A Velha História do Ovo e da Galinha

O País anda obcecado com a Educação. Há anos que se tenta diminuir o abandono e o insucesso escolares, mas sem resultados significativos. Para atestar a preocupante, e mesmo ridícula, preparação média facultada pelo nosso Ensino, transmito o conteúdo de uma mensagem que me foi enviada pelo responsável de uma empresa de gestão de resíduos, que se encontrava em processo de selecção de colaboradores. Apareceram candidatos licenciados em diversas instituições públicas e privadas.

Relata ele: “Perguntámos a uma engenheira do Ambiente como calcularia o volume de um contentor do lixo, supondo ser um paralelepípedo? Resposta (R): Assim de momento, não estou a ver….bem…a gravidade é igual a…..9,8 …não é? Perguntámos a outro engenheiro, quanto pesa um contentor de 800 litros cheio de água? R: Deve ser à volta de 10 kg! Noutro caso: Qual a densidade da água? R: Não me lembro dessa fórmula”. Termina o empresário: “E muitas outras aberrações que me coíbo de apresentar aqui!”. Um problema de um exame meu recente envolvia o cálculo do aumento de 20% de uma grandeza. Para meu espanto, mais de metade de 120 alunos não foi capaz de calcular o novo valor! Acrescente-se que uma boa parte dos alunos que chegam ao superior redige com falhas gritantes, inaceitáveis numa antiga 4ª classe. Aquele empresário apontava o dedo ao Ensino Superior, mas é óbvio que este tipo de problemas vem de trás, dos níveis Básico e Secundário.

Perante isto, cabe analisar os currículos e programas destes graus de Ensino. O currículo do 3º ciclo do Básico, engloba, nada mais, nada menos, do que 14 disciplinas diferentes! É óbvio que tantas actividades distintas põem a cabeça dos miúdos num rodopio! Mais surpreendentes são os conteúdos programáticos e a filosofia a eles subjacente.

Tomemos o programa do 3º ciclo em Ciências Físicas e Naturais. Em poucas palavras, ele tem como objectivo uma compreensão global e integradora do Universo, vivo e inanimado! Todo o documento é «lunático». A parte inicial faz considerações sobre o ensino das Ciências, dizendo (sic.) “Entende-se aqui currículo como a indicação de um processo cognitivo e social contextualizado, em que as oportunidades de aprendizagem são resultantes da interacção do professor com os seus alunos. […] O currículo é o que professores e alunos vivem, pensando e resolvendo problemas sobre objectos e acontecimentos tornados familiares. As experiências vividas no contexto da escola e da sala de aula devem levar à organização progressiva do conhecimento e à capacidade de viver democraticamente.” Depois tenta-se especificar os conteúdos, que varrem toda a Ciência (talvez exceptuando os cálculos de percentagem ou do volume de um cubo).

Não resisto a mais um excerto, relativo ao Electromagnetismo e Electrónica, que obviamente não ficam de fora: “Pretende-se que os alunos identifiquem componentes electrónicos e compreendam as suas funções de controlo e regulação nos sistemas de que fazem parte. Montar circuitos electrónicos simples com díodo, transístor, potenciómetro, condensador e termístor de modo a estudar as características e a função de cada um destes componentes. Pesquisar sobre diferentes sistemas de comunicação baseados na electrónica e sobre o modo como a informação é enviada e a que distâncias (por ex., comunicação através de satélite ou comunicação espacial, entre as estações orbitais e a Terra). Sugere-se a utilização de componentes electrónicos para construir brinquedos, alarmes contra incêndios, alarmes contra roubos, termóstatos…A realização de uma feira da electrónica a nível da escola para os alunos mostrarem e explicarem o funcionamento dos diferentes aparelhos produzidos….”

Julgo que isto é surrealismo, não só na Terra, como em qualquer galáxia distante em que as pessoas já nascem doutoradas. O que se pode ensinar às crianças com base nestas directivas? Se estamos a «falar chinês» para elas, como é que vão perceber algo, ter aproveitamento e manterem-se nas escolas? Faço uma sugestão: vejam-se os Cadernos de Iniciação Científica de Rómulo de Carvalho, que muita gente conhece e reconhece como um génio na divulgação de Ciência, ou releiam-se os programas escolares de há 30 anos atrás, e compare-se com o documento anterior.

Estes erros repetem-se provavelmente noutras disciplinas, quer no nível Básico, quer no Secundário. Não será esta uma forte raiz dos males da nossa Educação? E de onde vêm esses princípios e programas? Então, por onde deve começar a reforma?

João Paulo M. Ferreira
professor auxiliar