O Rodrigo Queiroz e Mello quando diz boa parte do que pensa é um espectáculo, embora sirva para percebermos como funcionam certos ambientes mentais.

O documento permite roubar até 25% da carga curricular de algumas disciplinas para reforçar outras, que sejam consideradas mais relevantes. “No limite, permite começar a preparar uma criança para entrar em Medicina desde o 5.º ano”, exemplificou nesta quinta-feira o director executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), Queirós e Melo.

Claro que há famílias em que, desde o óvulo, a criança já está destinada a ser médica ou outra coisa assim ao nível das expectativas m/paternas, sendo que muito pouco pode fazer contra tal predestinação.

Mas o que é mais ridículo – e no seu entusiasmo destrambelhado RQM nem sequer se apercebe da contradição, mas eu aprendi que nem toda a gente consegue imaginar o outro lado da lua – é que se considera que isso é colocar a criança no centro das preocupações e afrontar os interesses dos adultos, quando o que se passa é, exactamente, pré-determinar destinos das crianças desde um momento na vida em que elas não têm ainda capacidade para ter certezas sobre profissões futuras, quanto mais construir matrizes curriculares em cima disso.

O que se estará a fazer é a ceder aos interesses exactamente de alguns adultos e a quebrar o princípio da universalidade da formação ainda em idade muito tenra.

O texto da portaria, apresentado nesta quarta-feira pelo ministro da Educação, apanhou de surpresa os representantes dos directores das escolas públicas. Mas não surpreendeu os dirigentes da AEEP, frisou Queirós e Melo ao PÚBLICO, congratulando-se por a decisão do MEC “estar na linha do que a associação propõe há anos” e elogiando “a coragem do Governo” por “afrontar os interesses dos adultos e colocar no centro os das crianças”.

Quanto ao resto, aquele entusiasmo desmedido com os “momentos transformadores” (faltou recorrer ao chavão da “mudança de paradigma”) só esquece que em muitos sítios é impossível fazer tal especialização, por falta de uma verdadeira rede de estabelecimentos escolares, pois a sua concentração triturou a diversidade dos projectos educativos.

Que a ideia é potencialmente interessante?

Sim, é… e até poderia conduzir a experiências como as das magnet schools americanas.

Mas os moldes nunca poderiam ser estes de reduzir algumas disciplinas a uma presença residual. Os 25% de acréscimo a uma dada área deveriam ser atribuídos de forma autónoma e não totalmente à custa da formação em outras áreas.

Assim como tal especialização nunca deveria acontecer tão cedo… pois – tal como no vocacional – o estreitamento das opções da miudagem é algo que só os prejudica, mesmo se os papás e as mamãs podem ficar entusiasmad@s com o potencial doutorzinho, como antigamente se sonhava com o engenheiro.

Porque o que assim criamos é seres potencialmente mais pobres em termos intelectuais, unidimensionais e especializados desde uma idade tão precoce quanto um qualquer atleta de alta competição que só sabe nadar ou bater bolas para o lado de lá da rede.

Claro que esta é uma cedência óbvia à AEEP – e não estranho que o Conselho de Escolas pareça nem ter sido ouvido – que pretende criar escolas completamente direccionadas para as expectativas de um lote específico de “famílias” que agora só esperam que ainda lhes caia um cheque no regaço para pagar boa parte dos seus “projectos”, nos quais a criança é um mero veículo e raramente o centro.

Desde o início deste mandato que este lobby específico tem os dois pés metidos no MEC, nem que seja pelas poderosas ligações estabelecidas por lá na última década.

Ainda me interrogo se era para isto que o jovem RQM foi direccionado desde o 5º ano…