Troca de mails, cuja reprodução foi autorizada pelo meu interlocutor.
Caro colega,
Gostaria de saber a sua opinião, como pessoa que, provavelmente, terá acesso a muito mais informação do que eu.
Na minha escola [do Agrupamento De Escolas de Castelo de Paiva], o prazo de entrega dos OI termina 2ª feira. Depois de toda a luta, já uma grande maioria os entregou.
O orgão de gestão informou que, expirado o prazo, terão que elaborar uma lista de nomes dos “incumpridores” e enviá-la à Direcção Regional (DREN, neste caso). Não sabem para que querem a lista, mas deduzem que seja para instaurar processos disciplinares. Mais foi dizendo que, sem OI, não aceitaria a ficha de auto-avaliação no final do processo.
Como sabe, as moções anteriormente assinadas deixaram de fazer sentido. Grande parte dos professores, a nível nacional, entregou ou vai entregar os OI. Um dos argumentos dos sindicatos era o de que seria impossível processos disciplinares a 120.000 professores. Ora, já não somos 120.000.
Gostaria que me dissesse o que pensa do que lhe escrevo. A opinião dos sindicatos, já a conheço. Mas os sindicatos (eu não sou sindicalizado) são também parte interessada nesta matéria. E, infelizmente, perderam esta causa. Todos perdemos.
Digo eu…
Cumprimentos
Leitor devidamente identificado que solicitou anonimato
Resposta minha:
Colega,
Essa situação é comum a muitas escolas.
E o dilema estende-se a muitos colegas.
Torneando a questão e evitando os chavões típicos do discurso sindical (e é público e sabido a minha relação não pacífica com os sindicatos), eu diria o seguinte, baseado na minha experiência pessoal e conversas com colegas.a) Nós vivemos com a nossa consciência e devemos agir de acordo com ela, em muitos casos sem olhar para o que fazem ao nosso redor, sob pena de perdermos o respeito por nós mesmos.
b) Dito isto, nunca incitarei ninguém a fazer algo, se sentir que isso pode ter consequências negativas insuportáveis para essa pessoa e/ou família,
c) Ainda dito isto, se todos seguirmos a maioria, não restará ninguém para marcar a diferença e deixar as sementes para algo novo. Os sindicatos foram praticamente derrotados. Restamos nós. Podemos ser só 12.000 em vez de 120.000 mas mesmo assim seremos muitos e não serão poucos os que entregaram os OI que, perante o ataque aos colegas, recuperarão parte da sua dignidade.
Não sei se lhe respondi tão directamente como gostaria, mas é a única forma que encontro, neste momento, para reagir a este tipo de falta de coragem que assolou muitos colegas, fruto de uma paciente táctica de erosão desenvolvida pelo ME.
Um enorme abraço e toda a minha compreensão (faça o que fizer)
P.
Janeiro 31, 2009 at 4:02 pm
Antes de tudo um abraço ao colega que trabalha na minha terra natal, terra com uma forte tradição de submissão à igreja e ao poder central. Bom, creio que é natural que quando as pessoas não se sentem protegidas por uma qualquer estrutura tendem a sentir-se fragilizadas. E isso parece-me mais ou menos natural, pese embora um pouco mais de tradição de liberdade nos colocasse numa posição de maiores convicções. Sou professor na Madeira e por cá não estamos nessa angústia de entregar ou não os OI (provavelmente para o ano vem essa história para nós se entretanto avançar no continente). Não posso dizer se os entregaria ou não. Creio que não. Mas não os entregando é natural que surgisse daí como consequência uma carga interminável de trabalhos. O que custa saber é que esta imposição é conra praticamente todos os docentes deste país (menos 13) e o que custa ainda mais é que os Conselhos Executivos devem administrar a escola, mas também devem saber geri-la humanamente. E estes CE não o estão a fazer. Deveriam ser eles a dar algum conforto e protecção aos professores. É para isso que foram eleitos. Não faz qualquer sentido que estejam a agir submissos e contra a vontade dos docentes. Por outro lado, é mais ou menos consensual que um governo centralista ganhe toda e qualquer luta. Que havemos de fazer? Não existem soluções milagrosas. Estamos numa fase em que só resta o que o Paulo indicou, a consciência de cada um. E, claro, ainda que este governo fosse muito bom noutras matérias e ainda que a oposição não esteja à altura, uma solução que se me faz sentido é votar para os tirar de lá. É o que merecem da nossa parte.
