O prazer que me dá publicar este texto, depois das minhas trocas de mimos com o autor, só eu sei.

😉

A minha recordação de Manuela Ferreira Leite

Em 1993, se a memória não me trai, integrei uma delegação de um sindicato que foi recebida por Manuela Ferreira Leite, então Ministra da Educação do XII Governo Constitucional. Era a primeira vez que me encontrava com um membro do governo e, preocupado com questões protocolares, tratei de perguntar ao presidente do sindicato como é que se devia tratar um ministro. Ele sorriu perante a pergunta e com toda a experiência acumulada ao longo de muitos anos respondeu: “Nada mais simples meu caro. Quando nos dirigimos a um ministro dizemos ‘Sr. Ministro’ para frente, ‘Sr. Ministro’, para trás.” Depois fez uma pausa e acrescentou: “Quando estamos muito zangados usámos a expressão Vossa Excelência”.

No dia aprazado subimos ao último andar do Ministério da Educação e fomos conduzidos a uma sala com uma enorme mesa. Fomos informados de que a senhora ministra em breve iria ter connosco. Ficámos de pé a aguardar. Passado algum tempo Manuela Ferreira Leite entrou na sala. Vinha sozinha, sem assessores, e vestia um simples casaco de malha. Sorriu, cumprimentou todos os presentes e convidou-nos a sentar. Da sua figura e posteriormente do seu discurso emanava uma sensação de força. Ela era, pelo menos aos meus olhos e naquele instante, a imagem do poder político em todo o seu esplendor.

O que estava previamente combinado é que o presidente do sindicato faria uma breve introdução genérica às preocupações que nos levaram a solicitar uma audiência e depois passaria a palavra aos outros membros da delegação que abordariam assuntos mais específicos. A ministra da educação ouviu atentamente o presidente do sindicato e este, a certo momento, disse algo do género: “Temos a percepção de que existem algumas áreas em que o Ministério da Educação não funciona muito bem.” Manuela Ferreira Leite interrompeu-o e retorquiu: “O Ministério da Educação não funciona mal. O ministério não funciona de todo.” E continuou contando as inúmeras resistências que estava a enfrentar para solucionar os problemas com que se tinha deparado, partilhando connosco exemplos de muitas batalhas que tentava desesperadamente vencer. Na minha ingenuidade e inexperiência em termos sindicais comecei a ver a ministra como uma espécie de heroína a lutar contra a máquina burocrática da 5 de Outubro.

O presidente do sindicato passou então a palavra a um dos membros da delegação que expôs um problema concreto relacionado com a Inspecção-Geral da Educação. Pouco tempo antes Manuela Ferreira Leite tinha nomeado para Director Geral uma pessoa, da sua confiança política, oriunda do Ministério das Finanças. Temia-se que aos Inspectores da Educação fossem atribuídas funções de inspecção financeira subalternizando funções relacionadas com a área educativa. A ministra ouviu com atenção as preocupações do sindicato e, posteriormente, começou por afirmar que não tinha intenção de mexer nas competências dos inspectores mas somente de alargar o seu leque de intervenção. Os receios agravaram-se perante esta declaração.

Manuela Ferreira Leite prosseguiu afirmando que por vezes as primeiras impressões são determinantes na condução política. Quando chegou ao ministério, disse, teve que tomar uma das suas primeiras decisões relacionadas com um caso disciplinar. Um determinado aluno numa escola, que não identificou, dirigiu palavras obscenas a uma sua colega de turma, comportamento que deu origem a um processo disciplinar e à correspondente sanção. Dessa sanção houve recurso para instâncias superiores e de recurso em recurso, que envolveu dezenas horas de trabalho por parte de diversos inspectores na hierarquia do ministério, o enorme dossier aterrou na sua secretária para que tomasse uma decisão final sobre o incidente.

Depois de discorrer um pouco sobre este caso parou, olhou-nos a todos, e exclamou: “Se fosse com uma das minhas filhas eu saberia o que fazer. Esperava o aluno à porta da escola e espetava-lhe um par de bofetadas que era o que ele merecia desde o início!”

Fiquei pregado à cadeira e não consegui articular uma palavra. O seu ideário político em matéria educativa tinha sido exposto com uma transparência absolutamente esclarecedora.

Kafkazul