Preconceitos


… não conseguem ver o preconceito em si. E dos que, de tanto quererem defender os descamisados, revelam encará-los como incapazes de superar as suas dificuldades, condenados por uma aliança genético-cultural à pobreza e ao insucesso e à necessidade de muletas permanentes.

Embora com boas intenções, embora com base em alguns argumentos válidos, esta postura tende quase sempre a prescindir de ensinar o pescador a usar a rede e a traineira, preferindo o encosto ao subsídio comunitário.

Foi asim que fracassámos como país, nas últimas décadas.

Tudo isto a propósito da entrevista de Paulo Santiago da OCDE à Clara Viana, no Público de hoje (sem link).

Nada como um preconceituoso ideológico, favorável a obras públicas a qualquer preço e para quem derrapagens de quase 100% não parecem defeito, para detectar preconceitos ideológicos nos outros.

É verdade que Nuno Crato hiperbolizou a derrapagem das obras da Parque Escolar de forma desnecessária e absolutamente reprovável em alguém que defende o rigor dos números, não contextualizando as condições em que isso aconteceu.

É mais do que óbvio que aquela afirmação sobre um desvio superior a 400% é política no seu pior estado de aproveitamento de números sem a necessária explicação.

Mas Daniel Oliveira vai pouco melhor quando escreve:

Para além dos efeitos económicos e descentralizados deste tipo de obra (mais de 9.000 postos de trabalho, mais de 2.700 empresas envolvidas), a boa qualidade das instalações trava a degradação do ambiente nas escolas, melhora o desempenho de docentes e alunos, devolve a autoestima a toda a comunidade escolar e, mais importante, segura a classe média no ensino público, condição fundamental para garantir a qualidade de ensino e impedir a criação guetos sociais nas escolas.

A parte destacada parece um relatório encomendado pelo governo de Sócrates sobre as Novas Oportunidades. Terá sido feito estudo científico ou é apenas a expressão de um preconceito ideológico?

Não sei de que classe média ele fala (a que Elísio Estanque afirma estar em desaparecimento? ou uma entidade mítica de algum escrito neo-marxista do século passado?), nem me parece que o maior problema das escolas públicas para atrair alunos sejam as instalações… mas a indisciplina é algo que DO considera uma ficção ou então um fenómeno causado pela incompetência dos docentes, como se sabe desde as suas interveções sobre o episódio Carolina Michaelis.

Afinal, os erros e preconceitos alheios não justificam os nossos.

E Daniel Oliveira tem, desde o primeiro dia, um problema enorme em relação a Nuno Crato. Por puro preconceito ideológico. Se Nuno Crato dissesse que Daniel Oliveira é a quinta essência da coerência política, ele negaria.

(quanto a mim, confesso, se Daniel Oliveira me elogiasse ficaria apenas preocupado e acharia que ele se teria enganado no distinatário…)

Parlamento chumba adopção por casais do mesmo sexo

(…)
No momento das intervenções, apenas as bancadas do PCP e do CDS anunciaram que votariam contra os diplomas.
(…)
O PCP argumentou que esta questão ainda não foi “suficientemente debatida e sedimentada na sociedade”, pelo que a bancada comunista optou por uma posição de “prudência construtiva”, explicou o líder parlamentar Bernardino Soares. “O nosso voto nesta matéria (…) não significa uma posição de rejeição”, sublinhou o deputado comunista, “mas expressa apenas a necessidade de prosseguir o debate, o esclarecimento sobre a questão”.

Telmo Correia, deputado do CDS, explicou que o sentido de voto da sua bancada revela que os centristas não enveredam por “experimentalismos sociais”, notando que a adopção por casais do mesmo sexo “contraria o criador” e criticando as bancadas, especificamente o BE, que tem patrocinado projectos “de fractura em fractura”.

Depois da abstenção violenta temos a prudência construtiva. Ok, abelhinhas…

Talvez depois da sesta…

Ainda no Expresso, numa das páginas de opinião, temos direito a numa espécie de confronto semanal esquerda/direita entre as colunas ao alto de Daniel Oliveira e Henrique Raposo.

