Só hoje li o artigo sobre este tema na revista do Expresso da semana passada. Sobre a forma como nos Estados Unidos se prepara a 5ª versão da DSM e se pretende tornar doença e medicalizar aquilo que é mera experiência humana de sofrimento e dor. Como se as emoções tivessem deixado de poder ser vividas e fosse preciso tornar-nos todos dormentes.
Fevereiro 1, 2013
Fevereiro 1, 2013 at 4:16 pm
Recordo como a homosexualidade en quanto doença foi “revista” no DSM, sob a pressão da comunidade gay nos Estados Unidos desde 1973, sendo aligeirado o diagnóstico em 1980, para acabar por ser retirado em 1986.
O DSM é uma obra de ficção e como muitas outras ajuda a ter uma visão sobre o mundo e aquilo que nos rodeia, mais nada do que isso.
Fevereiro 1, 2013 at 4:17 pm
Ou seja, querem que se torne num “Admirável Mundo novo” com sorrisos ao quilo graças ao engolir diário de qualquer “soma”…
Que se arrolem as patologias que precisam de ser tratadas, tudo bem, mas…
…. que tipo de mal estar pretendem agora transformar em patologia? O Estar-se triste umas semanas pela morte de alguém?( causa quebra na “produtividade” imparável e tal..) o não se conseguir ser indiferente ao sofrimento dos outros em redor??? (não li o artigo nem comprei o espesso…)
Provavelmente, por outro lado, não transformarão em patologia o achar-se lucrativo para as acções na bolsa a proporção em que se despedem os trabalhadores de uma empresa cpomo se fossem “gorduras”… Certamente não considerarão patologia a prática do mobbying/assédio laboral, ou o desejo de fazer cortes sociais à toa, ou o querer deitar-se ao lixo ou na indigência os mais velhos(que alguns desses doentes designam por aí por “velhadas”), etc etc…
Fevereiro 1, 2013 at 5:15 pm
Pode ser que lá caiba a estupidez em forma humana com internamento compulsivo.
Fevereiro 1, 2013 at 6:10 pm
#0
Não li o artigo em causa, mas a ser como afirma é, de facto, preocupante.
Se, por um lado, a DSM tem sido um instrumento relevante na medida em que tem facilitado a objectividade/uniformização de critérios que permitem classificar e diagnosticar as perturbações mentais, por outro, pode também tornar-se num instrumento “perigoso” no sentido de poder vir a legitimar a banalização das doenças mentais e/ou de classificar como doenças mentais aquilo que na realidade não o é.
Esperemos que assim não seja e que a próxima actualização da DSM o não permita…
Fevereiro 1, 2013 at 6:19 pm
Ao mesmo tempo que eliminam a histeria dos vários eixos da DSM
Fevereiro 1, 2013 at 7:04 pm
O discurso “psi”, tão insidiosamente presente na esfera societal e comunicacional, continua a sua cruzada normalizadora e niveladora daquilo que, pela sua natureza mesma, deveria ser único e irredutível: a experiência humana.
Esta deriva normalizadora, higienista e de um moralismo insuportável – escorado no domínio da intangível e inatingível correção política -, configura um quadro biopolítico que prescreve, de forma assaz imperativa, modos e estilos de vida cada vez mais assépticos e exangues. Pretende explicar-nos como devemos viver, sentir e pensar “correctamente”.
Os indivíduos são incentivados a refugiar-se numa pseudo-interioridade cada vez mais débil e banalizada, ou não fosse ela apenas o reflexo de deambulações que se esgotam em puro narcisismo (“o cuidado de si”, o culto do “juvenilismo”, a intransitividade nas relações) ou ainda num phatos penosamente artificioso, lamechas e inconsequente (vejam-se, a título de exemplo, a natureza dos vídeos que se tornam virais na Net ou movimentos como o que se criou para salvar um cão que matou uma criança em Beja).
Fevereiro 1, 2013 at 7:14 pm
#4
Creio que existe alguma confusão entre “objectividade” enquanto explicação científica e “objectividade” enquanto justificação subjectiva.
De qualquer maneira pode existir sempre um aproveitamento oportunista de descrições supostamente científicas. Basta recordar o internamento compulsivo de “psicóticos” anti-regime na ex URSS.
Mas vamos lá ver, então e os milhares de alunos que estão medicados com Ritalina? Porque será?
Fevereiro 1, 2013 at 7:30 pm
#6
Percebo melhor agora que a expressão “fascismo higienista” não é assim tão exagerda
Fevereiro 1, 2013 at 7:30 pm
exagerada. Sorry.
Fevereiro 1, 2013 at 7:56 pm
Depois de ler na diagonal as críticas ao DSM-V
http://www.healthnewsreview.org/2012/12/critic-calls-american-psychiatric-assoc-approval-of-dsm-v-a-sad-day-for-psychiatry/
acredito que a indústria farmacêutica poderá triplicar a facturação, beneficiando do aumento da medicação a crianças em idade escolar que não se encaixam no perfil da normalização-inclusão.