abraço e coragem
Janeiro 31, 2009 at 4:04 pm
É verdade que somos todos diferentes! E no que toca a coerência, a coragem, a determinação nem se fala! Há quem queira lutar sem correr riscos! Há quem suspenda a avaliação e a seguir corra para o CE pedindo que definam os seus objectivos! Há quem tenha perdido tempo e dinheiro a fazer greves e manifestações e, agora que chegou a hora de verificar quem é quem, tenha metido o rabinho entre as pernas e vá de definir objectivos e iniciar o seu processo de avaliação! Há quem diga hoje uma coisa e amanhã outra! Tal como o ME! Olho para tudo isto e imagino o riso escancarado de MLR a ver a filinha de professores intimidados e assustados com um papão que, por acaso, nem consta de qualquer decreto-lei! Nem é preciso! Há professores que se assustam perante qualquer sopro na orelha! Acredito que para MLR tenha sido muito fácil exercer o seu papel determinado! Com gente que só luta se tiver a garantia dos governantes de que pode dormir descansado, convenhamos que é fácil conseguir levar até ao fim qualquer lei, ainda que injusta e já completamente adulterada. Temos sorte de a lei que contestamos ser esta! Amanhã o ME pode até ousar fazer pior, já tem a garantia de que os professores são obedientes! Conselhos Executivos e Professores têm a obrigação de manter a posição assumida até aqui, já que não existe qualquer novo decreto-lei que nos faça alterar a nossa posição! Definir ou entregar objectivos é pactuar com uma lei que tem sido contestada por todos e que tem transformado a vida das escolas num inferno! Definir ou entregar objectivos é dizer SIM a MLR! É reconhecer que o ME tinha razão! É confessar ao país que somos uns cobardes e que preferimos pactuar com um erro do que lutar pela verdade e pela razão! Espero para ver o número de professores que baixou a cabeça, mas quero acreditar que a maioria é digna do papel que desempenha na sociedade e do exemplo de cidadania que dá às novas gerações! Aos que entregaram ou pensam entregar objectivos, fica a garantia de que podem dormir descansados porque alguém continuará a lutar por eles! NÓS!
Janeiro 31, 2009 at 4:26 pm
“Nós vivemos com a nossa consciência e devemos agir de acordo com ela, em muitos casos sem olhar para o que fazem ao nosso redor (…).
A chave.
Janeiro 31, 2009 at 5:33 pm
Os PCE/DE estão-se nas tintas para os professores. Querem que todos se calem e façam tudo direitinho, conforme mandam as DREs, não vá fugir-lhes o tacho. Acontece que a maioria, destes PCE/DE,já nem sabe o que fazer numa sala de aula, pois já ocupam o cargo há pelo menos 20 anos.
No meu agrupamento,Monte de Caparica, a ex-PCE já tomou posse como DE, na 1ªsemana de Janeiro, não fosse o ME mudar de ideias.
Janeiro 31, 2009 at 6:06 pm
Caro Paulo,
Desculpe discordar da seguinte frase: “…Os sindicatos foram praticamente derrotados…”
Se a derrota aconteceu fomos todos os professores derrotados. Não existem sindicatos sem professores.
José Marques
Janeiro 31, 2009 at 6:08 pm
Caro colega, gostaria de acrescentar algo ao que o Paulo lhe disse:
Sabe que, a partir do momento em que decidi não entregar os o.i., tornou-se-me irrelevante saber se somos muitos ou poucos? Eu decidi agir não me submetendo ao medo e à prepotência, ou seja, decidi ser livre e coerente com a minha consciência (como o Paulo sublinhou). Em suma, decidi ser totalmente responsável pelos meus actos nesta matéria: não aceitar donos. Nem imagina como, depois disso, me sinto bem comigo mesmo!
