Saúde


A situação é perfeitamente estúpida, ou melhor, é uma situação inaceitável causada pela estupidez em nome de uma “liberdade” que só acaba por prejudicar muita gente.

O sarampo, depois de considerado erradicado, está em crescimento nos EUA devido ao crescimento de um movimento anti-vacinas que oscila entre posições de cepticismo ignorante quanto à sua validade e os preconceitos nascidos de uma pretensa cultura médica.

A busca de popularidade junto de sectores radicais que vivem num mundo de aparentes superstições quasi-medievais leva políticos experientes a dizer completos disparates sobre a liberdade dos pais decidirem se os filhos devem ser vacinados e depois a voltar atrás.

E é este o problema de levar determinados argumentos de autoridade, alegadamente em nome de valores inquestionáveis como a liberdade, a um excesso inaceitável. Porque essa pretensa liberdade de “escolher o melhor para os filhos” pode acabar a provocar o desnecessário regresso de doenças que o avanço da Ciência exterminou.

… e outros danos no mobiliário para afiar as unhas, que eu não gosto muito de manicure aos felinos.

Vem isto a propósito do valor que damos à vida, humana ou não, e da demagogia imensa em seu redor, seja dramatizando as tragédias, seja hiperbolizando os custos da vida dos cidadãos portugueses para o Estado, leia-se, para os senhores dos governos ocasionais, no presente o PM Pedro e o ministro da Saúde Paulo, que se apresentam ambos como pessoas de bem e o segundo, ao que consta, temente a Deus.

De acordo com o que se vai sabendo, a indústria farmacêutica – habituada a fazer cavalgar os lucros na miséria alheia (basta ler O Fiel Jardineiro do Le Carré para a ficção nos dar uma pálida imagem da realidade) – exige pelos tratamentos para a Hepatite C (assim como para outras doenças potencialmente letais) uma porrada de massa, alegando os investimentos na investigação e produção dos fármacos.

Vou passar adiante a evidência de que deveria ser função dos poderes públicos providenciarem muita dessa investigação.

Concentremo-nos no que é colocado cá fora para justificar práticas de avaliação do valor de uma vida:

O Ministério da Saúde já chegou a acordo com o Gilead para o fornecimento de medicamentos para a hepatite C.

O diretor do laboratório veio de Genebra e esteve esta quinta-feira reunido no Infarmed e Ministério da Saúde. 

A última proposta conhecida era de 24 mil euros por três meses de tratamento mais três gratuitos caso fosse necessário prolongar. 

Em espanha, o medicamento é vendido a 25 mil euros. 

A confirmar-se este valor, o ministro da Saúde, Paulo Macedo, consegue uma redução de quase 50% num medicamento que disse dar 5000% de lucro à farmacêutica.

Há aqui duas questões essenciais, penso eu, a destacar:

  • A pornografia das margens de lucro da indústria farmacêutica e o seu vampirismo, só possível porque não há uma regulação transnacional (gostaram?) do seu mercado, em grande parte porque muita gente importante está no bolso e no rol de pagamentos às escondidas de muitas grandes empresas.
  • A pornografia de se colocar a vida humana numa escala comparativa com o materialismo financeiro, em especial quando isso é feito pelos ocupantes transitórios do poder político como se fossem analistas de risco de uma seguradora a negociar apólices.

Comecemos pelo mais fundamental: a vida. O valor que há quem diga defender, desde que os encargos não atinjam os 5000 euros por mês, ou seja, o que é pago em migalhas a consultores jurídicos externos ou um décimo de um parecer encomendado para lixar os direitos laborais dos funcionários públicos.

Pagar 25.000 euros por seis meses de tratamento é algo incomportável para a larguíssima maioria da população portuguesa, mesmo que isso signifique a diferença entre vida e morte. Pelo que fica nas mãos do Estado para que esses cuidados de saúde lhe sejam prestados e a sua vida seja mantida.

No entanto, o “Estado” (que é uma entidade abstracta, sem actos concretos, pelo que devemos concentrar-nos nas pessoas reais que tomam decisões) considera que isso não é comportável e manipula números sobre pacientes potenciais a precisar de tratamento.

E há quem aplauda, como se fosse um executivo de uma seguradora de modelo americano, do género que mede o risco e decide que acima de 55 ou 60 anos só dá lucro fazer apólices contra o acne juvenil.

E é esta parte que arrepia, porque até se enquadra na lógica explicitada inicialmente pelo Relvas de que os portugueses, caso não se sintam bem, devem emigrar, sair da zona de conforto e ir, metafórica e literalmente, morrer longe.

A lógica que acha que os problemas na Saúde são por causa de enfermeiros e médicos. Na Educação por causa dos professores. Na Justiça por causa dos juízes e na Segurança Pública por causa dos polícias.