Não vou esconder que, de há muito, acho que Daniel Oliveira está para estes tempos como Louçã esteve para os anos 90. O rebelde de serviço com lugar cativo na imprensa mainstream. Uma espécie de sucessor da rebeldia, quando ela serve para dividir alguma coisa incómoda. Em tempos, Louçã ajudou a enfraquecer o PCP, agora Daniel Oliveira ajuda a enfraquecer (mesmo que grite que não) o Bloco.

Já a Henrique Raposo acho alguma graça pois tem um pensamento suficientemente heterodoxo e iconoclasta para o situar simplesmente à Direita. Escreve de forma muito mais certeira quando critica a Direita do que quando tenta caricaturar a Esquerda menos caricaturável.

Esta semana, os dois denunciam os seus preconceitos mais enraizados, as distorções do olhar que tendem a misturar e aglomerar aquilo que encaram como estando do outro lado.

Daniel Oliveira segue pela senda habitual da desculpabilização quase explícita da violência e do vandalismo, quando o acha ao serviço de causas justas. Pior… tem sempre aquele olhar que considera que quem protesta é pobre e, portanto, tem razão, mesmo quando agride outros pobres:

E como os pobres não são nem melhores nem piores do que os outros a raiva descamba com facilidade para o motim e a pilhagem, escolhendo como primeiras vítimas os vizinhos. E aí a coisa já só se resolve à força.

Mais à frente atribui quase directamente as culpas dos motins em Londres a David Cameron, como se os meses em que ele está no Governo fossem tão ou mais responsáveis pela situação do que a década de Novo Trabalhismo.

Henrique Raposo parece encarar a margem sul como um imenso território indistinto onde existirão apenas dois ou três pontos de referência, sendo um deles o Barreiro. Na sua crónica, Londres & Barreiro, Henrique Raposo baralha-se com a geografia da margem sul e atribui ao Barreiro a localização do bairro (Vale da Amoreira) onde se praticam excisões genitais femininas num contexto cultural ligado a uma comunidade guineense com forte componente islâmica. Por acaso, o bairro em causa fica do outro lado (sul) da estrada que sobe a colina para as Fontaínhas, estando a escola onde lecciono no lado norte. O concelho é da Moita, mas isso agora não interessa nada. O que interessa é a denúncia. De algo que, até com contornos mais dramáticos (as meninas e jovens enviadas para a Guiné quando atingem cerca de 14 anos para participarem em rituais dos quais nem sempre sabemos como saem e dos quais por vezes nem regressam). Relembro este post com quatro anos e meio sobre o assunto.

Tanto em Daniel Oliveira como em Henrique Raposo são óbvios os enviesamentos do olhar por preconceitos ideológicos de base. Um justifica a violência indiscriminada (foi contra David Cameron que o condutor lançou o carro que matou três pessoas?) quando feita por razões que considera justificáveis, o outro olha para este lado do Tejo como um faroeste indistinto onde a geografia é intermutável. Mas aposto que, se escrevesse sobre Londres, não trocaria os bairros, quanto mais os concelhos.

Esquerda/Direita, tão diferentes, tão iguais.

Falta a vontade ou a coragem política para assumir soluções alternativas.

Quotas vão manter-se na avaliação dos professores

As quotas para as classificações de mérito vão manter-no no próximo modelo de avaliação docente, confirmou hoje Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência.

A 8 de Janeiro de 2010 foi assinado um acordo que manteve as quotas no ECD e na ADD. Eram os tempos do idílio de Isabel & Mário. Desta vez, tenha a absoluta certeza que não haverá acordo, porque as afinidades e cores são outras.

Com base no que vi e li desde a tarde de ontem, a partir de 12 de Agosto não existirá qualquer tipo de negociação. Vai-se inverter o que se passou nos tempos de MLR, quando uma das partes fazia o que entendia usando a negociação como mero pretexto.

De certa forma, será um regresso às origens.

Mas o MEC colocou-se a jeito ao, depois de ser omisso nos princípios quanto às quotas, ter na conferência de imprensa optado por se resguardar no SIADAP. Mas o pior foi ter dito que, sem quotas, provavelmente seríamos todos excelentes. Nessa declaração há algo de desnecessária desconfiança em relação à honestidade alheia. Nuno Crato sabe que há métodos para substituir as quotas. Podem não ser fáceis, poderiam despertar alguma hostilidade. Mas nunca tanta como as quotas.

Nuno Crato apresentou aos sindicatos o documento com os sete princípios gerais para avaliação dos professores.

