Caro Paulo Guinote,
Envio-lhe o texto de uma moção aprovada na Escola Secundária de Vilela, do concelho de Paredes, no passado dia 5 de Fevereiro de 2009, em reunião geral de professores, com 61 votos a favor, 28 contra, 17 brancos e 1 nulo, contra a entrega dos objectivos individuais. Pode divulgar o texto à vontade. Espero que seja útil. Continuação de bom trabalho.
Saudações cordiais,
João Paulo Sousa

Ex.mo Sr. Presidente do Conselho Executivo

Com conhecimento público

Os Professores da Escola Secundária de Vilela, reunidos em 5 de Fevereiro de 2009 e subscritores deste documento, não irão apresentar objectivos individuais, como forma de manifestarem a sua discordância quanto à aplicação do sistema de Avaliação do Desempenho Docente (ADD), instituído pelo Decreto Regulamentar n.º1-A/2009, de 5 de Janeiro, pelas razões a seguir aduzidas:

1. Ao assentar na divisão artificial, arbitrária e injusta entre Professores e Professores Titulares, resultante da divisão da carreira docente preconizada pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, e ao consagrar situações de desigualdade na avaliação das diferentes categorias dos docentes, desvalorizando a componente científico-pedagógica da avaliação e privilegiando a componente organizacional e administrativa na avaliação dos Coordenadores de Departamento e dos Avaliadores com competência por eles delegada, o modelo de avaliação do desempenho docente aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009, de 5 de Janeiro, não está orientado para a qualificação do serviço docente, como um dos caminhos a trilhar para a melhoria da qualidade da Educação, enquanto serviço público. O modelo de avaliação instituído pelo referido Decreto Regulamentar destina-se, sobretudo, a institucionalizar uma cadeia hierárquica dentro das escolas e a dificultar ou, mesmo, impedir a progressão dos professores na sua carreira, por meros objectivos economicistas.

2. A maioria dos itens constantes das fichas de avaliação não é passível de ser universalizada: alguns itens só se aplicam a um número reduzido de professores; outros, pelo seu grau de subjectividade, ressentem-se de um problema estrutural – não existem quadros de referência em função dos quais seja possível promover a objectividade da avaliação do desempenho. De facto, a especificidade, a diversidade, a multiplicidade e a complexidade da profissão docente dificilmente se conciliam com fichas, instrumentos de registo e grelhas elaboradas tendo como referência um modelo ou padrão, aplicadas sem qualquer estudo prévio nem testagem, nomeadamente quanto ao carácter operatório dos conceitos valorativos que estruturam a avaliação dos parâmetros. Não estão, assim, asseguradas a fiabilidade, a validade e a objectividade dos vários instrumentos avaliativos que a equipa de trabalho dos avaliadores desta escola tentou construir.

3. O pendor pesadamente burocratizante deste sistema de avaliação, a sua absurda complexidade e a pressão institucional para a sua implementação a todo o custo têm convergido no atropelo, desrespeito ou incumprimento da própria legislação que institui este sistema de avaliação. Refiram­‑se, a título de exemplo, os seguintes casos:

a.     Inexequibilidade do disposto no número 3 do artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 2/2008, relativamente ao arquivo dos instrumentos de registo no processo individual do docente.

b.     Penalização dos professores colocados em escolas não avaliadas ou com fracas menções qualitativas no âmbito da avaliação externa, no que diz respeito às percentagens máximas para a atribuição das menções qualitativas de Excelente e de Muito Bom.

c.      Ausência de garantias de justiça e equidade, de acordo com a lei geral, e de meios e condições, de acordo com o artigo 11.º do Decreto Regulamentar n.º 2/2008.

4. Perante as graves dificuldades encontradas pela equipa de trabalho dos avaliadores, durante o processo de elaboração dos instrumentos de registo e de todo o material de apoio ao processo de avaliação do desempenho dos docentes, esta escola contactou a equipa responsável pelo apoio técnico-científico à implementação do processo nas escolas, no sentido do esclarecimento do rol de dúvidas sobre a aplicabilidade deste modelo. Da reunião com esta equipa técnica, no dia 12 de Novembro de 2008, não se obteve qualquer resposta às dúvidas colocadas, tendo-se concluído que este modelo, por via da sua complexidade burocrática e das quotas que estabelece, carece de exequibilidade técnica.

