Não ficou enterrada com os governos Sócrates a estratégia de justificar investidas contra os direitos laborais dos docentes com a redução do número de alunos a frequentar o sistema de ensino público.
No Correio da Manhã temos mais um desses exercícios:
Na última década, as escolas perderam quase meio milhão de alunos, entre o Pré-escolar e o Ensino Básico e Secundário. A diferença entre o número de alunos nos anos lectivos 2002/03 (1 807 522) e 2011/12 (1 321 174) é de 486 348, o que representa uma redução de 26,9 por cento. Esta realidade não deve ser dissociada do decréscimo de nascimentos no País.
Com números podemos fazer coisas maravilhosas, incluindo ignorar todas as restantes variáveis. Contam-se os alunos e, se houve uma redução de quase 27%, então o número de professores deveria seguir a mesma evolução!
Certo?
Errado!
A cada ano temos uma nova revoada desta argumentação da treta que ignora coisas tão simples como o facto de ter aumentado a oferta de disciplinas (e de áreas disciplinares) neste período, de se incluir nestes números professores que desempenham cada vez mais outras funções nas escolas que não as lectivas e, para não me estender mais, o facto de existirem outros números, curiosos, que seria interessante explicar antes de avançar por um caminho único e linear de argumentação.
Vejamos…
Para começar… seria possível contextualizar tudo com a redução de professores dos quadros, devidos às aposentações nos últimos anos?Dá trabalho?
Nem sequer há estatísticas oficiais, é isso?
Ora bem… podemos usar pelo menos os indicadores duma recente publicação sobre o Perfil do Docente (2010-2011).
E o que lá achamos, entre outras coisas?
Que, apesar da citada redução do número de alunos, foi necessário um crescente número de professores contratados no sistema…

Se tivermos em conta que o número total de docentes em exercício diminuiu de 146.040 em 200-01 para 140.684 em 2010-11 (e a redução não foi mais sensível devido ao alargamento da rede do ensino pré-escolar), é fácil perceber que a redução do número de professores do quadro foi substancial (nesse ano eram menos de 110.000), mas foi necessário recorrer a quase 36.000 professores contratados.
Como se explica isso para os teorizadores da necessidade (por razões demográficas) de reduzir o número de professores?
Há algo que não bate certo… reduzem-se os alunos, mas é necessário um crescente número de professores contratados!?
Como explicar que em Julho de 2012 se tivessem sinalizado quase 15.000 docentes sem componente lectiva com tantos contratados em exercício?
Não haverá uma péssima gestão de recursos humanos e quadros mal dimensionados?
Se a quebra foi tão pronunciada nos alunos como é que os tais rácios alunos/professor não revelam isso? Se só no 3º ciclo e secundário se verifica alguma quebra, mas nunca na proporção de quase 27%?

Como é que são explicáveis estes números pelos que gostam de usar apenas duas variáveis e um cálculo muito básico?
Como é possível terem sido empurrados para concorrer a DACL até 13 de Julho tantos milhares de professores, nas circunstância apontadas?
E, já agora, alguém informou os ditos teorizadores (e os seus ecos na comunicação social) que o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos implica uma alteração na tendência detectada até ao ano passado?
Ou será que dá muito trabalho fazer as coisas com um pouco de seriedade?
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