Depoimento com o tema “A Língua: Património ou Negócio?” enviado para a Assembleia da República, enquanto uma das entidades ou pessoas a ser ouvidas pela Comissão de Educação sobre a petição 259/XII/2.

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À Assembleia da República
A/c
Exmº Sr Deputado José Ribeiro e Castro,
Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura

28 de Junho de 2013

Assunto: Informação sobre a Petição nº 259/XII/2

Na sequência do pedido expresso no vosso ofício nº 263/8ª – CECC/2012, através do qual me é solicitado que me pronuncie sobre a petição acima mencionada, Pela desvinculação de Portugal ao “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” de 1990, cumpre-me prestar o curto depoimento que se segue subordinado ao tema A Língua como Património ou como Negócio?

  1. Considero como de interesse nacional patriótico a iniciativa dos autores da petição em causa por pretenderem defender, por todos os meios legítimos ao seu alcance, um dos elementos mais fundamentais do património cultural português, que é a sua língua tal como ela é falada, ouvida e escrita entre nós, após um processo de evolução histórica que a modelou, enriqueceu e tornou plural.
  2. Considero que o AO90 é um atentado ao património linguístico português por se constituir como um instrumento de formatação imposta do exterior, no sentido do empobrecimento desse património, amputando-o e apresentando soluções uniformizadoras artificiais a algo que está em permanente evolução, dentro e fora do espaço português.
  3. Considero muito grave que parte dos argumentos que sustentam o interesse político na implementação obrigatória do AO90 sejam de natureza comercial, apresentando a língua como uma mercadoria similar a qualquer outra transaccionável, em que a lógica da massificação e da reprodução quantitativa aos mais baixos custos substitui o respeito pela especificidade de um bem cultural que é intangível na sua essência e especificidade. Ler Gil Vicente, Camões, Vieira, Sá de Miranda, Garcia de Orta, Eça ou Garrett em versões assépticas para consumo generalista é um atentado à cultura nacional e um péssimo serviço prestado às novas e futuras gerações de portugueses.
  4. É evidente que a língua, falada ou escrita, evolui, transforma-se e precisa de referenciais que funcionem como um padrão. Mas esse padrão não deve, nem pode, ser imposto de forma autoritária, com base em posições de facção, atentatórias da liberdade cultural, nem pode confundir-se com fórmulas únicas que reduzem a diversidade linguística e cultural de um modo anti-democrático.
  5. O processo de definição, difusão e imposição do AO90 é a antítese de uma defesa consistente da língua como um elemento específico e diferenciador da cultura portuguesa num mundo globalizado, em que cada vez mais as diferenças são esmagadas por uma lógica de homogeneização, apresentada como facilitadora da comunicação, mas que na verdade se limita a obedecer aos critérios comerciais do menor custo.
  6. A língua deve ser tratada como um património a valorizar no que tem de particular, sendo o seu valor tanto mais alto quanto seja capacidade para atrair pela sua singularidade. O Português não pode ser tratado como uma mercadoria para consumo fácil, imediato e de baixo valor, mas como um bem cultural que se destaque pelo que tem de específico em cada um dos espaços em que é falado e escrito. Em nenhum momento se espera que, à moda do Estado Novo, se derrubem e refaçam obras do património arquitectónico português para que correspondam a uma matriz única e adequada a um imaginário considerado ideal e mais facilmente identificável e consumível pelas massas. O que o AO90 pretende acaba por ser algo assim: transformar o Português numa língua refeita, sem arestas, própria para um mundo sem espaço para o que é único. O valor global do Português depende da sua capacidade de se afirmar como único na sua riqueza plural transcontinental e não de uma opção pela sua redução a um produto indiferenciado de marca branca.
  7. Por tudo isto, que alinhavei sem recurso a citações ou fundamentações documentais que acrescentariam em erudição exibida o que poderiam fazer perder em concisão e clareza, considero que a aceitação das propostas feitas na petição nº 259/XII/2 é um imperativo patriótico na defesa do património cultural e linguístico nacional e um acto inadiável de defesa do que nos vai restando em matéria de soberania e identidade nacional.

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Quinta do Anjo, 28 de Junho de 2013
Paulo Jorge Alves Guinote
Professor do Ensino Básico
Licenciado em História e Doutorado em História da Educação
Criador do blogue A Educação do meu Umbigo