Volto depois de descansar, que é trabalhar noutras coisas.

pois foram avisados quanto ao tipo da cosmética:

VOTO ÚTIL

CONTRA O PS DE SÓCRATES NOS DISTRITOS COM POUCOS ELEITORES

Portugal 2011

© Juvenal Paio

Não vi com extrema atenção as análises feitas nas televisões sobre a manifestação à rasca de ontem. Parei alguns minutos em várias delas, fiquei uns 15-20 minutos nas da SICN (com António José Teixeira a moderar) e TVI24 (com Constança Cunha e Sá). Tirando uma frase de CCS – algo como afinal, com o PEC4, passámos todos a ser precários – só Adelino Maltez parecia estar no mesmo país que eu habito (em termos físicos e mentais) e com que os manifestantes protestavam.

O resto foi um quase completo desenrolar de análises pré-formatadas pelas crenças políticas dos autores. Ou pela ausência de algo que dizer de substantivo. Pela negativa, um Ricardo Araújo Pereira na TVI24 claramente a cumprir calendário, sem nada para dizer, tirando um ou outro àparte engraçado e Rui Ramos, na SICN, a demonstrar o quanto o círculo que quer cercar (ou já cerca) Pedro Passos Coelho tem horror a tudo isto, uma coisa que não se pode, sei lá… Ao lado dele, Costa Pinto ainda deixava entrever 10% do que efectivamente deve pensar sobre o que se passou, mas Rui Ramos limitou-se a debitar um discurso perfeitamente anacrónico e quase ofendido porque na manifestação se notava uma maior inclinação para slogans de Esquerda.

Tão mau quanto um ortodoxo marxista das massas é um ortodoxo anti-marxista das massas.

Quando a análise de um fenómeno social abandona critérios de compreensão, para apenas se limitar a rejeições por preconceitos ideológicos, estamos mal, muito mal, se é isto que se está a preparar no horizonte. Os jovens à rasca podem ter diversas lacunas no seu protesto (e eu acho que sim…), mas desprezar o seu protesto porque faz lembrar manifestações antigas associadas ao 25 de Abril e 1º de Maio não é miopia, é cegueira mesmo.

Alexandre Homem Cristo gosta de escrever sobre Educação com alguma regularidade. Com quase tanta regularidade mistura tremendismo com ignorância, mas daquela ignorância douta, muito ensimesmada, dona da sua verdade e incapaz de perceber que nem tudo o que lhe aparece aos olhos como apocalíptico assim o é.

Sobre o relatório das provas de aferição e a eventual opacidade do conhecimento dos resultados pelos encarregados de educação, escreve o seguinte:

I. Os dados relativos a cada escola não são públicos, e são disponibilizados apenas à própria escola. Isto significa que os pais não têm acesso a essa informação, não podendo portanto avaliar e escolher uma escola melhor adequada às necessidades educativas dos seus filhos.

II. Os pais nunca saberão se os professores dos seus filhos seguem as sugestões, até porque não conhecerão os resultados relativos à sua escola num enquadramento nacional, nem da turma dos seus filhos comparada com as restantes do mesmo ano escolar na mesma escola. Os professores não são responsabilizados pelo desempenho escolar dos alunos, razão pela qual é indiferente para a sua avaliação profissional se seguem a sugestão do relatório e mudam a sua estratégia pedagógica.

III. Não havendo informação pública relativa às escolas e aos professores, ninguém é responsabilizável pelos resultados.

Desmontemos as coisas, ultrapassando o histrionismo da escrita crística:

  • I. A informação disponibilizada às escolas em forma de relatório deve (do verbo dever mesmo e poder) passar pelo Conselho Geral onde estão representados os Encarregados de Educação, que podem solicitar a sua publicitação. Muitas escolas colocam online os resultados das provas de aferição, até ao nível individual. Aliás, há mesmo as que as afixam para consulta pública. Alexandre Homem Cristo não sabe, mas dispara(ta)r em direcção aos horizontes visíveis da sua animosa estimação.
  • II. Os pais só não sabem essas informações se as não solicitarem aos directores de turma ou até aos professores de Língua Portuguesa. Como professor de LP e DT, já fiz relatórios detalhados sobre a avaliação dos alunos que ficaram disponíveis e foram entregues aos EE. Não me considerando um ET, considero que não faço uma prática isolada. Como delegado da disciplina de LP faço anualmente relatórios sobre os resultados das provas de aferição que são levados a Conselho Pedagógico. Nesses relatórios é habitual seguirem sugestões sobre o trabalho a desenvolver para melhorar as áreas fracas detectadas. Esses relatórios podem ser consultados pelos elementos do Conselho Geral ou por quem os solicite, pois circulam por todos os professores de LP. Alexandre Homem Cristo não é obrigado a saber isso. Mas pode generalizar acusações sem sustentação que não a sua impressão sobre o assunto.
  • Dos pontos I e II resssalta o disparate evidente do ponto III, a menos que por responsabilização, AHC entenda a necessita de fustigar publicamente os docentes cujas turmas tenham piores resultados.

