Aflige-me sempre aquela ladaínha acerca de eleições com muitos partidos, muitos candidatos, muita dificuldade em agendar debates com todos e mais as mil e uma desculpas esfarrapadas que cá se usam para fugir a dar a voz às tendências minoritárias, a menos que tenham âncoras seguras no mundo da comunicação social. O status quo existente procura, por definição, preservar-se e só abre pela força ou por dissensões internas. Por vontade dos que mandam, as opiniões minoritárias só têm direito a expressar-se desde que não aborreçam muito ou se não puder deixar de ser. E esta é uma prática usada pelos diversos protagonistas, de diversos alinhamentos partidários, conforme as circunstãncias. O que é mau na Madeira, já é bom no Continente, enquanto que o que é mau no Poder Central já pode ser bom no Poder Local, dependendo das posições relativas.
No entanto, numa democracia a sério estas não são questões vagamente aceitáveis. Apesar de todos os defeitos, o sistema democrático americano tem uma capacidade de gerar soluções funcionais para problemas que para os outros parecem ser montanhas inultrapassáveis.
Comparemos o que se passou com a campanha para a Câmara de Lisboa e as primárias para as eleições presidenciais nos Estados Unidos.
Cá existiam 12 candidatos, sendo que a imprensa e os interessados, decidiram que só 7 eram candidatos a sério, sendo os outros 5 meros figurantes incómodos.
Lá, só nas bandas do Partido Democrático, existem 8 pré-candidatos à Presidência. Todos sabem que só 3 têm verdadeiras hipóteses (Hillary Clinton, Barack Obama e John Edwards), e que cinco estão lá para marcar uma posição. A proporção de candidatos a “irrelevantes” lá é bem maior.
Cá a organização dos debates entre candidatos a Presidente de Câmara ou a vereadores da Oposição parecia uma coisa titânica para os meios de comunicação social e a agenda dos candidatos. E os debates que ocorreram foram sempre – e apesar de alguma moderação maior do que o habitual – exercícios de falta de educação cívica, com interrupções constantes e respostas fora do contexto.
Lá, um canal privado, por cabo (CNN), e um site da internet (Youtube) conseguiram organizar um debate de 2 horas, em que os 8 candidatos estiveram presentes, de pé atrás de um púlpito, perante uma audiência alargada, respondendo a questões de internautas de forma disciplinada e não contestando sempre que se ouvia subtilmente o aviso de “time“, para eles terminarem a sua intervenção.
Daqui por uns tempos existirá debate semelhante com os candidatos republicanos, onde estarão os conhecidos John McCain, Rudolph Giuliani ou Mitt Romney ao lado de outros perfeitamente desconhecidos na maior parte da América.
Não digo que o modelo não tem defeitos, que os tem obviamente. Mas mesmo parte desses defeitos – como o respeito por uma prévia definição dos moldes do debate, que o pode tornar mais espartilhado – resulta de uma forma de cultura cívica muito diversa da nossa. Hillary Clinton tinha o mesmo tempo para responder que Chris Dodd ou Dennis Kucinich e respeitou isso.
Mesmo a relação dos candidatos com o moderador – um excelente Anderson Cooper – nunca foi de aparente paternalismo, cumplicidade ou confrontação como aconteceu entre nós, até porque ele é incisivo e objectivo, também respeitando as regras. E porque é uma estrela por direito próprio, alguém tão informado como os candidatos e por eles respeitado, que não precisa de exibicionismos. Muito longe, pois, da generalidade dos nossos moderadores, sempre à procura de se evidenciarem, primos do cunhado de alguém ou em permanente engasganço.
Só que, mesmo com todos os truques conhecidos na manga e a limitação óbvia das candidaturas a dois aparelhos partidários formatadores, a democracia americana funciona de um modo que a nossa tem dificuldade em compreender. Que antes das eleições ninguém é ou deve ser, por definição, considerado mais importante do que outrém e merecedor de direitos especiais.
Mais importante ainda , que enquanto nos mantivermos com este modelo de comportamento, o alheamento do eleitorado – em especial de boa parte do eleitorado informado e crítico – irá agravar-se cada vez mais.
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