Um verdadeiro teste para a escola terapêutica e para os verdadeiros professores…
Fevereiro 1, 2013 at 8:09 pm
No seguimento do Manifesto de Barcelona, deixo aqui o Manifesto do Porto: “Por uma abordagem não medicalizante nem patologizante da educação”
“Por uma abordagem não medicalizante nem patologizante da educação”
Um grupo de cidadãos, profissionalmente ligados a instituições de formação no campo da educação e da saúde, sedeado na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, com base (i) na preocupação sentida pelo processo de medicalização crescente de todas as esferas da vida a que se assiste na atualidade, (ii) nos direitos garantidos em documentos fundadores como a Declaração dos Direitos do Homem e dos Direitos da Criança, e (iii) na reflexão empreendida por diversos grupos de cidadãos em todo o mundo e, em particular, pelo Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (S. Paulo, Brasil), organiza no presente documento os pontos que pretende constituintes da base para ações de reflexão política sobre a medicalização da aprendizagem e do comportamento.
Esta Plataforma, enquanto organização colectiva espontânea descentralizada, em que cada um se constitui em porta-voz desta intervenção crítica contra a patologização e medicalização da infância e da vida quotidiana, constitui-se na senda de gerar uma opinião pública internacional contra a administração abusiva de medicamentos, confundindo-se os inevitáveis desequilíbrios, estados de desânimo e comportamentos que inevitavelmente a vida quotidiana produz, com casos de enfermidade. Transferindo o que são problemas sociais, políticos e pedagógicos para o reino do biológico, a patologização e medicalização da educação escolar afirma-se num quadro de transformação artificial de problemas decorrentes da incapacidade da escola para lidar com uma população que não considera munida de predisposições que o funcionamento do sistema exige, em problemas do foro médico.
· Entende-se por medicalização o processo que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos. Problemas de diferentes ordens são apresentados como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios” que escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas que afligem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos. Nesse processo, que gera sofrimento psíquico, a pessoa e sua família são responsabilizadas pelos problemas, enquanto governos, autoridades e profissionais são eximidos de suas responsabilidades.
· O deslocamento da procura de soluções educativas, no âmbito da escola, para o campo das soluções psicologizantes e medicalizantes legitima “cientificamente” a ausência desresponsabilizadora de respostas educativas democráticas numa escola de massas, naturaliza e deixa invisíveis fenómenos de exclusão.
· Como consequência, a aprendizagem e o comportamento – campos de grande complexidade e diversidade – têm sido alvos preferenciais da medicalização.
· Uma vez classificadas como “doentes”, as pessoas tornam-se “pacientes” e consequentemente “consumidoras” de tratamentos, terapias e medicamentos, que transformam o seu próprio corpo no alvo dos problemas que, na lógica medicalizante, deverão ser sanados individualmente.
· O estigma da “doença” faz uma segunda exclusão dos já excluídos – social, afetiva, educacionalmente – protegida por discursos de inclusão.
· Muitas vezes, profissionais, autoridades, governantes e formuladores de políticas eximem-se de sua responsabilidade quanto às questões sociais: as pessoas é que têm “problemas”, são “disfuncionais”, “não se adaptam”, são “doentes” e são, até mesmo, judicializadas; com isso se desviando, por vezes, a atenção a situações do foro médico, exigentes de intervenção em conformidade.
· A medicalização tem assim cumprido o papel de controlar e submeter pessoas, abafando questionamentos e desconfortos; cumpre, inclusive, o papel ainda mais perverso de ocultar violências físicas e psicológicas, transformando essas pessoas em “portadores de distúrbios de comportamento e de aprendizagem”.
· Tendo em conta os efeitos no desenvolvimento e aprendizagens das profecias auto-realizadas, uma rotulagem precoce, mascarada de “diagnóstico”, produz efeitos que podem condicionar o desenvolvimento de uma criança, na medida em que esta se vê a si mesma com a imagem de si que os outros lhe devolvem.
· Daí que, em referência ao Manifesto del Forumadd, se corrobore a afirmação de que todas as crianças e jovens merecem que se atenda ao seu sofrimento psíquico e que os adultos atenuem o seu mal-estar. Todos, na sua condição de cidadãos, merecem ter acesso a tratamento diferenciado, segundo as suas necessidades, assim como à escuta de um adulto que possa ajudá-los a encontrar caminhos criativos de superação desse mal-estar, e a redes de adultos que os possam apoiar.
· Considerando a hegemonia dos interesses económicos que, actualmente, com grande acutilância, atravessam todas as esferas da vida, é um exercício de cidadania a atenção actuante e vigilância crítica a práticas e orientações que, em nome da ciência, servem interesse que pouco têm que ver com os direitos das crianças e suas famílias.
