Ainda pelas páginas do Público, que hoje parasitei a pessoa amiga durante o final do almoço, encontra-se um artigo de opinião de Gonçalo Portocarrero de Almada (alguns detalhes bio-bibliográficos aqui e aqui), Vice-Presidente da Confederação Nacional das Associações de Famílias (site em manutenção) sob o título «Boa Educação».

Em si não tem muito de especialmente notável, pois apenas repete a argumentação já conhecida sobre a necessidade da livre escolha das escolas pelas famílias, assim como a defesa indirecta dos cheques-ensino para que as “famílias” possam ir em busca das melhores escolas para os seus filhos. Embrulha isso com algumas considerações sobre os rankings escolares, mas não valeria muita atenção não fosse uma ideia que convém reter e que o jornal até usou como destaque para o texto:

«Se as escolas mais bem classificadas recebessem os piores alunos, estes, decerto, não seriam tão maus»

Lida assim esta é uma frase notável e aponta para um conceito de valor aparentemente inegável: agarremos nos maus alunos e coloquemo-los nas melhores escolas e certamente teremos melhores resultados.

Pois é.

Era lindo se o mundo fosse assim.

Mas não é e eu adianto alguns pormaiores que obstariam à generalização de tal solução:

  • As “melhores escolas” estão quase todas em Lisboa e no Porto. Os maus alunos, infelizmente, andam espalhados por todo o país. Não estou bem a ver como seria possível colocar em prática tal processo de transferência dos  “piores alunos”.
  • As “melhores escolas” têm uma capacidade que julgo limitada para absorver alunos, sendo mesmo um dos seus segredos essa forma selectiva de acesso que permite um acompanhamento mais individualizado. Perante isso, gostaria de saber quantas “famílias” filiadas na CNAF estariam dispostas a que os seus educandos – caso estivessem matriculados ou em processo de candidatura nessas escolas – abdicassem do seu lugar e irem para uma “escola mediana”. Porque os “piores alunos” só o são depois de sujeitos a avaliação e, por isso, teriam de ser transferidos depois de já iniciado o seu trajecto escolar.
  • Parente muito próximo deste argumento é aquele que questiona quantos dos “melhores alunos” estariam dispostos a sê-lo um pouco menos, indo para outras escolas que não as melhores.

E poderia continuar a desenvolver esta linha de raciocínio por mais alguns parágrafos, não fosse por demais óbvia e perceptível por quem leu o que ficou escrito.

Eu compreendo o argumento implícito do vice-presidente da CNAF: há famílias que sentem uma sobrecarga financeira para poderem assegurar que os seus filhos frequentam as “melhores escolas” e acham justo que o Estado as compense por isso já que não recorrem à rede pública de ensino.

E deveria ser essa a posição exposta de forma clara: não queremos a escola pública, não gostamos dos valores que transmitem (é fácil consultar as posições da CNAF em matérias como o ensino religioso e a educação sexual), não queremos que os nossos impostos a paguem, devolvam-nos a quantia em causa na forma de um cheque mensal/anual.

Aceito essa forma transparente de colocar a questão. Posso não concordar com os pressupostos, mas respeito-a. É tão válida como qualquer outra, pois defende um determinado nicho de interesses da sociedade.

Agora usar o subterfúgio dos pobrezinhos dos “piores alunos” que com um cheque-ensino iriam de Ribeira de Pena, Nordeste ou da Pampilhosa da Serra (uso três exemplos retirados do ranking do DN feito com base nos exames do 12º ano) para os Colégios Mira-Rio, Cedros ou de São João de Brito e assim ficariam alunos “menos maus” é apenas um pretexto e um daqueles que usa terceiros para alcançar objectivos a que estes são estranhos.