Ouvi no rádio e li depois a peça sobre o novo comunicado da troika, com os seus inenarráveis avisos, tudo com a complacência da miséria de governantes que temos e que alinham alegremente na prática (pois o discurso já é mais intermitente) do empobrecimento da generalidade da população.
Com o pretexto de se ter vivido acima das possibilidades.
Mas quem, afinal?
Quem é que ganhou nos últimos 20 anos com o que se passou em Portugal?
Olho para o meu recibo de salário em 1993 e agora e, em termos líquidos, sendo na altura contratado e estando agora a meio da carreira e recongelado, ganho mais do dobro do que ganhava então, talvez mesmo duas vezes e meia mais.
E sou dos mais visados, enquanto professor, pela retórica dos encargos excessivos do Estado.
Vou ver os meus recibos de encargos fixos com a vidinha e o que encontro?
Facturas de electricidade umas 5 a 10 vezes acima do que eram, sobrecarregadas com taxas e mensalidades das mais variadas origens. Sendo que continuo, onde vivo, numa situação de monopólio da EDP, mais grave agora pois quase tudo depende da luz para funcionar. Só o contador custa quase tanto quanto a conta antiga.
Facturas do gás nem sei quantas vezes mais altas, pois na altura usava bilhas, duas por mês no máximo, podendo escolher – na vilória suburbana atrasada – entre quatro fornecedores diferentes, bastando mudar aquela peça de encaixe (redutor?), que ficava minha e pela qual nada pagava todos os meses.
A água ainda se mantém a factura menos abusiva no crescendo, pois por aqui as autarquias do PC – honra lhes seja feita – não fazem da água o maior dos negócios, mesmo se abusam quando há algum incumprimento, por pequeno que seja.
E depois há o que não havia, a necessidade de se ter banda larga para aceder a serviços essenciais para a própria profissão, porque agora tudo é online e o serviço vem sempre acoplado com mais isto e aquilo, pois simples é quase o mesmo preço. A televisão generalista passou pela negociata da TDT e tudo o que nela antes existia de melhor (séries, desporto, música) foi transferido para canais pagos.
Ficámos mais ricos ou passámos a receber mais para pagar o excedente directamente a essas grandes empresas que funcionam em situação de monopólio?
Foi o povinho que passou a gastar de forma desvairada ou foram-lhe impostos consumos cada vez mais caros e exigentes?
E nem vale a pena falar na compra de casas, pois raramente alguém vai acabar por pagar menos de três vezes o preço real do imóvel, entre o lucro ganancioso dos construtores e os juros gulosos cobrados pela banca que preferia emprestar mais do que menos e se prontificava para fazer todo o tipo de trafulhices para que o cliente comprasse o carro dos seus sonhos (é verdade, foi ver uma avalanche de pategos a comprar carros alemães tdi e gti e jipes e coisas assim a armar ao pingarelho) e ficasse a dever ainda mais.
Ainda me lembro da minha idiotice de ir a um banco privado pedir um empréstimo, usando como argumentos que só precisava de 65% do preço total e responderem-me que o que lhes interessava não era isso mas sim emprestar muito.
Portanto… quando ouço o camelo do Lourenço dizer aquelas barbaridades, ainda por cima com ar de risota fácil, apetece-me chamar-lhe parasita,pois ele só existe enquanto personagem mediática porque existe uma crise económica e social terrível que ele vampiriza nos seus ditos e escritos. Para não falar do César das Neves, a única criatura a quem a estrita moral sexual da Igreja parece deixar bem humorado ou todos aqueles liberais que estão bem encostados ao Estado ou em posições de confiança do poder político em empresas participadas ou influenciadas.
Isto para não falar do ex-governantes que se tornaram consultores ou empreendedores com negócios privados feitos com o sector da governação que tutelaram?
Foram os funcionários públicos, professores, enfermeiros, polícias, juízes, que enriqueceram ou os carrapatosos, as cardonas, os nogueirasleites, os mexias, os zeinais, até mesmo os frasquilhos, mas muito em especial os seus empregadores e mandantes, ulricos&salgados, amorins&belmiros.
Por serem empreendedores? Ou porque beneficiaram de condições especiais de protecção dos seus negócios por parte de uma elite política de terceira categoria, sempre de olho no emprego privado a seguir ao cargo público?
Quem é que ganhou com o crédito ao desbarato? Os depositantes com dívidas ou os bancos?
Quem ganhou com “a liberalização dos mercados energéticos”? Os consumidores ou os accionistas e administradores?
Qual é a estrutura actual de encargos fixos das famílias e qual era há 20 ou 25 anos? E isso aconteceu porquê?
Porque enriqueceram?
Ou porque empobreceram, na ilusão de se sentirem a imitar os sinais exteriores de “sucesso”?
Gostar disto:
Gosto Carregando...