Mas se não houvesse mesmo mais ninguém? Ora mas há: são 120 000! Agora muitos podem ter medo, vacilar, desistir, etc, mas eu sei que eles não concordam com nada do que este m.e. lhes manda fazer com o sentido de destruir a escola pública. Isso me basta para não me sentir sozinho.
Felizmente, e sei-o, entre outros, graças aqui ao Paulo, que há muitos, mas mesmo muitos que acreditam o suficiente em si próprios e no seu próprio julgamento para não cederem. Ah, admito-o caro colega, estar em tal companhia é bom, é muito bom!
Janeiro 31, 2009 at 6:22 pm
Já não é novidade para quem anda nesta escola há tantos anos como eu (quase 30)que haverá sempre quem faça a luta pelos outros, por isso eu continuo disposta a fazê-la independentemente do que vier a acontecer. Não entreguei, nem tenho medo do que possa acontecer. Não voltaria a andar de cabeça bem levantada se depois de tudo quanto na minha escola disse e fiz, ao longo de muitas lutas, agora me dobrasse à vontade de gente na qual não reconheço um minímo de seriedade.
Janeiro 31, 2009 at 6:41 pm
Atenção: se por acaso o ME perguntar a um PCE os nomes dos professores que não entregaram OI, este deverá delatar os professores? O que é que um PCE deve responder? Aconselho a que ele, se não tiver coragem de denunciar o carácter delator da pergunta do ME, pelo menos diga:
A) Nesta escola há x professores que concordam com o modelo de avaliação do ME
B) Nesta escola há x Professores que discordam do modelo do ME e que decidiram não fazer a sua aplicação nos moldes determinados pelo ME, alegando as seguintes razões (e deve, eticamente, enunciá-las ou enviar para o ME as moções em que os professores se justificaram).
O PCE não tem o direito de «embarcar» na lógica do ME
O PCE não está «impedido» por ninguém de referir ao ME as razões da discordância dos colegas
Janeiro 31, 2009 at 7:05 pm
Lá vamos nós outra vez para os diálogos de surdos.
Mais surdo é aquele que não quer falar.
Janeiro 31, 2009 at 7:08 pm
Ora aí está uma resposta serena, firme, mas serena…
Janeiro 31, 2009 at 9:11 pm
Bom. Pelos vistos foi como eu augurava.
O radicalismo deu no que deu.
Paulo Guinote, qual é a sua resposta ao email afinal’?
Janeiro 31, 2009 at 11:48 pm
Depende da sua situação. Se estiver no 10º escalão ou se for titular é uma questão de dois anos de tempo de serviço, caso queira aceder ao 11º prometido no memorando. Senão, pense melhor. Pondere tudo e decida de acordo com aquilo que lhe vai na alma. Ninguém assumirá as consequências por si.
Conheço escolas onde poucos entregaram, outras onde entregaram todos, na minha mais de 50%. Eu entreguei e sou titular do 10º escalão. Porquê? Porque estou farto disto tudo, só quero dar aulas. A luta está perdida porque todos erraram nela. Devíamos ter feito tudo, e isto implodiria. Sem protagonismos e calmamente, com discrição e decência. Assim, seremos todos (desde a ministra, passando pelos profs…..) coveiros da escola pública.
Janeiro 31, 2009 at 11:51 pm
“Seremos”, fale por si.
Fevereiro 1, 2009 at 12:19 am
Excepção feita a sua excia jurema.
Corrigido
Fevereiro 1, 2009 at 12:33 am
Como é que se sabe números da entrega dos OI se a avaliação é sigilosa?
ECD
art 53
2—Todos os intervenientes no processo, à excepção
do avaliado, ficam obrigados ao dever de sigilo
sobre a matéria.
