Podemos tentar romanceá-la ou meramente olhá-la com objectividade, maior se for de fora. Daniel Oliveira tenta reescrevê-la a partir do seu ponto de vista, de protagonista disfarçado de observador, sendo que ambos estão comprometidos com uma das leituras dos factos.
O texto que escreve no jornal que mais fez pela ascensão e queda do Bloco é interessante pelas deformações do olhar que contém. Pode ser «escrito por alguém que esteve profundamente envolvido na sua fundação, que foi seu dirigente e que é seu militante», mas essas tanto são as suas vantagens quanto limitações.
A efabulação sobre os objectivos originais do Bloco esbarra com aquilo que um observador não comprometido, mas não desinteressado ou totalmente desconhecedor, conclui com alguma facilidade: existia um partido de esquerda radical com uma razoável estrutura de bases (UDP), mas sem grandes figuras apelativas para o eleitorado, ao mesmo tempo que existia outro partido da esquerda radical com bastantes individualidades mas escassa implantação no terreno, em especial fora de algumas avenidas de Lisboa e, quiçá, de uma ou outra cidade do continente (Setúbal, Porto). A juntar a isto existiam ainda uns farrapos de dissidências diversas e grupos com nomes giros criados para manter alguns nomes no radar mediático (Ruptura-FER, Política XXI).
Deste cozinhado algo desconchavado de sabores muitos diversos e por vezes conflituantes, quis fazer-se algo como uma harmonioso cassoulet ou (para quem preferir peixe) um bouillabaisse, isto para ser fiel à matriz francófona desta espécie de esquerda nova que não era bem uma New Left, até porque os ingleses fazem revistas boas de extrema esquerda, mas fracassam bastante em partidos. Num momento mais inspirado, poderia ser uma boa sopa da pedra de Almeirim, mas num mau um amontoado de ingredientes sem grande sentido.
Daniel Oliveira pode mitificar as origens, afirmando que «resumir o Bloco a uma aliança de grupos de extrema-esquerda não é apenas uma caricatura. Torna impossível a compreensão das suas dinâmicas internas e das suas grandes opções políticas.» Só que impossível é compreender as grandes opções políticas de quem defendia vias diametralmente opostas para objectivos não necessariamente concordantes.
Teve graça, teve amplificação mediática muito favorável, inchou eleitoralmente e, com o tempo, manteve designações diferentes, mas tornou-se mais igual aos outros partidos na forma de agir, com uma ortodoxia, uma disciplina política, uma forma interessante de purgar inconveniências ou as manter afastadas dos círculos de decisão e uma crescente pessoalização da liderança.
O que inchou, desinchou por erros próprios, desfavores alheios, remoques pessoais e porque as coisas são o que são. Cachorros e gatos podem dar-se bem, mas o mais certo é que isso não aconteça, em especial quando a comidinha falta.
O que falha na explicação das origens gloriosas (de que se afirma protagonista), é acertado no diagnóstico dos males seguintes (nos quais não participou). Daniel Oliveira apresenta um passado dourado que ajudou a construir e um presente sombrio, causado em parte pelo afastamento daqueles que, como ele, se arrogam da tocha original.
Mas a verdade, a dura verdade, é apenas uma e a ela também lá chegamos mais perto do final do texto. Há uma opção a fazer: ou o Bloco é um partido de protesto, uma espécie de consciência da esquerda e deverá saber lidar com um peso eleitoral menos significativo ou o Bloco se assume como um partido capaz de fazer pontes para chegar ao poder executivo.
Obviamente, Daniel Oliveira opta pela segunda hipótese.
O papel do Bloco é ocupar um espaço amplo na esquerda, que não se revê nem na ortodoxia do PCP, nem na moleza do PS, mas que quer um Bloco disponível para soluções de poder. Foi essa esperança que levou o Bloco aos dez por cento e que o poderia ter levado ainda mais longe.
Resumindo. Daniel Oliveira poderia ter sintetizado o seu longo e didáctico artigo em poucas frases, a última das quais seria: «o Bloco foi criado para ser um partido de Poder e não de protesto».