O problema de Portugal é ter cá portugueses. Que querem viver e não morrer, havendo hipóteses de sobreviver.

A quem desgosta imenso ter cá portugueses (e há dias que a mim também bate cá uma vontade de ver muitos pelas costas) é que deve ser indicado o voo mais próximo da Lufthansa ou da Air Malasia. E é algo que digo também a quem se queixa sempre de ser culpa dos portugueses votarem nos mesmos, serem burros, etc, etc, até dar a volta quase toda e acabar com esta coisa moralmente repugnante de avaliar a vida de outros, não a considerando o mesmo tipo de “direito adquirido” que o de uma empresa privada que sacou um contrato “blindado” com o Estado.

Voltando ao início, eu estou disposto a gastar 10.000 euros para ter um felino cá por casa a arranhar-me os móveis e a saltar por cima de tudo e mais alguma coisa, a roer-me a papelada e tudo o mais. Não sei se é racional. Mas é uma opção minha, avaliando como positivos os ganhos em relação à despesa.

No caso do actual PM Pedro e do seu ministro da Saúde Paulo não me parece que seja seu direito fazer cálculos desses e optar pela vida ou morte dos cidadãos portugueses, a menos que a dita pena tenha sido reinstituída.

A parte da obscenidade dos preços da indústria farmacêutica seria bem fácil de resolver se em Bruxelas e Estrasburgo não imperassem os eunucos políticos, salivando por uma avença.

 

 

… que um dos locais mais perigosos para uma pessoa doente sejam as urgências hospitalares. Chutar para canto não resolve nada.

… a completa vergonha que se está a passar nas urgências dos nossos hospitais e no sector da Saúde, mais em geral?

Tenho procurado não comentar isto, porque é demasiado sensível e porque – sinceramente – esperava que alguma coisa mudasse após as primeiras ocorrências fatais.

Será que já atingimos este nível de desprezo pela saúde e vida/morte alheias?

Fico sempre baralhado com quem defende coisas praticamente contraditórias nesta área tão delicada…

Sim, os problemas são complexos, as soluções (quando há mais do que uma forma de encobrir os problemas sem os resolver) também e não se compadecem com leituras lineares e cálculos de merceeiro (sem desprimor para os verdadeiros).

Pelo menos para mim, embora conste que havia por aí muito hipocondríaco…

Iogurte pode substituir colonoscopia

Molécula sintética que se introduz no iogurte pode tornar o diagnóstico de cancro e de outras doenças tão simples quanto um teste de gravidez.

O Governo está a estudar a transferência da gestão dos centros de saúde para os municípios, no âmbito da descentralização de competências que abrange também as escolas e a segurança social, anunciou hoje o ministro Poiares Maduro.

Ia ouvindo a guerra dos números na TSF.

Segundo a FNAM, 90% de adesão. Segundo o desgoverno, isso é uma impossibilidade aritmética porque só quando processarem os salários do mês é que se saberá quem fez grevee que até agora nunca uma greve destas teve mais de 28% de adesão.

A FNAM contrapõe que se podem contabilizar consultas e cirurgias não feitas.

O desgoverno diz que é preciso contabilizar a adesão dos médicos do sector privado.

A FNAM afirma que convocou greve para os médicos dos SNS, que são 26.000, e não para o sector privado.

A jornalista confessava-se, com candura, baralhada com tudo isto.

À frente do Ministério estavam uns 500 médicos na peça ao vivo, algumas dezenas na peça escrita.

Agora fiquei eu baralhado.

E quantas nem sequer têm uma família que admita os problemas?

Exp10Mai14

Expresso, 10 de Maio de 2014

Partos nos hospitais privados custam nove vezes mais do que no SNS

Hospitais cortaram um quarto dos exames e análises em dois anos

Se analisarmos os dados, isto significa que ou nos hospitais públicos se receitavam meios de diagnóstico em manifesto excesso ou que agora se faz isso em manifesto défice.

Ou então… atendendo à evolução global e desses exames nos hospitais privados… a explicação é outra…

Mais agradável para os interesses.

Mais liberdade na saúde, menos na educação, defende António Barreto

(…)

Barreto entende que é necessário “anular todas as cláusulas que dizem como o Governo deve fazer” e tornar a Constituição mais simples para, depois, no plano político, ser possível ter mais liberdade de opção. E é no plano político e não constitucional que defende a manutenção de um sistema de saúde público, mas com maior liberdade de recurso ao privado, de contratualização com o privado.

Ainda no campo da política de saúde, o sociólogo defende o fim da acumulação entre medicina pública e privada, para acabar com a promiscuidade.

