Texto do Gabriel Mithá Ribeiro enviado para o Público e não publicado, que ele teve a simpatia de me enviar.
Estive hoje (24.01.2008) numa reunião de departamento para que os professores elaborassem instrumentos burocráticos para fazer avançar rapidamente o processo em curso sobre a sua própria avaliação de acordo com o novo Estatuto da Carreira Docente. Está-se a avançar à pressa para transformações profundas no papel da escola (para muito pior) apenas para dar resposta às urgências da agenda eleitoral do Partido Socialista, via Ministério da Educação, que é óbvio que pretende «despachar» o que pensa que fará render votos nas eleições de 2009. Para que o senso comum perceba o essencial, sistematizo:
(i) pelas linhas de orientação impostas para uma «nova» cultura profissional do corpo docente, está em curso um processo rápido de estupidificação social por via do ensino;
(ii) fica-se com a impressão de a prazo cada escola se transformar, nas suas hierarquias e burocracias, numa espécie de pequeno ministério da educação, isto é, um dos maiores cancros do sistema educativo avança com aparente impunidade para a criação de mil e um clones;
(iii) a burocracia, um seriíssimo problema estrutural do ensino, está a ser elevada aos extremos do absurdo;
(iv) a dimensão cultural e intelectual da docência, já de si deficiente, está a ser cilindrada em favor da dimensão burocrática e administrativa por responsabilidade directa de quem gere politicamente a educação;
(v) a pressão pela valorização do conhecimento, a única que poderia reconverter o papel medíocre da escola, está a ser suplantada pela pressão social da «comunidade envolvente», isto é, o descaramento legislativo está a apagar o princípio de se conceber a escola, em primeiro lugar, enquanto espaço específico do conhecimento, deriva ideológica que agravará a mediocridade intelectual em que as escolas vivem;
(vi) um ensino que já tinha as escolas, de algum modo, dominadas por caciques, escancara agora as portas ao caciquismo mais rasteiro a pretexto da aproximação às comunidades, a pretexto da «melhoria» da gestão e a pretexto de uma nova forma de avaliação dos professores;
(vii) escudados por essas pretensas inovações, os «iluminados» atacam a sala de aula enquanto espaço de intimidade intelectual entre professor e alunos, tentando transformá-la num «território» vigiado, inventando-se para isso umas aulas assistidas ao longo de toda a carreira docente por uns «controleiros» que, de maneira directa ou indirecta, mesmo que não o queiram individualmente, a pressão do sistema fará deles agentes do reforço do controlo ideológico das «ciências da educação» (ou de outro «lobby» que existirá no futuro) sobre a prática docente, atentando contra o essencial da noção de liberdade que morre se não for construída a partir do ensino.
Professores que tomem isso como normal, tanto do ensino básico e secundário quanto do ensino superior, era bom que tivessem um pouco de vergonha na cara. Não sei o que vai na alma do «actual» Partido Socialista, mas sei que a liberdade, naquilo que há nela de mais íntimo e essencial, está a ser cerceada, num processo que chegou à sala de aula. Resvalamos para domínios altamente preocupantes. E quem duvida disso era bom que estivesse nas escolas básicas e secundárias dos dias de hoje. Perceberia por evidência empírica o que pode ter sido, há pouco menos de um século, o resvalar para o totalitarismo. Felizmente ainda estamos no início. Mas só travaremos o «monstro» se o enfrentarmos na sua vontade férrea de imposição de um suposto «bem comum» que só «eles» (os que mandam) parecem ver. Os professores não são massa estúpida, gananciosa e interesseira, como o populismo alimentado pelo actual governo faz crer. Fazem parte do grupo socioprofissional mais vasto, qualificado e diversificado da nossa sociedade. E se nele não existe massa crítica, ela não existirá em mais lado nenhum. Só uma grande dose de ingenuidade fará acreditar na «bondade» e nas «boas intenções» do actual Ministério da Educação. Recordo que o Ensino é da Sociedade, não é do Estado e muito menos do «actual» Partido Socialista. Não é preciso ser-se de esquerda ou de direita para se perceber o que está em causa. Inacreditável é que aquilo que hoje e à pressa está a ser imposto às escolas vai sendo conseguido sem um contraditório consistente, quase sem escrutínio, num país que se diz democrático. António Sérgio falava n’«o reino cadaveroso ou o reino da estupidez». O que diria António Sérgio se assistisse ao que está a ser feito hoje ao ensino e, por via dele, a prazo, à sociedade?