Fevereiro 1, 2009 at 2:38 am
Para começar, concordo com a resposta do Paulo. Além disso, uma vez que o seu PCE me parece um “pato bravo” atrevo-me (ser querer empurrá-lo para qualquer decisão) a acrescentar…
“O órgão de gestão informou que, expirado o prazo, terão que elaborar uma lista de nomes dos “incumpridores” e enviá-la à Direcção Regional”
Se o fizer, o seu PCE viola o disposto no número 2 do artigo 53º do ECD e a lei de protecção de dados pessoais. Incorre em infracção disciplinar.
“Não sabem para que querem a lista, mas deduzem que seja para instaurar processos disciplinares”
A instauração de processos disciplinares aos colegas é da exclusiva competência do PCE, de acordo com o disposto no número 1 do artigo 115º do ECD.
“Mais foi dizendo que, sem OI, não aceitaria a ficha de auto-avaliação no final do processo.”
Esta “instrução” deverá ser posta por escrita com a respectiva fundamentação de direito (instruções ou esclarecimentos da DGRHE ou da DREN não são lei). Ser avaliado é um direito seu (se o quiser exercer) que lho negar tem de fundamentar de facto e de direito. Entregar a ficha de auto-avaliação é um dever ser, se o PCE lha recusar (por escrito, obviamente) violará os procedimentos da avaliação incorrendo (novamente) em infracção disciplinar.
“Todos perdemos (a causa)”.
Há (na educação) causas maiores que esta mas não creio que esta esteja perdida.
Fevereiro 1, 2009 at 2:40 am
#15
Os números não têm nome. Uma lista nominativa é que não é possível.
Fevereiro 1, 2009 at 4:40 pm
Paulo
Não entreguei os meus o.i., na minha escola cerca de 20% dos professores não os entregou. De modo nenhum pretendo ter tratamento diferenciado dos meus colegas, pese embora o facto de o meu marido ser o PCE da escola onde lecciono. Apesar de ser titular, também não me considero priveligiada ou protegida de algum modo por deter esta posição. Felizmente, este ano, não serei avaliadora. Para concluir, resta-me dizer que mantenho a convicção, que defini melhor na concentração de professores no dia 24 de Janeiro, em Belém (estive perto do Paulo e do Garcia Pereira, presenças decerto, sempre inspiradoras), de que a nossa luta deve prosseguir e devemos por todos os meios ao nosso alcance combater este modelo de avaliação e o ECD.
Fevereiro 1, 2009 at 10:21 pm
Muito se interessam os ratos com o que se passa à volta! Têm a cabeça e o coração vazios e por isso copiam os outros, desde que lhes garanta o mínimo dos esforços. Instinto de sobrevivência. Não se exige mais de ratos. Às pessoas exige-se racionalidade e responsabilidade.
Informo que a partir do no ECD o poder de instaurar processos aos professores passou a ser do PCE e não dos serviços centrais. Até era bom que fosse a IGE para ficar entupida e não dar em nada porque passaram-se para a oposição.
A DRELVT já esclareceu que não há lugar a processos porque não há fundamento. A quebra de deveres só pode ser alegada quando há outros lesados. É assim como o dever de preservar a vida que só se aplica aos outros e não a nós próprios, se não houver outros em risco. O facto de não entregar OI não lesa ninguém (a não ser o próprio) ou cabe ao acusador provar que lesou. Ou esqueceram essa parte dos processos disciplinares? Tem que haver acusação com provas em como o acto causou dano ou é susceptivel de vir a causá-los.
Fevereiro 1, 2009 at 11:56 pm
Estou para aqui a ver se me decido. Tenho a folheca feita desde a semana passada. Na minha escola, penso que apenas dez ou doze de quarenta docentes não entregarão os OI. Este grupo está perfeitamente convicto de que nada na legislação poderá obrigar-nos a algo que não é um dever mas um direito. Gostaria de ter esta certeza… seria bem mais fácil manter-me fiel aos meus princípios se soubesse que o bem estar da minha família não seria afectado por uma atitude minha. Não sei o que fazer!…
Fevereiro 2, 2009 at 12:07 am
Também estou com o mesmo problerma!