5. Na sequência da falta de esclarecimentos prestados na reunião supracitada, a equipa de trabalho dos avaliadores contactou, por sugestão expressa da Directora Regional de Educação do Norte, uma equipa de apoio à implementação do processo de ADD, com representantes do Alto Tâmega e do Baixo Tâmega. O resultado desta reunião de trabalho, no dia 21 de Janeiro de 2009, foi considerado similar ao da efectuada em Novembro de 2008, não tendo, uma vez mais, sido possível encontrar qualquer resposta satisfatória às inúmeras questões propostas, todas concernentes à operacionalização e à objectivação do processo de avaliação. Pelo contrário, apenas foi referido, pelos membros da equipa de apoio, que a escola deveria, no âmbito da sua autonomia, ultrapassar as questões técnicas, sem, no entanto, ter sido referido qualquer exemplo concreto dos meios a aplicar.

6. O próprio Conselho Científico para a Avaliação de Professores (CCAP), nomeado pelo Ministério da Educação através do Decreto Regulamentar n.º 4/2008, de 5 de Fevereiro, alerta, num relatório datado de Julho de 2008, para «…o risco de a avaliação se constituir num acto irrelevante para o desenvolvimento profissional dos docentes, sem impacto na melhoria das aprendizagens dos alunos, que conviria evitar desde o início…». Refere ainda que: «Esse risco poderá advir da burocratização excessiva, da emergência ou reforço de conflitualidades desnecessárias e do desvio das finalidades formativas e reguladoras que um processo de avaliação do desempenho profissional deve conter. Poderá, ainda, resultar da adopção ou imposição de instrumentos de registo ou de procedimentos pré-concebidos, sem que os interessados tenham recebido a informação necessária ou sido devidamente envolvidos num processo de participação…».

7. O processo de implementação das várias etapas do sistema de avaliação, em especial as que concernem a formulação, a apresentação, a negociação e o acordo, entre avaliadores e avaliados, relativamente aos objectivos individuais, à observação e análise das aulas, à tramitação final de atribuição e validação das propostas de classificação, só é, pois, possível com o desrespeito do que está legalmente determinado, nomeadamente quanto ao horário docente, com atropelos constantes de direitos e com enorme prejuízo do empenho dos professores no que deveria ser o núcleo central da actividade docente, o processo de ensino e aprendizagem e o apoio aos alunos.

8. A entrega dos objectivos individuais (adiante referidos como OI) não é um dever profissional dos professores, pois não consta como tal em nenhum dos documentos legais que regulam a sua actividade. Com efeito, no Estatuto da Carreira Docente são citados como deveres profissionais «desenvolver a reflexão sobre a sua prática pedagógica, proceder à sua auto­‑avaliação e participar nas actividades de avaliação da escola», no art.º 10.º, n.º 2 g). Por seu turno, o Decreto Regulamentar n.º 2/2008 apenas estipula que «constitui dever do docente proceder à respectiva auto­‑avaliação como garantia do envolvimento activo e responsabilização no processo avaliativo e melhorar o seu desempenho em função da informação recolhida durante o processo de avaliação», no art.º 11.º, n. º3, salientando ainda que a avaliação, na óptica do avaliado, se inicia com o «preenchimento de uma ficha de auto­‑avaliação sobre os objectivos alcançados na sua prática profissional», de acordo com o art.º 15.º. Ao abdicar do seu direito de entregar os OI, o professor não pode ser penalizado nem ficar afastado do seu dever de se auto­‑avaliar, remetendo para o seu superior/avaliador a responsabilidade da definição dos objectivos, já que não existe proposta prévia (conforme o ponto 4 do art.º 9.º do Decreto Regulamentar n.º 2/2008). Assim sendo, nunca haverá um vazio no que respeita à existência dos OI, razão por que também não surge como obrigatória a sua fixação pelo próprio, nem qualquer penalização pela sua não apresentação.

Em suma, os professores signatários pretendem continuar a exercer todos os seus deveres profissionais, como sempre o fizeram, e a participar na vida da escola e das suas estruturas, apresentando, no final do ano lectivo, a ficha de auto­‑avaliação ao Presidente do Conselho Executivo. Não deixam, contudo, de manifestar, uma vez mais, a sua discordância (que até aqui não foi ouvida) relativamente a este modelo de avaliação e ao actual Estatuto da Carreira Docente – que em nada contribuem para a «melhoria das qualificações profissionais, pedagógicas e científicas do docente» nem para o sucesso nas aprendizagens dos alunos – e de mostrar que as ameaças e as pressões psicológicas não são formas de lidar com pessoas responsáveis pela educação e pela formação de jovens.