Com os melhores cumprimentos,
Gabriel Mithá Ribeiro
Fevereiro 5, 2008 at 9:37 pm
Isto só lá vai com um Movimento de cidadãos organizado e/ou com a constituição de um Partido Político.
Mas não pode ser mais do mesmo. Tem que ser muito credível. E diferente do que existe.
…
Fevereiro 5, 2008 at 9:43 pm
De facto, é de um reino cadaveroso que se trata, que à míngua de qualquer outro adjectivo, faz deste cantinho algo em estado de putrefacção adiantada! Encerre-se o país, o tal de plástico de que fala o O’Neill.
Fevereiro 5, 2008 at 9:52 pm
Em vez de usarmos a blogo-esfera para «muro das lamentações», que tal a usarmos para nos auto-organizarmos?
Não será o momento ou nunca de avançarmos com a tal Associação de defesa da escola pública, que foi defendida por mais de trinta pessoas na assembleia presencial de 26 de Janeiro, convocada precisamente a partir deste blogue?
Afinal de que estamos à espera?
Existe uma lista de discussão para pessoas que estão dispostas a auto-organizar-se:
http://groups.google.com/group/escola-publica
A partir desta lista ou de outro modo qualquer, pode-se fazer reuniões a nível local para se debater os problemas que afectam a escola pública hoje.
Isso depende apenas da vossa/nossa vontade… não chorem, não se queixem, ajam!!!
Fevereiro 5, 2008 at 9:53 pm
Daqui a abrirem-se as portas da sala de aula à comunidade, vai o salto da uma pulga. Lá chegaremos ao dia em que as salas de aula receberão quem quer que seja que queira assistir.
E isto não é ficção. Já aqui escrevi e torno a escrever que, quando fiz estágio, foi dito isto mesmo:as aulas deviam receber quem lá quisesse aparecer. Na altura lembro-me de alguém ter dito que seria também interessante as salas de operações dos hospitais terem as portas abertas para a comunidade poder assistir, em directo, a um transplantezito, por exemplo.Em ambos os casos, se tudo corresse bem, até se aplaudia e tudo.
Fevereiro 5, 2008 at 9:57 pm
Devemos preocupar-nos com a proposta do comentário 3.
Fevereiro 5, 2008 at 10:02 pm
Colega: Tem aqui um texto claro e de utilidade indiscutível. Insista no pedido de publicação e entretanto faça também chegar esta mensagem ao Parlamento. Isto ainda é uma Democracia!
Fevereiro 5, 2008 at 10:37 pm
Por enquanto!!
Fevereiro 5, 2008 at 10:46 pm
“Os professores não são massa estúpida, gananciosa e interesseira, como o populismo alimentado pelo actual governo faz crer. Fazem parte do grupo socioprofissional mais vasto, qualificado e diversificado da nossa sociedade. E se nele não existe massa crítica, ela não existirá em mais lado nenhum. Só uma grande dose de ingenuidade fará acreditar na «bondade» e nas «boas intenções» do actual Ministério da Educação. Recordo que o Ensino é da Sociedade, não é do Estado e muito menos do «actual» Partido Socialista. Não é preciso ser-se de esquerda ou de direita para se perceber o que está em causa. Inacreditável é que aquilo que hoje e à pressa está a ser imposto às escolas vai sendo conseguido sem um contraditório consistente, quase sem escrutínio, num país que se diz democrático.”
Isto quer dizer que os professores têm também algum poder, que deveriam usar mais para influenciar a opinião pública e para tomar decisões dentro das escolas;há um método chamado de resistência passiva que não tem nada a ver com a passividade que se vê dentro do meio.
O Manel Baptista tem razão em querer mobilizar as pessoas dentro das escolas, mas tem de ser a fazer algo e não a discutir; pode ser a enviar protestos para a tutela, a entupir o site do ME com as questões das ilegalidades cometidas por eles; podemos fazer como eles e não cumprir prazos para a burocracia. A verdade é que não tenho tempo para fazer tudo: ou preparo as minhas aulas, produzo materiais, pesquiso coisas novas, avalio o que faço e o que os alunos progridem ou então torno-me numa “manga de alpaca” sem elas vestidas, porque agora usa-se o computador.