Por fim, da prosa de AHC ressalta que os encarregados de educação apenas têm o direito de saber o desempenho dos filhos – decorrentes unicamente pelo trabalho dos professores – e não têm quaisquer deveres de acompanhamento dos seus educandos ao longo do período de preparação para as provas de aferição.

É uma forma de ver as coisas.

Vesga, porque parcial, lacunar e com falta de fundamento factual.

25% das crianças que entram na escola vem de famílias onde a pobreza é extrema

Restrições orçamentais vão contribuir para agravar as formas mais agudas de pobreza e a privação entre as crianças e jovens.

Realmente a fé na escola e nos poderes taumatúrgicos dos professores deve ser enorme, pois só assim se explica que esperem que sejam eles a curar todas as chagas da sociedade, em particular aquelas que todos os outros poderes, profissões e instituições falharam em resolver, mas têm vergonha de admitir, preferindo lançar as culpas para trás das costas e para cima dos outros.

Falam em ciúme social e práticas de selecção e exclusão, quando são eles os primeiros a protagonizá-las, ao ficarem com a nata toda do leite acabadinho de sair da teta europeia ou orçamental e deixando o leite magro, quantas vezes coalhado e azedo, para os outros beberem.

[daqui]

Não é recente, mas a leitura é sempre interessante para se perceber como certas investigações são feitas às arrecuas, ou seja, partindo das conclusões desejadas para os dados recolhidos, as metodologias usadas e os conceitos e paradigmas evocados:

Bias in Social Research

… as pessoas interessam-se por coisas que extravasam, em muito, os rating e os pecs.

Por exemplo, em duas revistas sabemos que o Pinto da Costa trocou, pela 412ª vez aquela senhora com quem casou algumas vezes e que indágora organizou um jantar em sua homenagem, enquanto a filha arranjou namorado. Em outra sabemos que aquela actriz saiu novamente de casa, enquanto aqueloutro artista está muito afectado pela doença de alguém.

Em outras 3 ou 4 sabemos diversas novidades sobre a Rita Pereira, aquela rapariga que dois olhos para baixo é do mais giro que existe em matéria de capas de revista.

  • Ora bem, há uns dias tinha ultrapassado, pela 411ª vez a sua relação com o antigo namorado e tinha ido algures com um qualquer amigo especial
  • Agora consta que está à beira da depressão, ao que outra revista acrescenta que está farta de mentiras e pensa sair do país.

E o país, ele próprio, emociona-se…

Anote-se que subscrevi aquele documento que apelava a uma união dos partidos de esquerda para uma maioria governativa.

Mas depois dá-me um ataque de urticária dos grandes quando leio estas coisas que, se no plano dos princípios é difícil atacar, nas consequências práticas levou ao estado em que estamos.

Alguém informe o Bloco e o PCP que o fascismo já acabou e que este tipo de atitude complacente e benevolente resulta do pior dos preconceitos: a de que os pobrezinhos é que são perigosos. No fundo, pensam o mesmo que os vitorianos, só que em pleno século XXI, só que apontam o dedo aos outros. Parece que não percebem que o argumento é reversível.

E eu estou farto, mas mesmo farto, que certas medidas sejam recusadas, mitigadas ou transfiguradas só porque surgem do quadrante político oposto. peçam lá aos irmãos Portas para se entenderem a este respeito e, pelo caminho, respeitem as escolas, os alunos, os funcionários e, já agora, os professores.