Pelo contrário, na educação, o presidente da fundação Francisco Manuel dos Santos admite a liberdade de escolha, mas sem que o Estado pague a privados. “Quem quer fazer educação privada que a pague. O Estado não deve pagar cheques ensino não deve estar a subvencionar as escolas privadas, como faz actualmente. O Estado gasta milhões e milhões nisso, nas escolas privadas e acho que não o deve fazer”, afirma António Barreto.

No Ocidente, “podemos aprender muito com os pobres” na área da saúde

Nigel Crisp é um lorde inglês que quer virar o mundo de pernas para o ar nas políticas públicas de saúde. A Gulbenkian pediu-lhe que durante dois anos estudasse a fundo o nosso sistema. A conferência desta segunda-feira surge a seis meses do fim do trabalho.

(…)

A lição fundamental que aprendemos com os países pobres é que pessoas criativas que não têm meios usam as comunidades para dar resposta aos problemas da saúde. Em particular, fazem um uso muito maior das famílias e dos leigos, não separam a saúde das outras questões (como a educação) e põem em prática sistemas informais de prestação de cuidados. Uma coisa que nós, no Ocidente, vamos ter de aprender ou reaprender. Os sistemas e os profissionais de saúde não vão poder fazer tudo por nós. Temos de fazer mais por nós próprios.

A minha avó paterna, assim como a sua irmã, minha tia-avó, tinham um par de métodos muito curiosos para resolver a prisão de ventre. Um passava pela pessoa sentar-se no sítio adequado e bater com os punhos ritmadamente nos joelhos com um pouco de força. Penso que deveria ser a pensar na desobstrução pela trepidação.

Cheguei a usar sem sucesso.

Quanto ao segundo método, nunca me conseguiram convencer a usá-lo, mas acho que o recomendaria a este senhor lorde.

Sinto natural pudor em explicá-lo.

Ficarei apenas pela enumeração dos apetrechos: um talo de couve e algum azeite, que podia ser do mais corrente e barato.

Quem leu em devido tempo alguma da boa ficção científica do pós-Segunda Guerra Mundial com as suas projecções bio-políticas e bio-éticas (a referência óbvia é Philip K. Dick, mas não reneguemos Issac Asimov, Ray Bradbury, Clifford D. Simak, Poul Anderson, Philip José Farmer, o mais divertido Heinlein, o científico Arthur C. Clarke ou mesmo a ecologista Le Guin – e, sim, estou a deixar muitos de lado como o Stanislaw Lem) sabe que muitas das consequências do “progresso” podem ser regressivas.

E quem observar a História do mundo ocidental com um bocadinho de atenção não tem dificuldade em perceber que a partir dos anos 80 do século XX se instalou uma forte tensão entre a tendência para o alargamento dos direitos políticos, sociais e económicos dos indivíduos e para uma democratização do acesso aos benefícios do “progresso” e uma reacção destinada a conter essa mesma tendência, em nome dos encargos que ela acarreta.

Ao mesmo tempo que projectava os seus valores democráticos para o resto do mundo, o Ocidente dava início a um processo interno de regressão no combate às desigualdades e no acesso generalizado ao que de melhor pode ter o avanço científico e tecnológico para a Humanidade, se excluirmos os gadgets da equação.

Por isso, não nos entusiasmemos pois muito do que se anuncia como fazendo parte de uma aurora cantante destina-se a um nicho “de mercado” muito restrito.

As pernas biónicas do Pistorius convivem de muito perto com milhões que nem as vacinas essenciais ainda recebem.

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Visão, 9 de Janeiro de 2014

 

IGAS está a investigar desvio de doentes do público para o privado

Ordem dos Médicos avisa que clínicos serão expulsos caso as suspeitas se confirmem.

Sindicalistas ocupam Ministério da Saúde, em Lisboa

Ritalina: o monstro da infância

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Transtorno do deficit de atenção com hiperatividade: doença ou diagnóstico da moda?

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Tudo malandragem encostada ao Estado, dirão relvettes e raposos, ramos e borginhos.

Doentes mentais estão a abandonar tratamento por falta de dinheiro

Hypochondriacs of America, this one’s for you.

É o que querem importar para cá… com a racionalização dos tratamentos…

Como nas grandes tragédias, o jornal britânico The Times mostra um mural com fotografias de vítimas. Aqui, vêem-se apenas alguns rostos das muitas centenas de pessoas que morreram. Homens e mulheres, sobretudo idosos, mas também jovens, quando estavam aos cuidados do sistema nacional de saúde britânico – National Health Service (NHS) – abalado agora pelo maior escândalo de que há memória desde que foi criado em 1948.

Um inquérito foi lançado em 2010 quando soou o alarme no Hospital de Stafford perante suspeitas de um tratamento deplorável reservado aos doentes. Um relatório preliminar publicado nesse ano já apontava falhas graves e motivou uma investigação mais aprofundada, também liderada pelo advogado Robert Francis, e agora conhecida.

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