O sistema mundial conhece e explora a lógica do desejo, já que, ainda que venda felicidade, sabe que o contrário da tristeza não é a alegria mas a actividade.
“Para Colina o TDAH (Transtornos do Deficit de Atenção com Hiperactividade) deve ver-se como a reacção infantil a um conflito que retém o desejo, e algo de similar se pode dizer de muitos comportamentos dos chamados transtornos limite da personalidade na adolescência e na idade adulta. (…) Em resumo, sempre que o desejo está comprometido, a acção inibe-se ou intensifica-se” (C. Rey, 2012). Consumismo no discurso capitalista, hiperactividade para o discurso da evidência científica, este último da “causalidade biológica e dos modelos condutivistas a que o discurso universitário deu púlpito e cátedra” (ibidem), que excluem a dimensão do desejo e o sentido interpretativo dos actos, inscreve-se no retorno ao reducionismo biológico que informa as engenharias do eu, negligenciando o saber que vem do sujeito que se maneja melhor na sua ausência.Com isso se escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, afectivas e culturais que afligem a vida das pessoas; se engendram formas subtis de tomar questões colectivas como individuais, responsabilizando as pessoas individualmente e as famílias, num magma de enorme sofrimento. E a escola permanece mais intocada, intensificando-se a sua vertente de lugar privilegiado de reprodução social.
Porto, 1 de Julho de 2012
stopdsm@gmail.com
http://stopdsm.blogspot.com
http://www.medicalizacao.com.br/
Fevereiro 1, 2013 at 8:13 pm
#11
Link para o Manifesto do Porto:
http://stopdsm.blogspot.com.es/2012/07/manifesto-de-porto-por-uma-abordagem.html
Fevereiro 1, 2013 at 8:19 pm
#8
Expressões como essas tornam-se contraproducentes porque banalizam os conceitos, retirando-lhes impacto e rigor.
Usar conceitos como “fascismo” a torto e a direito banaliza-os perigosamente, tornando-os soundbites.
Convirá, antes, abordar estes fenómenos na perspectiva de um dispositivo de poder biopolítico, que cruza o discurso psi e medical (a normalização estatística, caucionada pelo cientismo), o discurso ideológico (o individualismo artificioso e exacerbado) e o discurso tecnocrático da gestão administrativa da vida.
Fevereiro 1, 2013 at 10:03 pm
#11
O perigo de qualquer fundamentalismo é apresentar uma outra realidade igualmente totalitária.
Não se pode cair no absurdo de dizer que não existem situações limite em que só uma medicação adequada poderá ajudar a lidar com um problema grave de comportamento agressivo e anti-social.
Depressões profundas (como aquelas vividas pelos progenitores que assassinam os próprios filhos), crises de violência irracional que fazem perigar qualquer um, devem ser contidas e medicadas para o bem de todos.
A socialização não anula o indivíduo nem o animal biológico que continuamos a ser no mais profundo do nosso determinismo neuro-químico.
Invocar o “desejo”, ou outra qualquer entidade metafísica, não nos ajuda muito a lidar com a loucura e com a barbárie…
Fevereiro 1, 2013 at 10:32 pm
# 7
É evidente que existirá sempre a tentação de “um aproveitamento oportunista de descrições supostamente científicas”. De qualquer forma, não era isso que aqui estava em discussão: o principal objectivo da DSM passa por tentar uniformizar os critérios que permitem classificar e diagnosticar as perturbações mentais e é nesse sentido um instrumento que procura dotar os procedimentos de avaliação psicológica de um maior nível possível de “objectividade”. O que não significa que a DSM, per si, possa ser vista como sinónimo de “explicação científica”.
Quanto à “ritalina”, ou melhor, quanto à prescrição desmesurada e, muitas vezes, abusiva desse fármaco é, quanto a mim, quase um problema de “saúde pública”. Mas isso é sobretudo um problema de quem avalia e, supostamente com base nisso,prescreve…
Fevereiro 1, 2013 at 10:45 pm
#11 e #12
Muito bem!
Obrigada.
Fevereiro 1, 2013 at 10:56 pm
#15
Na realidade são muitas vezes os professores, face à necessidade de manter o controlo de uma turma, que insistem com os pais para a necessidade de medicar a criança ou o jovem, quando este é classificado como “hiperactivo” e/ou apresenta “dificuldades de concentração”.
Outras vezes são os psiquiatras que se recusam a medicar jovens com crises graves e surtos psicóticos que colocam em risco a integridade física de quem convive com eles.
É uma realidade a maior parte das vezes sem qualquer controlo, sem acompanhamento adequado e sem a devido compromisso ético das partes envolvidas.
Fevereiro 1, 2013 at 11:01 pm
#17,
Por acaso não é bem a minha atitude… mas isso é outra luta, com os profissionais que nas escolas apresentam qualificações para fazer diagnósticos e contactarem com as famílias a esse respeito.