Há uma passagem polémica da entrevista de Nuno Crato ao Sol que, embora lida na sua extensão não tenha o tom tão provocatório do título (“Contestação na rua vai acontecer”), merece um pouco de atenção…
Está preparado para sofrer contestação de rua como a que teve Maria de Lurdes Rodrigues?
Eu acho que não. Acho que não vai acontecer. por uma razão: eu percebo que haja grandes problemas em alguns sectores, eu percebo a situação humana em que estão muitos professores contratados – eu percebo isso. Mas também creio que existe um entendimento por parte dos professores e por parte dos directores de que nós estamos a trabalhar para melhorar a Educação em Portugal. Portanto, tenho o maior respeito pelos nossos professores e directores. Estamos em contacto permanente. Oiço muitos directores e oiço muitos professores.
É que nem sei por onde começar, já nem querendo alfinetar com a descoordenação da resposta. O “Acho que não” quereria dizer, na sequência da pergunta, que Nuno Crato não está preparado para sofrer contestação. E segue-se uma razão que é substituída por coisas que ele percebe. Compreendo a ansiedade da resposta, mas… raios. É o MEC a falar, não um nogueiraleite com défice de acentuação.
Mas vamos ao essencial: não, não há entendimento nenhum por parte dos professores em relação a estas políticas (e muito menos que achem que são para melhorar a Educação na maioria dos casos) e arrisco mesmo dizer que existiam irredutíveis socráticos em maior número na defesa de Maria de Lurdes Rodrigues do que os que actualmente defendem minimamente as políticas de Nuno Crato nas escolas. Acho que o MEC confunde o menor nível de animosidade que desperta com um apoio que não existe. Se ouve muitos professores e directores ou anda a ouvir gente muito fofinha ou não anda a ouvir bem o que lhe dizem. Se entendem, entendem outra coisa. Aliás, entre os professores a palavra entendimento tem ressonâncias amaldiçoadas e não é lá muito querida.
Aquilo em que Nuno Crato aposta é na conjugação dos seguintes factores:
- A simpatia com que foi acolhido e a animosidade pessoal que não desperta como despertou MLR.
- Desgaste da classe docente que foi carne para canhão no combate aos governos de José Sócrates, em especial entre 2007 e 2010.
- Descrédito das organizações sindicais nas escolas seja porque estão sempre a dizer o mesmo, entendendo-se com o Governo só quando as mandam a partir de cima e não das bases (Fenprof), seja porque acabam sempre a entender-se com todos os Governos (FNE). Isto não esquecendo que se prestam a ser muletas… a Fenprof de Isabel Alçada e agora a FNE de Nuno Crato.
- Atomização das frentes alternativas de contestação, preocupadas mais na centralidade das suas preocupações particulares do que no serviço a uma causa comum.
- Medo instalado entre os professores dos quadros, após perceberem que o seu vínculo se tornou uma irrelevância e um obstáculo formal para um Governo que segue as pisadas dos anteriores na relação com a letra das leis em vigor quando decide fazer novas com efeitos temporais de todos os tipos.
- Desespero entre os professores contratados, muitos deles há mais de 10 anos, que se apercebem de não terem mais mercado de trabalho, numa fase complicada das suas vidas pessoais e familiares.
- Agressividade exacerbada em alguns sectores de candidatos à docência, parecendo disponíveis para aceitar qualquer trade off para obterem o lugar desejado, mesmo se for à conta do colegas dos anos anteriores (são aterradores muitos comentários, em especial em grupos do FB, em que se nota uma clara distinção entre bons/maus, nós/eles, contratados/do quadro).
Esta conjugação, aliada à desconfiança em relação aos partidos políticos com base no que se passou nos últimos anos (promessas quebradas, iniciativas interessantes que se sabem condenadas ao fracasso, etc), faz com que Nuno Crato, em particular, e o Governo, em geral, tenham um menor receio que a contestação nas ruas suba de tom.
O problema é que pode existir um erro de avaliação em tudo isto, pois nem sempre tudo corre como o previsto. É verdade que se pode estar na fase descendente da mobilização em relação a 2008-2009. Mas também é verdade que podemos estar a atingir o ponto mais baixo da parábola e seguir-se novo movimento ascensional.
O anúncio da FNE na 3ª feira foi um rastilho inesperado.
Esta entrevista de Nuno Crato, certamente feita quase na mesma altura, um pouco de gasolina deitada em cima do rastilho…
Setembro 7, 2012 at 7:13 pm
“Na alma do povo, as vinhas da ira crescem espraiam-se pesadamente, pesadamente amadurecendo para a vindima.”