A violência na escola e a cruzada da direita

Afinal, parece que as ocorrências de agressão em contexto escolar – a professores, funcionários, alunos – diminuíram: à volta de 1.000 e longe das 1.656 registadas em 2007-2008. Os números poderão esconder ainda o medo, o silêncio cúmplice ou a indiferença, mas não deixam de ser uma chapada no frenesim autoritário que tem tomado conta do discurso sobre a escola, e que só serve a direita.

O medo de retaliação de uma criança agredida por outra, o medo de um professor de ver o carro riscado, o silêncio de um professor ou professora, vítima de violência psicológica por outro/s professor/es, ou perante a agressão, física ou psicológica de um aluno a outro, que viu ou ouviu e fez de conta que não viu nem ouviu, a indiferença de quem devia ter punido e achou que a coisa passava. Tudo isto é intolerável. É contra o medo e o silêncio que se exige o máximo às escolas, que só podem ser espaços contra a violência, com tolerância zero à indiferença e à cumplicidade. É punição e identificação clara dos agressores, sejam eles quem forem, porque a comunidade deve saber o que fizeram.

Mas estas exigências são o contrário da verborreia autoritária, e a escola pública não pode ser indiferente nem cúmplice perante a cavalgada da paranóia securitária e do policiamento do CDS, que acha que a “indisciplina” é coisa de pobres – quando os estudos dizem que não tem classe social.

Intervir de forma integrada

O PCP discorda que os problemas da violência e do insucesso escolar sejam encarados a partir da estreita visão do «securitarismo e do autoritarismo», defendendo, pelo contrário, uma intervenção «estruturada e integrada» que tenha em conta a realidade económica e social.

Só esta perspectiva pode «construir uma escola mais democrática e inclusiva», sustentou a deputada comunista Rita Rato, distanciando-se de PS, PSD e CDS/PP, a quem acusou igualmente de serem protagonistas ou apoiantes de uma política de crescente desresponsabilização do Estado. O que, aliás, lembrou, ainda há bem pouco tempo voltou a ficar demonstrado no Orçamento do Estado, com a aprovação por aqueles partidos da quebra de investimento público na educação, do congelamento de prestações sociais ou da redução do número de trabalhadores da administração pública (regra da entrada de um pela saída de dois), em prejuízo da qualidade dos serviços prestados à população.

E o mais curioso é que esta posição fortemente ideológica, desligada do quotidiano das escolas, não é partilhada pela maior parte dos docentes que eu conheço serem destes partidos. O que significa que a posição dos deputados do Bloco e do PCP no Parlamento será ditada por tácticas políticas e preconceitos ideológicos, a que é estranho o interesse da Escola Pública que tanto dizem defender.

Que de uma vez por todas se entenda que sancionar comportamentos agressivos e de desrespeito evidente não é excluir, rejeitar, apenas algo natural e necessário para que exista um mínimo de regras de vida em sociedade.

A evolução do posicionamento de alguns opinadores e articulistas relativamente às questões da Educação, em geral, e carreira e avaliação dos docentes, em particular, tem por vezes contornos curiosos.

Um desses casos é o Fernando Madrinha no Expresso. Apoiante inicial das politicas do PS de que Maria de Lurdes Rodrigues foi testa-de-ferro, a sua opinião foi flutuando ao longo do tempo sem ter sempre um rumo definido que não fosse a estranha sensação de que ele estava do lado daqueles que se acham primus inter pares na docência. Alguns dias atrás tive a possível explicação para o facto, através de algumas informações facultadas por uma pessoa amiga.

Claro que isso não chega para fazer qualquer processo de intenções. Mas chega para compreender a crónica de hoje em que Fernando Madrinha atropela sem dó os factos para erigir uma defesa dos professores titulares em topo da carreira. Deixo em seguida o excerto em causa, para não dizerem que descontextualizo a análise.

Vamos lá agora por partes.