É isso que é evidente para quem, como eu, viu o Bloco nascer de fora, mas perto de um dos núcleos jovens do então imaginativo PSR: a FCSH da Nova na segunda metade dos anos 80 e inícios dos anos 90. E que conhecia, pela proximidade, como funcionava a UDP num dos seus terrenos mais férteis. A margem sul.
O que esteve sempre em causa foi ganhar posições, lugares, Poder. Político, académico, cultural, mediático.
Ganhar Poder.
Junho 10, 2011 at 1:23 pm
O Bloco de Esquerda surgiu como uma lufada de ar fresco na esquerda portuguesa e trouxe a esperança de algo de novo, entre o conformismo do PS e o monolitismo e sectarismo do PCP. Havia ideias interessantes, convicções e pessoas inteligentes para lutar por elas e tentar levá-las à prática.
No entanto, olhando com um pouco mais de atenção para aquela nebulosa que se formou a partir de pequenas organizações, sempre me fez confusão aquela predominância de pessoas oriundas das CSH… Áreas académicas onde sobram ideias mas faltam oportunidades de emprego. Psicólogos e sociólogos, duas pragas dos tempos modernos, a juntar a muitos licenciados em relações internacionais, ciências da educação e outros ramos mais ou menos esotéricos das ciências sociais. Acho que dali também resultam severas limitações no pensamento e na acção, como aliás é evidente, por exemplo, no discurso sobre política educativa. Muitos chavões, muitos preconceitos ideológicos, mas falta de um discurso e de uma estratégia realmente transformadores da realidade…
Junho 10, 2011 at 1:47 pm
Hoje é dia da raça.
Junho 10, 2011 at 1:48 pm
http://www.publico.pt/Política/miguel-portas-diz-que-nao-e-candidato-a-substituir-ninguem_1498253
Junho 10, 2011 at 1:51 pm
Muitos portugueses não votaram no BE com medo que este se aliasse ao PS. Muitos mesmo.
Junho 10, 2011 at 2:36 pm
#4
Eu fui uma delas.
Junho 10, 2011 at 2:53 pm
O Calhau de Esquerda, perdão, o Bloco de Esquerda é uma excrescência inócua das causas “alternativas e fracturantes” do jacobinismo republicano – ainda que mais pulido, mais urbano, e menos fumarento – que o eng. Pinto de Sousa tratou de esvaziar. Só isso.
Junho 10, 2011 at 2:56 pm
“polido”, claro
Junho 10, 2011 at 2:57 pm
A sua alergia ao Daniel Oliveira tolhe a apreaciação que faz do seu excelente texto sobre o BE, concorde-se ou não com ele.
Junho 10, 2011 at 3:18 pm
Natureza
Genese
Doenças
da Equipa
Aquilo que Daniel Oliveira destaca como objectivo primordial sera compartilhado por todos os militantes? A que preço? Desde logo, sendo consensual que os partidos existem para disputar o poder, qual a razao para se chamar bloco em vez de partido, para ter coordenador nacional em vez de um secretario geral, para fazer convençoes em vez de congressos, etc, tec, etc…
Junho 10, 2011 at 6:16 pm
Uma lista para actualizar:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pol%C3%ADticos_de_Portugal_que_trocaram_de_partido
Junho 10, 2011 at 7:23 pm
O BE será sempre um partido precocemente envelhecido, uma vez que é o resultado de uma clonagem de material genético politicamente decadente.
A ocupação “de um espaço” político por exclusão de partes (PS e PCP) não traz nada de novo ou de estruturante, que se possa apresentar como algo de fundador de uma outra necessidade, de uma outra ideologia, para além do efémero.
Daí a rápida degenerescência do BE, a partir do momento em que se percebe que não serve realmente para nada, nem sequer para alimentar espúrias reivindicações de grupos “marginais”.
O PS desarmou todas as coreografias do BE (também apelidadas de “questões fracturantes”) e agora só resta a Via Sacra do esgotamento e do sacrifício no altar da velha esquerda.
No fundo não é só o BE que revela a sua inoperância e impotência perante o assalto do Capital, mas é toda a esquerda que se mostra sem alma e sem programa para fazer face ao rolo compressor da Nomenklatura mundial
Junho 10, 2011 at 8:40 pm
[…] Mas, agora, vamos à minha teoria sobre as causas da derrota. […]