… e outros danos no mobiliário para afiar as unhas, que eu não gosto muito de manicure aos felinos.
Vem isto a propósito do valor que damos à vida, humana ou não, e da demagogia imensa em seu redor, seja dramatizando as tragédias, seja hiperbolizando os custos da vida dos cidadãos portugueses para o Estado, leia-se, para os senhores dos governos ocasionais, no presente o PM Pedro e o ministro da Saúde Paulo, que se apresentam ambos como pessoas de bem e o segundo, ao que consta, temente a Deus.
De acordo com o que se vai sabendo, a indústria farmacêutica – habituada a fazer cavalgar os lucros na miséria alheia (basta ler O Fiel Jardineiro do Le Carré para a ficção nos dar uma pálida imagem da realidade) – exige pelos tratamentos para a Hepatite C (assim como para outras doenças potencialmente letais) uma porrada de massa, alegando os investimentos na investigação e produção dos fármacos.
Vou passar adiante a evidência de que deveria ser função dos poderes públicos providenciarem muita dessa investigação.
Concentremo-nos no que é colocado cá fora para justificar práticas de avaliação do valor de uma vida:
O Ministério da Saúde já chegou a acordo com o Gilead para o fornecimento de medicamentos para a hepatite C.
O diretor do laboratório veio de Genebra e esteve esta quinta-feira reunido no Infarmed e Ministério da Saúde.
A última proposta conhecida era de 24 mil euros por três meses de tratamento mais três gratuitos caso fosse necessário prolongar.
Em espanha, o medicamento é vendido a 25 mil euros.
A confirmar-se este valor, o ministro da Saúde, Paulo Macedo, consegue uma redução de quase 50% num medicamento que disse dar 5000% de lucro à farmacêutica.
Há aqui duas questões essenciais, penso eu, a destacar:
- A pornografia das margens de lucro da indústria farmacêutica e o seu vampirismo, só possível porque não há uma regulação transnacional (gostaram?) do seu mercado, em grande parte porque muita gente importante está no bolso e no rol de pagamentos às escondidas de muitas grandes empresas.
- A pornografia de se colocar a vida humana numa escala comparativa com o materialismo financeiro, em especial quando isso é feito pelos ocupantes transitórios do poder político como se fossem analistas de risco de uma seguradora a negociar apólices.
Comecemos pelo mais fundamental: a vida. O valor que há quem diga defender, desde que os encargos não atinjam os 5000 euros por mês, ou seja, o que é pago em migalhas a consultores jurídicos externos ou um décimo de um parecer encomendado para lixar os direitos laborais dos funcionários públicos.
Pagar 25.000 euros por seis meses de tratamento é algo incomportável para a larguíssima maioria da população portuguesa, mesmo que isso signifique a diferença entre vida e morte. Pelo que fica nas mãos do Estado para que esses cuidados de saúde lhe sejam prestados e a sua vida seja mantida.
No entanto, o “Estado” (que é uma entidade abstracta, sem actos concretos, pelo que devemos concentrar-nos nas pessoas reais que tomam decisões) considera que isso não é comportável e manipula números sobre pacientes potenciais a precisar de tratamento.
E há quem aplauda, como se fosse um executivo de uma seguradora de modelo americano, do género que mede o risco e decide que acima de 55 ou 60 anos só dá lucro fazer apólices contra o acne juvenil.
E é esta parte que arrepia, porque até se enquadra na lógica explicitada inicialmente pelo Relvas de que os portugueses, caso não se sintam bem, devem emigrar, sair da zona de conforto e ir, metafórica e literalmente, morrer longe.
A lógica que acha que os problemas na Saúde são por causa de enfermeiros e médicos. Na Educação por causa dos professores. Na Justiça por causa dos juízes e na Segurança Pública por causa dos polícias.
O problema de Portugal é ter cá portugueses. Que querem viver e não morrer, havendo hipóteses de sobreviver.
A quem desgosta imenso ter cá portugueses (e há dias que a mim também bate cá uma vontade de ver muitos pelas costas) é que deve ser indicado o voo mais próximo da Lufthansa ou da Air Malasia. E é algo que digo também a quem se queixa sempre de ser culpa dos portugueses votarem nos mesmos, serem burros, etc, etc, até dar a volta quase toda e acabar com esta coisa moralmente repugnante de avaliar a vida de outros, não a considerando o mesmo tipo de “direito adquirido” que o de uma empresa privada que sacou um contrato “blindado” com o Estado.
Voltando ao início, eu estou disposto a gastar 10.000 euros para ter um felino cá por casa a arranhar-me os móveis e a saltar por cima de tudo e mais alguma coisa, a roer-me a papelada e tudo o mais. Não sei se é racional. Mas é uma opção minha, avaliando como positivos os ganhos em relação à despesa.
No caso do actual PM Pedro e do seu ministro da Saúde Paulo não me parece que seja seu direito fazer cálculos desses e optar pela vida ou morte dos cidadãos portugueses, a menos que a dita pena tenha sido reinstituída.
A parte da obscenidade dos preços da indústria farmacêutica seria bem fácil de resolver se em Bruxelas e Estrasburgo não imperassem os eunucos políticos, salivando por uma avença.
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