  • É absolutamente falso que os professores titulares sejam sacrificados na conversão da anterior carreira de titular/professorzeco numa carreira contínua, visto que mantêm o seu índice salarial inalterado (340 para o actual topo) e, pelo contrário, até ganham um novo escalão de progressão que antes não existia (índice 370).
  • É de uma enorme desonestidade intelectual afirmar que, por passar a existir um novo escalão acima do anterior topo, os docentes que estavam no anterior 10º escalão (na estrutura pré-2007) descem por agora passarem para o 9º escalão da nova carreira única. Se o opinador encartado fosse sério, seria obrigado a admitir que no ECD aprovado em 2007 a carreira tinha 4 escalões de professor e 3 de professor-titular e que após a revisão do último Verão ficou um emaranhado estranho com 7 escalões para os professores e 4 para os titulares, sendo que no 4º de professor titular ainda não se encontra ninguém. Isto significa qu fazer conversões directas entre o ECD de 1998 e a proposta ministerial de 2009 é algo que não pode ser feito com a ligeireza que Madrinha usa para defender os topos de carreira.
  • Em nenhum momento esta proposta, por si só, corresponde à compra da paz nas escolas. Mas se assim fosse, já não era pouco. Só que não é, porque é insuficiente. A nova proposta beneficia objectivamente quem já está como titular, porque as contingentações propostas para a progressão ficam todas abaixo desse patamar (actual índice 245), enquanto, em contrapartida, surge mais um escalão para a progressão. A proposta prejudica, objectivamente e muito, os professores em início de carreira e até cerca de metade da mesma devido à tentativa de criação de três garrotes na progressão. Por isso, a paz está longe.
  • Aquilo a que Fernando Madrinha dá voz, se ele o quisesse admitir, é ao interesse micro-corporativo de um grupo de professores que já estavam instalados no topo da carreira, sem necessidade de se esforçarem mais para nada, que o anterior ME considerou terem chegado a esse topo sem mérito, e que se sentiam já no direito de comandar e avaliar todos os outros como uma casta de acesso reservado. Agora aparece-lhes mais um escalão para progredirem, perdem o exclusico do poder de mando, e a vida subitamente perde aquele remanso em que já se sentiam. No fundo, Fernando madrinha apreenta-se como o porta-voz de uma facção dentro da classe docente, uma facção que nada tem a perder com a nova carreira única, mas que sentem terem-lhes beliscado o estatuto simbólico de mandantes.

Se Fernando Madrinha quisesse ser objectivo e rigoroso na sua análise faria uma declaração de interesses acerca do tipo de análise que elabora com alguma falta de rigor, não por desconhecimento de causa, mas exactamente pelo contrário.

Escola deve ter menos chumbos e garantir aprendizagem de qualidade

A presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) defendeu hoje uma nova forma de organização da escola pública, que em vez de chumbar os alunos com dificuldades se preocupe mais com uma aprendizagem de qualidade.

“Este sistema de percursos educativos que temos não serve nem o desenvolvimento do país nem os alunos. Se olharmos para o que se faz noutros países, as crianças têm mais apoios desde que começam a apresentar dificuldades”, frisou Ana Maria Bettencourt. A responsável do CNE participava na conferência de abertura da cerimónia comemorativa do 30º aniversário do Instituto Politécnico de Setúbal, perante duas centenas de pessoas, sobre “Democratização da educação e pedagogia: questões e desafios”.

Não tenho paciência nenhuma, mas mesmo nenhuma, para estas tiradas gongóricas por parte de quem, na sua prática pedagógica, poderia exemplificar a postura de tolerância e abertura. Ou então estagiar um aninho numa escola normal e demonstrar as suas teorias na prática. E não apenas perorar na ESE de Setúbal, quantas vezes perante audiências silenciadas porque devem ficar em silêncio (contaram-me uma aula de mestrado para professores, divertidíssima, depois daquela entrevista que deu ao Público e da nomeação para o CNE, tipo ego-trip,há uns tempos…).

Porque ter ido passear à Finlândia, lanchado numa cantina, e ter vindo de lá com umas ideias, descontextualizadas, não chega. É curioso que a comentadora Justina tenha chamado exactamente a atenção para esse aspecto e, nem de propósito, tenhamos a presidente do CNE a fornecer um exemplo prático desta adopção acrítica, tipo loja chinesa, de modelos alheios.

Porque esta postura é aquilo que de pior a Esquerda tem para oferecer à Educação: o clima de generalizada desresponsabilização dos alunos porque, no fundo, acham que o que existe são problemas de ensinagem.

Só não percebo porque, se assim é, não encaram os professores também como alunos da vida – é o lifelong learning em prática –  e vítimas do sistema que os não soube ensinar, já que não havendo problemas de aprendizagem, ou aprendem todos (professores incluídos) ou há democracia…

Não é caso singular sempre que se trata de Educação, mas hoje o editorial do Diário de Notícias de hoje tem alguns contornos estranhos para quem não saiba que sombras se movem nos bastidores.

