Primeiro objectivo cumprido: usar prolegómeno no título de um post.

Agora as coisas mais sérias.

Sobre a reforma curricular, antes da definição de cargas horárias ou mesmo dos conteúdos programáticos (e tenham em atenção que não é compreensível definir-se um programa sem se saber quantas horas existirão para ele ser leccionado…) há que tomar uma opção de fundo relativa à filosofia da reforma que se pretende.

Há duas hipóteses básicas:

  • A reforma modernaça, toda adepta das teorias em voga nos anos 90 e já novo milénio, em que aquilo que mais interessa sãos as transversalidades, interdisciplinaridades e articulações variadas, traduzindo-se essa perspectiva na irrupção de Áreas e Educações para todas as cores e sabores no currículo, de preferência com uma avaliação soft de tipo qualitativo e pouco formal, melhor ainda se for sem efeitos na (não) progressão dos alunos. É o tipo de reforma em que à excepção da Língua Portuguesa, Matemática – por causa dos exames internacionais – todas as áreas ditas tradicionais perdem horas em favor das Educações para a Saúde (que entra pelas Ciências Naturais dentro) ou para a Cidadania (que destrona a História), assim como para aqueloutras coisas que dão pelo nome exemplar de áreas curriculares não disciplinares. É aqinda o tipo de reforma que traz consigo uma imensa carga ideológica vocacionada para o sucesso, em que as TIC entram como se fossem chave-mestra e panaceia para todos os males, como se fosse possível aprender apenas googlando, escrever e calcular porque se conhecem as funções do Word e Excel, criar e conceber um trabalho porque se é exímio nos efeitos do Powerpoint, Moviemaker ou Photoshop. Em que, se a coisa for bem pensada, jogar Sims substitui a Geografia. É uma reforma curricular em que se defende a existência de grandes áreas do saber e em que, dessa forma, recuamos uns milhares de anos na diferenciação disciplinar, preterida pela ideologia da indiferenciação do conhecimento. É o tipo de reforma que, em defesa da modernidade pós-pós-moderna, se esquece que o presente e o futuro próximo exigem polivalência do trabalhador raso, mas uma cada vez maior especializaçção do trabalhao qualificado. É uma reforma curricular destinada a desenvolver competências primárias, transmitir conhecimentos ultrabásicos e em que os alunos ficam preparados para um pouco de tudo e em especial para nada.
  • A reforma mais conservadora, que combate a fragmentação disciplinar existente por exemplo no 3º ciclo com o reforço das disciplinas nucleares e fundamentais na formação do indivíduo (Línguas, Matemática, Ciências Naturais e Ciências Sociais e Humanas, Artes), na base de programas adequados a uma carga horária condigna, deixando para o plano da frequência voluntária as tais áreas transversais, que os alunos poderiam escolher de acordo com os seus interesses. Seria uma reforma menos adepta da modernidade, mas em que o currículo seria mais flexível e em que as escolas poderiam escolher a composição de pelo menos 20% de um currículo que, no 3º ciclo, poderia ter 7 a 8 disciplinas obrigatórias e 2 a 3 opcionais de um leque de 5 ou 6, podendo os alunos frequentar livremente aquelas que entendessem, desde que existissem condições para isso. Em que poderia funcionar, nessas áreas de tipo opcional, um sistema de créditos. Claro que, como defendo há algum tempo, acho que este tipo de reforma deveria abranger um ciclo de escolaridade mais longo, que agregasse os 2º e 3º ciclos do ensino básico. Em que a estrutura dos 12 anos de escolaridade obrigatória fosse de 4+5+3, 4+4+4 ou uma configuração similar (talvez mesmo 5+5+2) que resguardasse um primeiro ciclo de iniciação não excessivamente alongado, um segundo ciclo de aprofundamento e diversificação dos conhecimentos e um terceiro (o actual secundário) de especialização em áreas de encaminhamento pré-universitário (neste caso o modelo mais adequado até seria o de 5+5+2).

Sei que nenhuma opção é a ideal, mas julgo que as coisas andariam (andarão?) mal, muito mal, se a ideia vencedora for a do alongamento do primeiro ciclo para seis anos numa lógica de alongamento do que já existe, comprimindo-se um segundo ciclo de estudos (que substituiria a lógica dos actuais 2º e 3º CEB) para três anos com predomínio da ideologia das grandes áreas do saber e um terceiro ciclo (actual secundário) que pouco adiantaria em termos de preparação pré-universitária. É verdade que tudo, desde o alastramento da lógica dos planos de recuperação e das variadas medidas paliativas contra o insucesso aos actuais 10º a 12º ano até à proliferação dos cursos ditos técnico-profissionais com uma avaliação maneirinha, indica que a solução será por uma escolaridade obrigatória fast-lane para exibir sucesso na Europa e pseudo-qualificações estatísticas.

Seria mau, muito mau que assim fosse. Seria a tentativa de queimar etapas num percurso educacional que deveríamos fazer de forma sustentada e com alicerces fortes, sem querer começar por pintar a casa e colocar o telhado quando ninguém sabe se a instalação eléctrica e as canalizações funcionam. E, mais grave, sem que se saiba se há alguém para as colocar em funcionamento.