez de enunciarmos a maravilha que é desenvolver a competência disto ou daquilo, é muito mais útil desenvolvermos efectivamente essa competência. Com trabalho e esforço. Porque alguns podem nascer com alguns dotes para a coisa, mas muito só se consegue pela aquisição de rotinas, pelo prazer do cálculo mental.

Ora isso não se alcança dizendo que a Matemática é muito difícil, ensinando-a a fugir da criação dessas rotinas, recorrendo às ditas calculadoras para poupar tempo e trabalho e apresentando a técnica como o auxiliar milagroso para aquilo que a mente humana da maioria dos pobres portugueses parece não conseguir atingir. Como se fosse uma fatalidade nacional.

E é um disparate enorme afirmar que os resultados de uma política com meia dúzia de meses, sendo que os meios mal chegaram às escolas, se vão medir já nos exames que estão aí.

Para Maria de Lurdes Rodrigues, o balanço de funcionamento do primeiro ano do Plano de Acção para a Matemática “é muito positivo”, sobretudo devido à adesão das escolas, tendo havido “mais trabalho, mais empenho e mais esforço” por parte dos professores.

Mas o verdadeiro balanço só poderá ser feito quando forem divulgados, em Junho, os resultados do exame nacional do 9º ano, já que só então será possível confirmar se o trabalho se traduziu ou não numa diminuição significativa da percentagem de negativas.

“O teste final deste Plano de Acção é a realização dos exames deste ano. Pela primeira vez, a esses resultados o país não associará apenas o desempenho dos alunos, mas também das escolas e dos professores, para o melhor e para o pior”, avisou a ministra, perante uma plateia constituída por dezenas de docentes, na cerimónia destinada a assinalar o primeiro ano deste programa.

Declarações como as de Maria de Lurdes Rodrigues são infelizes e imprudentes. A menos que os exames venham com “truque”.

  • Infelizes porque colocam uma pressão adicional (a pressão é algo com que devemos saber lidar, mas não nestes termos) sobre docentes e alunos quanto aos resultados a obter nos exames, como se isso fosse o pagamento exigido pelo equipamento das escolas.
  • Infelizes porque – e eu sou um adepto da existência de exames, não o vou esconder – querem fazer crer que em seis meses se recuperam problemas acumulados ao longo de 9 ou mais anos de escolaridade.
  • Imprudentes porque parecem esquecer que os resultados gerais dos exames dependem, para além do desempenho de alunos e professores, do trabalho dos autores dos exames e dos próprios critérios de correcção. E nós estamos bastante habituados a que, muitas vezes, se ignorem as deficiências notórias de muitos exames produzidos pelo ME.

Assim como só quem está por dentro sabe da maior ou menor largueza dos tais critérios de correcção. Porque, sim é verdade, mesmo em relação à Matemática, é possível mexer com as classificações dos exames.

Basta, por exemplo, aconselhar que não se descontem na cotação certos erros. Aliás basta confirmarem com as indicações dadas aos correctores da provas de aferição de Matemática de 9º ano realizadas em 2004 (o último ano em que se realizaram)  e tudo aquilo que então não se deveria considerar passível de penalização.

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Mais palavras para quê?