Com o título «Uma quinzena crucial para claricar a Educação» escrevem-se algumas coisas maravilhosas, dão-se a entender outras e demonstram-se estranhas ignorâncias.

Vejamos:

  • Anuncia-se uma possível queda do Governo se a proposta de suspensão da avaliação de desempenho dos docentes for aprovada. O Governo, nesse caso, não cairia por causa da violenta mensagem do Presidente da República por causa do Estatuto dos açores, não cairia por uma sucessão de greves e manifestações sem equiparação no sector, não cairia por ser incapaz de fazer um Orçamento que se mostrasse correcto no primeiro dia da sua entrada em vigor, mas sim por perder uma votação sobre um aspecto de uma política sectorial. Interessante praxis, anunciada e tida como boa pelo editorialista do DN.
  • Em seguida analisa-se a reunião de Santarém no sábado passado, interrogando-se se os 139 PCE seriam de escolas ou agrupamentos, pois isso significa algo muito diferente. Por acaso, passados dois dias, estranha-se que um jornal como o DN ainda não tenha conseguido a lista de presenças de modo a determinar isso. Seria trabalho jornalístico básico antes de escrever sobre o assunto, mas parece que custa muito. Eu poderia ajudar o editorialista em causa, acaso fosse esse o trabalho para que me pagam, mas não é.
  • Por fim, escreve-se sobre uma eventual radicalização da luta dos professores (apresentada a partir de tomadas de posiçao de partes das bases como se fossem do todo) que «resta saber se a grande massa de professores (mais propriamente, professoras) está disposta a seguir por essa via». Resta, no meu caso saber se o editorialista (será o ou a editorialista) considera a questão do género determinante nas formas de contestação dos docentes e que diferenças infere dessa sua posição de grande perspicácia antropo-sociológica.

Será que as professoras são mais cordatas? É isso que o (a?) editorialista insinua? Ou o inverso? Fico curioso quanto a esta questão e, muito em especial, ao que a jornalista Fernanda Cãncio, tão célere prosadora sobre questões deste tipo, achará de tão precoceituosa prosa.

Esta notícia no Expresso de hoje (obrigado ao MJMatos pelo recorte) retrata a situação da nossa Educação em muito mais do que no anedótico – e não tão excepcional quanto isso – caso do aluno que passa com as classificações quase todas negativas, porque, enfim, a idade e tal.

Para mim, mais importante do que os diplomas legais e as atitudes (de demissão de alunos e famílias e de baixar de braços de alguns colegas, que «atiram» a batata quente para o ano seguinte) que isto permitem, são as declarações dos actores que aparecem a falar na peça.

O PCE da escola em causa refugia-se no aparato legislativo que permite isto. Fico é sem saber se a decisão de transição do aluno foi tomada pelo Conselho de Turma, se foi tomada pelo Conselho Pedagógico como muitas vezes acontece, atropelando a avaliação dos docentes dos alunos, na sequência de recursos ou ameaças de recursos. Ou com o receio do aluno continuar na escola a contribuir para os níveis de insucesso e abandono, assim penalizando a avaliação da escola e docentes.

O SE Valter Lemos aparece, como de costume, com aquela verborreia que passa completamente ao lado do essencial, pois o seu discurso é notável pelos preconceitos demonstrados e pelas soluções preconizadas. Para VL «se o voltássemos a chumbar, estaríamos a mandá-lo para a marginalidade», o que significa que para o SE insucesso escolar e criminalidade são indissociáveis numa atitude próxima de outras com que me enfrentei há quase uma década quando foi necessário, como DT, desempatar uma votação quanto à transição de uma aluna que tinha negativas a todas as disciplinas. Na sequência da reunião algumas colegas acusaram-me explicitamente de estar a lançar a aluna na prostituição de estrada, facto que – felizmente – não se veio a confirmar, pois afinal a aluna viria a acertar o passo no ano seguinte. Mas a chantagem emocional foi feita, a legislação que cobria estas transições já existia, e o mau da fita era o DT que achava que há níveis mínimos de ética em tudo isto.