Fevereiro 5, 2008 at 10:56 pm
Será preciso criar um partido para defender a liberdade de pensamento e opinião nas escolas?
Será que as pessoas têm consciência do que estão a assumir? Isto é, que perderam a capacidade de reagir contra orientações político-administrativas que consideram perigosas e mesmo CRIMINOSAS?
Porque é disso que se trata: obedecer individualmente, com responsabilidade pessoal, a ordens que conduzem à desumanização e à destruição intelectual da imensa maioria que formará a futura geração de portugueses e portuguesas.
Não estou a brincar, tal como o não estará certamente Mithá Ribeiro.
Quem não estiver cego ou corrompido, não deverá alijar a sua responsabilidade moral na culpa colectiva, como forma de branqueamento do mal que está a ser levado a cabo.
Não são precisos partidos ou movimentos, mas tão só a coragem e a integridade para dizer NÃO!!!
E se fôr preciso partir o focinho a um SS (serviçal socrático), vamos a isso!
Fevereiro 5, 2008 at 11:00 pm
Uma coisa que cada professor pode fazer é calcular em quantas horas de trabalho anual se traduzem as 35 horas de trabalho semanal a que é obrigado; calcular em quantas horas de trabalho se traduz cada um dos «objectivos» propostos; recusar «objectivos» que não estejam quantificados em termos de horas de trabalho; recusar qualquer classificação inferior a «excelente» para os objectivos que tenha atingido se estes forem os melhores possíveis dentro dos limites de exequibilidade definidos a partir do número de horas previamente estabelecido, mesmo que outros colegas tenham feito «melhor» por terem trabalhado fora desses limites.
O que os sindicatos podiam fazer era elaborar tabelas de «objectivos» com as correspondentes cargas horárias e dar apoio à litigação de professores contra todas as tentativas de impor objectivos «abertos» em termos de tempo de execução.
Fevereiro 5, 2008 at 11:37 pm
Soa-me como usar as armas da gestão contabilística (do tempo) para combater o excesso de burocracia. Um único senão: a admissão de algo que não é razoável desde o início. Será que a não-razoabilidade não é demonstrável?
Fevereiro 5, 2008 at 11:39 pm
A Finlândia estará ao alcance de um tiro de canhão, como diria Camões?
É que lá, na Finlândia, os Sindicatos têm direito a opinião e, inclusivamente, estipulam os ordenados de quem trabalha. Em toda a questão laboral que se está a levantar, alguém deve ter confundido este país com o Sião, de Preste João.
Quem trabalha deve ser remunerado de modo justo e “QUEM NÃO TRABUCA NÃO MANDUCA” deveria estar cada vez mais actual. Parece que não está a acontecer, cada vez há mais chicos-espertos.
Fevereiro 6, 2008 at 10:20 am
Caro António Ferrão:
Acha que é um senão? Se admitirmos à partida como razoável o que sabemos muito bem ser absurdo, e se o levarmos até às últimas consequências, a coisa há-de rebentar por algum lado.
Se um número significativo de professores recusar exceder o número de horas de trabalho a que é obrigado anualmente, e se for bem apoiado nesta recusa pelos sindicatos, todo o edifício legislativo erigido por este governo desabará.
Fevereiro 6, 2008 at 10:55 am
Demonstratio Ab Absurdo: método perfeitamente válido, ainda assim indirecto. Falhando todas as demais tentativas, numa questão que me parece ser mais do domínio do senso comum.
Fevereiro 6, 2008 at 11:14 am
Reunam nas escolas entre pares, entre colegas, ou seja, confiem que todas as pessoas têm o direito de participar activamente na procura de soluções.
Quando digo soluções, não estou a pensar em nós nos substituirmos ao governo, nem a ensinar (como parece ser moda agora nos sindicatos!) ao governo exercer bem o seu mando e cumprir a (péssima) legislação que eles produzem…
Digo soluções de luta, de resistência efectiva… tudo o resto, são devaneios e realmente mais parecem… masturbações intelectuais!
