Este longo final de semana deu para (re)encontrar familiares e amigos e conversar com eles sobre muita e desvairada coisa, entre as quais o famigerado liberalismo e a situação actual do ensino.

Curiosamente de um compadre assumidamente liberal no plano fiscal e económico – daqueles que querem taxas fiscais únicas e um legislação nesse plano tipo Frasquilho plus encontrei a recusa de um sistema hierarquizado na carreira docente, pelo que depreendo que um liberal de uma ala bem extrema vive sem grandes dramas com carreiras de progressão horizontal, dependendo dos sectores de actividade. E a pessoa em causa não é liberal por iuvir falar, pois até já teve funções de alguma responsabilidade, no âmbito daqueles cargos de confiança política que dependem do poder executivo.

Por outro lado, ainda hoje em encontro com antiga colega de trabalho, actualmente num Conselho Executivo e a preparar uma reunião amanhã com a nossa Ministra, ouvi exactamente a defesa bastante entusiasmada das novas medidas que a tutela está a implementar. Justificações: “como as coisas estavam não podia ser”, “isto tinha de levar uma volta, porque pior não era possível”“agora é que me vou poder livrar de uns cromos que andam por lá” e outras coisas do género. Para demonstrar que entre a classe docente existe, residual ou não, algum ancoramento das decisões ministeriais (desregulamento dos concursos, partição da carreira, sistema de quotas) e que a sua implementação, em especial ao nível de alguns (quantos, em que proporção, não sei…) Conselhos Executivos é bem vista e encarada com uma atitude de activa colaboração e não apenas de submissão resignada.

No entanto, e paralelamente, fiquei a perceber melhor, com testemunho pessoal directo ou involuntário, várias coisas de que já suspeitava (e como eu, muitos outros).

  • Há Conselhos Executivos que encaram esta oportunidade como a possibilidade de “purgarem” as suas escolas, refugiando-se no guarda-chuva da investida ministerial para não ficarem com todo o odioso da questão. Embora alegando critérios de qualidade do desempenho – mas então porque não colocavam processos disciplinares aos incumpridores? – percebe-se que existirão acertos de contas pessoais que serão agora saldados e que vários dias das facas longas se vão aproximando.
  • Quando confrontados com situações, concretas ou teóricas, de abusos de poder cometidos ao abrigo das novas (como das velhas) regras, nomeadamente casos de descarada favorecimento pessoal e de estabelecimento de esquemas que desvirtual qualquer hipótese de regeneração do sistema, a resposta fica-se por um “lamento, pois, isso não devia acontecer, mas sabes que é impossível evitar tudo“.
  • Por outro lado, muitas pessoas que criticam a criação de sistemas de turmas “segregadas”, com umas de “excelência” e outras de “necessidades educativas” ou “alunos difíceis”, defendendo a necessidade de existirem turmas com um pouco de tudo, equilibradas e onde os melhores ajudem os mais fracos, depois não transferem esse raciocínio para o próprio corpo docente, encarando-o como um conjunto de pessoas em que há bons, menos bons, satisfatórios e alguns razoavelmente incapazes, que é necessário ajudar. Neste caso, querem ser chefes de corpos docentes de elite, expelindo os “maus elementos” para onde calhar, porque isso não é seu problema. Não deixa de ser interessante que teorias inclusivas em matéria de gestão dos alunos, correm a par de teorias de limpeza dos nincapazes ao nível dos docentes. São “esferas de acção” diferentes, eu sei. Mas que algo me incomoda, lá isso incomoda um bocadinho.
  • Muito mais curioso – ou nem tanto – é ainda saber que muitas reuniões de CE’s com a tutela decorrem num ambiente de geral aquiescência ou puro mutismo, sendo muito esporádicas as críticas das pessoas presentes às indicações recebidas, mesmo quando delas discordam. A explicação é do tipo “é que não sabemos o que nos pode acontecer…“. Percebe-se, portanto, e com toda a clareza, que os CE’s não são propriamente os interlocutores dos docentes coma tutela, mas meros receptáxculos prudentes e quase mudos das directrizes transmitidas. Tudo com base num certo temor pelas consequências da mais pequena manifestação de desconforto ou insubordinação. Nada que não soubesse por este ou aquele testemunho, mas que agora se vão acumulando. No grupo de CE’s em causa que já se reuniu diversas vezes com a tutela, o silêncio é a estratégia, quanto muito pedem-se esclarecimentos sobre a melhor forma de fazer e, na melhor das hipóteses, há uma voz discordante. Ponto final.

Por tudo isto, se a raíz do problema que actualmente recai sobre os docentes é a política ministerial, o tronco ou pelo menos um dos seus ramos é exactamente a ausência de poder de choque ou de confronto de ideias entre os CE’s e a tutela, sendo que aqueles acabam por resumir-se – com maior ou menor desconforto e sei que estou a generalizar, quase ignorando as excepções que felizmente ainda se fazem ouvir – a meros executores de políticas que lhes são apresentadas como inegociáveis, sem margem para discussões e num clima de nebulosa atemorização de quem tiver um olhar alternativo sobre a realidade.

A noção de que a negociação directa entre o ME e os CE’s é algo favorável aos docentes e uma forma mais eficaz de fazer sentir a sua voz e as suas opiniões junto da tutela – sem as eventuais distorções assacadas aos sindicatos – é a mais completa e rematada mistificação, porque a voz dos docentes neste momento está muda, porque a calaram e porque quem dá o rosto em teórico nome dos docentes dos agrupamentos e escolas está mais receoso quanto às consequências que pode sofrer por verbalizar dúvidas do que assumir uma discordância.

E se isto é algo que vagamente se assemelhe a processos próprios de uma democracia e a uma relação saudável entre parceiros eu vou ali à esquina e já venho.

Porque neste ambiente de temor e reverência, pode alimentar-se uma falsa ilusão de unanimismo, tanto por causa da estratégia de imposição como pela falta de coragem em resistir de forma crítica.