Setembro 7, 2012 at 7:20 pm
Percebe? Percebe o caraças! estivesse ele na pele dos desgraçados e outro galo lhe cantaria. O que me irrita neste indivíduo é a arrogância, o tom falsamente paternalista e o ar sonso de falinhas mansas. Esta delicadeza que de início conquistou muita gente, porque o distinguia radicalmente da agressividade da antecessora de má memória, está a tornar-se-me odiosa, porque é uma estratégia maquiavélica e conscientemente adoptada para anular qualquer reacção desfavorável. Funciona como açúcar para apanhar moscas.
Setembro 7, 2012 at 7:22 pm
[…] de um ministro impreparado para o cargo. O Paulo Guinote fez esse trabalho com competência aqui, aqui e aqui, o que me permite enfatizar os dois principais equívocos do cratês: considerar que as […]
Setembro 7, 2012 at 7:37 pm
Nuno Crato entrou a cantar de galo, ia implodir o ministério da educação, tinha ideias era ambicioso mas não se sabia no que se estava a meter. Deu-se mal, foi engolido pelo ministério e acaba apenas por ser a cabecinha decorativa do monstro.
“Não podemos falhar” era o que dizia Passos Coelho e o que Nuno Crato repetia. Para não falhar Nuno Crato arrumou as ideias que trazia, arranjou outras mais simples, agora basta apenas cortar na despesa e fazer de conta que se faz, a contestação dos professores até será bem vinda, é uma boa desculpa para falhar.
Setembro 7, 2012 at 7:48 pm
Com esta entrevista e com o discurso do PM fica provado que os membros do governo deixaram de viver no País real (vamos partir do princípio que por cá andaram antes de irem para o Governo) e mudaram-se para outro Universo que nem sequer é paralelo ao nosso.
Setembro 7, 2012 at 10:02 pm
Paulo,
Pode, por favor, explicar porque é que o anúncio pela FNE da vinculação de contratados funcionou como rastilho? Mas rastilho para quem?
Juro que não entendo.
Setembro 7, 2012 at 10:19 pm
#6,
Costuma passar pelo FBook?
A violência dos comentários que têm surgido nos últimos dias a favor, contra ou mesmo sem saberem se a favor ou contra?
Chegou a receber uma petição a pedir para que não exista vinculação feita por alguém do quadro, alegando umas coisas esquisitas?
O “rastilho” é o líder da FNE prestar-se a um papel similar ao líder da Fenprof em 9 de Abril de 2010…
Dizer algo perfeitamente irrealista.
Um anunciou a rendição do ME de então em matéria de avaliação (viu-se… nesse dia saiu legislação para o concurso dos contratados em que contava).
O outro anunciou “para este ano” uma vinculação extraordinária perfeitamente mirabolante, porque inexequível.
Setembro 7, 2012 at 10:26 pm
“O outro anunciou “para este ano” uma vinculação extraordinária perfeitamente mirabolante, porque inexequível.”
… mas que vai ser feita, aposto.
Depois discutimos a coisa… Até lá, vou ficando a tentar perceber tanta animosidade a respeito da ideia.
Setembro 8, 2012 at 2:49 pm
Colega Paulo Guinote,
Estou de acordo com o que está escrito neste texto “Nuno CratoXXL- 3” e o que mais me intriga é saber qual vai ser a reacção da classe docente relativamente ao futuro.
Portanto, perante uma classe com a “espinha quebrada” (a começar pelos contratados que estão a ser os primeiros em grande escala a apanhar uma “paulada”), prevejo que vai ser a seguinte:
1º- O “clube dos resignados” (não lutam e/ou metem atestados médicos);
2º- O medo instalado entre os professores dos quadros tentando salvar-se cada um por si (facilmente o “verniz vai estalar”);
3º-Agressividade em alguns sectores da docência (basta perceber a que nível chegamos para haver uma petição para mais nenhum professor entrar no quadro).
Penso que uma grande parte dos professores só “saltam para a rua” se houver uma noção que 35% da classe corre risco de ficar com horário zero nos próximos 5 anos e do poder de compra ficar igual ao ano de1996! (entre 2011 e 2014 os salários reais vão perder 14% do seu valor).
Setembro 8, 2012 at 2:53 pm
ttt além disso vai ser feita também uma plataforma cientifica em que o ferro se transforma em ouro…ingénuos..