Fevereiro 6, 2008 at 2:19 pm
Olá Paulo!
tenho sido uma leitora atenta do seu blogue (e também divulgadora compulsiva entre os meus colegas e amigos).
Nunca comentei, por falta de tempo para estruturar um texto aceitável, tamanha é a vontade de “esganar” esta equipa ministerial que todos os dias vomita horrores legislativos.
Estou a 30 minutos de entrar numa reunião para discutir os instrumentos de avaliação dos professores e já sinto palpitações! Vim dar uma espreitadela no Umbigo (no seu não no meu) para ver se me distraio um pouquinho.
Depois, talvez dê novidades!!
Cristina
Fevereiro 6, 2008 at 3:12 pm
Um texto muito interessante que alarga e aprofunda muitas questões pertinentes:
http://www.frankfuredi.com/index.php/site/article/5/
Fevereiro 6, 2008 at 3:17 pm
Eu sou pelo Absurdistão.
Fevereiro 6, 2008 at 5:17 pm
[…] de mais do mesmo? Preparamo-nos para obediente e mui diligentemente “dar a pata”? Mithá Ribeiro faz bem o diagnóstico da farsa da avaliação de professores e suas […]
Fevereiro 6, 2008 at 11:10 pm
Oxalá a massa crítica existisse mesmo em todos os professores!
Em todos, digo, em todos os órgãos colegiais formados por eles – um professor sozinho pouco vale, mas órgãos como estes (conselho pedagógico, de directores de turma, departamentos curriculares,etc), sim, poderiam mostrar a contestação, a supremacia intelectual dos professores e das escolas… antes que sejam, também, entregues aos pais e membros das colectividades comunitárias!
Fevereiro 7, 2008 at 12:17 am
A Lia Marques ainda acredita “Insista no pedido de publicação e entretanto faça também chegar esta mensagem ao Parlamento. Isto ainda é uma Democracia!”. Quantos e quantos textos não têm sido já redigidos e… alguém ouve alguma coisa?!?! Hoje, nos telejornais, apenas ouvi que a a Fenprof entregou “providências cautelares contra a avaliação do desempenho dos professores” . ou seja, mais uma pirraça dos professores, que não querem que lhes tirem o “bem-bom”! Ouve-se algo mais?!?!?! Alguém foi capaz de pôr o dedo na ferida?!?!
É como o Guinote bem diagnosticou… isto é o Absurdistão! Parece que ando a viver num filme surreal à Tim Burton… pena é que estes ainda têm poesia. A mim, arrancaram-me já tudo!
Fevereiro 7, 2008 at 8:45 am
Ontem na Assembleia da República discutia-se (?) a corrupção e o combate à mesma.
Pelos excertos televisivos notou-se o bocegar dos representantes (?) da Nação, enfastiados por terem de falar numa coisa tão deprimente.
Santana pedia mais uma “Comissão” ou qualquer coisa do género. Quando Jaime Gama ia dar poencerrado o debate-monólogo (?) lá apareceram uns zombies a dizerem qualquer coisa para que constasse das actas que os partidos são convicta e declaradamente contra a corrupção.
Mas eu fiquei esclarecido quando o deputado PS “me-deixa-louca”, na sua autoridade de ex-suspeito de pedofilia safo pelos amigos-de-avental, logo ali declarou que o Estado de Direito era o garante do combate à corrupção.
Olhei para a fotografia do Camarada-Padrinho e senti-me descansado, fiz uma festa ao pitbull e aconcheguei ao colo a caçadeira-de-canos-serrados, enquanto me imaginava a conduzir um camião carregado de explosivos na auto-estrada das 70 virgens…
Fevereiro 7, 2008 at 8:50 am
errata: onde se lê “bocegar”, deverá ler-se “bocejar”
“bocegar”: neologismo (bocejar de quem espera sossegar)
Fevereiro 7, 2008 at 10:21 am
Raios, escapou-me essa do deputado “me deixa louca”.
Quem, quem, quem?
É que me ocorre mais de um.
Inclusive um transatlântico.
Setembro 2, 2008 at 6:13 pm
eu achei mundo legal e interesante tambem eu e as minhas amiogas tambem gostaram po exemplo:rebeca arielle fernanda larissa jassica milena e livai