Mas Valter Lemos vai mais longe e acrescenta que os nossos dados estatísticos são uma «chaga» e que «temos a pior taxa de repetência e abandono escolar da OCDE», pelo que a transição de alunos nesta situação é uma «solução remediativa» para garantir o direito à escolaridade obrigatória. Ou seja, para combater as «chagas estatísticas» lança-se mão deste truques e produz-se sucesso à força. O aluno não tem classificações positivas, mas entra nas estatísticas do sucesso. Brilhante.

Claro que depois temos o coro de apoios a esta medida, formado pela coligação bem-pensante, dependente do ME, seja Álvaro Santos do Conselho de Escola que afirma que «a escola tem a obrigação de tentar tudo para manter o aluno no sistema», não explicando bem como é que, tendo 15 anos, algo impede que este miúdo abandone a escola, seja no 6º ou no 7º ano, mesmo com o recurso aos famigerados CEF e a Novas Oportunidades, seja o inefável Albino Almeida que declara, do alto da sua sapiência sistémica e paradigmática, em plural majestático, que «percebemos que o sistema unificado faliu e que um aluno com menos competências se pode integrar na vida activa pela via profissionalizante». Pelos vistos, como representante das «famílias», AA acha que, mais do que vocação, a via profissionalizantes será para os menos competentes. Porreiro, pá!

No meio disto tudo, João Grancho da ANP ainda ousa lançar uma interrogação sobre o tipo de sinal que este tipo de medidas deixa para os outros alunos, e António Castela da Ferlap denuncia com acerto que isto não passa de uma nova forma de passagem administrativa que não resolve o problema real.

Notemos ainda que, de toda a notícia e de todas as declarações, está ausente qualquer tipo de informação ou reflexão sobre as causas do insucesso deste aluno, estando tudo centrado na forma de o «despachar» e de contribuir para as boas estatísticas.

Nesse aspecto, quase todos os actores envolvidos estão de acordo. Não interessa saber porque acontece, interessa é achar a solução para nos livrarmos do problema.

Adenda: O WordPress está a limitar o armazenamento de imagens a um formato que impede a sua ampliação para lá desta dimensão. Por isso mesmo é que alguns destes recortes acabam por ficar pouco legíveis. Por isso, é que acabei por transcrever parte do texto.

Para além das declarações da protagonista, a entrevista de Maria de Lurdes Rodrigues ao Expresso é ainda notável ainda pela forma como é conduzida pelos entrevistadores, que se limitam a estender um tapete rosado para que a Ministra da Educação surja como uma justiceira reformista, objecto de uma contestação de rua movida por uma cambada de malandros, os docentes.

As 8ª e 9ª perguntas colocadas a MLR contêm em si todo um programa interpretativo e um juízo de intenções sobre os actos dos professores. Basta ler:

Como podemos ter confiança num sistema de ensino onde a quase totalidade dos professores não quer ser avaliada?

e

Esperava que os professores respondessem à exigência de serem avaliados com uma “manif” de 100.000 professores?

Repare-se que, em duas penadas, os entrevistadores dão como adquirido, sem o demonstrarem ou se fundamentarem em algo mais do que preconceitos pessoais (várias vezes alardeados por Henrique Monteiro nas suas colunas de opinião) que:

  • O sistema de ensino não merece confiança porque os professores não querem ser avaliados.
  • A «quase totalidade» dos docentes não quer ser avaliada.
  • A manifestação de 8 de Março foi motivada apenas pela recusa da avaliação.

Quando a desonestidade intelectual da pergunta é tamanha, à resposta nem é requerido que se esforce, como acontece com as declarações que se seguem de MLR.

Mas estes entrevistadores são os mesmos que, de tanta vontade de apresentar MLR como uma espécie de Pasionaria, não hesitam na primeira página e depois no texto em escrever que ela «foi o rosto da primeira grande manifestação contra o Governo».

Claro que a frase está mal construída, porque MLR não foi o rosto de nenhuma manifestação (pelos menos desde início dos anos 90, quando iniciou a rota de afastamento do ideário anarquista), mas sim o seu alvo preferencial.

Colocá-la como frontwoman da Marcha da Indignação só poderia ocorrer a espíritos muito planantes ou então a quem usa a Língua Portuguesa como se de um empecilho se tratasse.

Porque não deixaram que fosse o Comendador Marques de Correia a lavrar a prosa?

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