Sobre os Exames
Quem, no fundo, deve estar satisfeito com esta confusão e polémica, que eu chamaria artificiosa”, sobre os “transtornos” que estes exames trouxeram para as escola e para as famílias é… o MEC.
Enquanto se faz este alarido sobre as questões logístico-burocráticas que rodeiam os exames e “incómodos” associados (como fazem, por exemplo, os excelsos representantes paternais), deixa-se incólume o cerne da questão: os exames mais não são do que o álibi do MEC (que é tanto mais eficaz quanto a poeira levantada…) para encobrir a falta de rigor e de exigência (para usar o jargão do próprio) do ensino que a sua política educativa fomenta.
O verdadeiro problema que estes exames colocam (na condições concretas desta política educativa – da sua lógica paradoxal: indigente nos gastos e propósitos e mega na estrutura – e do modo como ela está a moldar o nosso sistema de ensino) não é de ordem logística e administrativa, como não é também de natureza ideológica (embora, para quem defenda esta óptica, ser “a favor” ou “ser contra” os exames conte sempre e é sempre pretexto para mais umas alfinetadas na posição contrária). São antes de mais pedagógicas e tangem à qualidade do ensino, objectivo maior de qualquer sistema educativo digno desse nome. E nem sequer é por os exames surgirem antes das aulas acabarem; isso até acaba por ser secundário.
Observemos então – para não se julgar que isto é apenas uma elucubração teorética (sobretudo para os que têm uma visão mais rudimentar das coisas, que lhes oculta que teoria e prática são duas faces de uma só moeda) – o que se passa nas escolas e colégios (não apenas por cá, embora a realidade nacional nos seja mais acessível) que têm por objectivo (desde logo mercantil-concorrencial) aparecer no topo dos resultados dos exames.
Trabalhar visando os resultados dos exames conduz rapidamente à uniformização das estratégias e práticas pedagógicas, à padronização do tipo de ensino e à mera instrumentalização e coisificação do conhecimento. Para já não falar do tipo de formação ético-moral que induz: o individualismo e a concorrência exacerbadas, vistas como “modo natural de ser e agir”.
Contra isto, alguns dirão: não vale a pena levantar tantos fantasmas com estes exames; “eu preparei os meus alunos para os exames sem ‘stresses”. Respondo a essa visão” tranquilizadora” e, nalguns casos, “angélica” (para não falar da preconceituosa que aproveita para fazer finca-pé na sua trincheira “pró exames”) que, além daquelas realidades e tendências observáveis, também ignoram ou negligenciam (ou fazem vista grossa a isso) algumas outras coisas fundamentais:
– É o próprio MEC que faz da avaliação externa o princípio e o fim da sua política educativa, já que não tem nada de qualitativamente consistente para apresentar: “A generalização da avaliação externa é um dos objetivos inscritos no Programa de Governo. Procura-se assim promover o sucesso dos alunos com base num caminho de maior rigor e exigência, que o Ministério da Educação e Ciência tem vindo a aprofundar”. Institui-se assim uma espiral perversa e viciosa: os exames,os seus resultados, atestam a eficácia do sistema e esta confirma-se naqueles: os exames justificam-se e propagam-se por si mesmos. (Já agora, é a isto que chamo “examocracia”). A qualidade do ensino, o objectivo essencial de qualquer política educativa, tornar-se-à como que o “recalcado” desta estratégia, desaparecendo na sombra – e assim, aos poucos, os resultados dos exames (que o “facilitismo” manobra facilmente ao sabor dos ciclos eleitorais) valerão por tudo o resto.
– Os professores não são parvos e tirarão ilações daquele pressuposto programático e das respectivas consequências, a saber: os exames constituem uma prova redobrada de desconfiança no seu trabalho, e os resultados dos exames também acabarão por os avaliar de algum modo. Resultado: ninguém desejará ficar para traz e, gradualmente, as pedagogias instrumentais-adestrantes tornar-se-ão hegemónicas no sistema. Trabalhar-se-à, de uma forma ou de outra, em função dos exames; e isso volver-se-à na normalidade, que todos respirarão, dando cada vez menos por ela. Neste contexto, se queremos mais exames, se achamos que devemos aprofundar essa opção, só por ingenuidade é que se poderá supor que eles então desempenharão um papel meramente regulador ou aferidor (papel limitado e equilibrado(r) que desde sempre defendi para eles).
– Esta concepção pragmática e utilitária do ensino, estribada na política examocrática, é a que se adequa verdadeiramente às duas grandes finalidades (que se articulam entre si) que o governo projecta para a Educação: mercantilização e elitização do ensino (numa palavra: um ensino que, para se subordinar às exigências do mercado, fomenta as desigualdades e potencia a precariedade).
FARPAS