Eduquês


Agradecendo a referência ao Luís T. Ferreira:

Curricular Studies and their Relation with the Political Agenda for Education

Guilherme Valente tem hoje, no Público, um artigo notável a vários os títulos, mas nenhum deles que me desperte especial afinidade.

Antes de mais, ao meter-se numa espécie de polémica com texto anterior de Maria Emília Brederode Santos, demonstra algo que vai sendo cada vez mais evidente e que é a enorme confusão que algumas pessoas fazem em torno de um conceito popularizado como “eduquês”, baralhando sistematicamente o que ele designava na formulação original e ocasional de Marçal Grilo – um discurso hermético, palavroso, redundante, alegadamente científico, em torno da Educação e destinado a dar a ilusão de só ser acessível a uma comunidade de iniciados, muitos deles ligados às Ciências da Educação mas também à Sociologia – e aquilo que alguns transformaram em práticas pedagógicas consideradas facilitistas por estarem na esteira da chamada “Pedagogia do Sucesso”.

Não tenho aqui tempo ou vontade para explicar em detalhe a Guilherme Valente que a intersecção entre teóricos e pedagogos palavrosos na tal “Pedagogia do Sucesso” não significa que o “eduquês” enquanto linguagem seja o mesmo que Guilherme Valente associa a práticas pedagógicas que ele considera erradas, não distinguindo retórica discursiva ou legislativa e prática pedagógica dos professores nas salas de aula. Mas esse “esquecimento” (do papel dos professores na tradução concreta das reformas) é muito habitual nos analistas comprometidos com uma determinada situação política.

Teria de lhe relembrar escritos que ele certamente conhece que remontam ao Movimento Escola Moderna e aparecem mais em força desde finais dos anos 60 e inícios dos anos 70 ligados ao Centro de Investigação Pedagógica da Gulbenkian e mesmo à reforma Veiga Simão. São textos críticos das pedagogias dirigistas dominantes da altura e que só num segundo momento são utilizados como fundamento para uma outra vaga de autores, mais sociólogos do que pedagogos, de que podem ser exemplos Stephen Stoer ou Boaventura Sousa Santos que criam um aparato conceptual de matriz pós-moderna destinado a cobrir muito do relativismo que enxameou posteriormente alguns sectores das Ciências da Educação.

A História desta deriva desde os anos 80 não cabe neste post que, para além disso, se destina a sublinhar um outro aspecto, certamente notável para mim porque confirma algumas das coisas que escrevi neste últimos dois anos, das políticas de Nuno Crato e que passa pela continuidade.

Pub31Dez13c

Guilherme Valente é muito claro e, em meu entender, muito útil ao explicar que as políticas do seu amigo Nuno Crato surgem na continuidade das de Sócrates/Maria de Lurdes Rodrigues que por sua vez terão aprofundado as políticas do também seu amigo David Justino (o qual talvez já seja mais céptico do que parece em relação a muitas das suas ideias quando aplicadas à nossa realidade).

Mesmo quando erra – nem tudo o que Crato tem feito decorre em linha recta do que fizeram os seus antecessores, dos quais é apagada Isabel Alçada – Guilherme Valente presta-nos o inestimável serviço de confessar que, no seu entender, muito próximo do actual MEC, as actuais políticas mais não fazem do que continuar e aprofundar as anteriores.

E é esta confissão, clara, límpida, transparente, de que todos os estes ministros tiveram e têm uma luta comum – o combate ao “eduquês” na versão baralhada e distorcida de Guilherme Valente que apenas ignora como reagiram os professores nas escolas a essas teorias – que nos é extremamente útil para contextualizar tudo o que vivemos e demonstrar que, afinal, não é uma teoria da conspiração afirmar que existe uma confraria de ex-ME(C) que sentem a necessidade de defender-se entre si no essencial, mesmo quando parecem estar em divergência.

Afinal o actual MEC caiu, esparramando-se, no mesmo tipo de linguajar bacoco que tanto criticou anos a fio.

Crato revela que exame para docentes incide sobre componente transversal

O tal “eduquês” – embora a paternidade do termo seja entre nós incontroversa, nem sempre a definição ou aplicação concreta segue o que foi designado” como tal pelo ex-ministro Marçal Grilo. Recordemos que, para ele, o “eduquês” era uma variante do discurso sobre Educação, produzido por alguns especialistas em “Ciências da Educação” e com um vocabulário hermético e formulações muito complexas, que pareciam ser feitas especificamente para confundir os leigos e manter a discussão afastada do vulgo. Adicionalmente, com o sucesso do termo, a sua definição informal passou a incluir também variantes do discurso sobre a Educação muito marcadas pela promoção do sucesso dos alunos a qualquer preço, com a deslocação da responsabilidade do insucesso quase em exclusivo para os professores, assim como teorizações desculpabilizantes como a excessiva contextualização das atitudes de indisciplina e violência, Em paralelo, ao discurso “eduquês” foram sendo associadas práticas pedagógicas muito marcadas pelas abordagens multi-isto ou trans-aquilo e práticas de tipo burocrático destinadas a fazer os professores justificar todas as suas decisões que pusessem em causa os desejáveis níveis de sucesso dos alunos. Sei que esta é uma definição com alguma parcialidade, mas penso que, mais coisa, menos coisa, era disto que se tratava quando, há coisa de 10-15 anos, se vulgarizou a crítica ao “eduquês” a partir dos escritos, mais ou menos justos, de um Guilherme Valente ou de um Gabriel Mithá Ribeiro, a que rapidamente se associou Nuno Crato e um ou outro latecomer, que acabou por se tornar o principal vulto do que se considerou o “anti-eduquês”, ou seja, um discurso inverso destinado a reforçar o rigor e sobriedade do discurso pedagógico, a crítica ao sucesso na base do facilitismo e às práticas curriculares com escasso conteúdo. Embora cedo alguns teorizadores mais políticos tenham associado o tal “edquês” a concepções pedagógicas de “Esquerda”, a verdade é que essa é uma visão simplista do fenómeno, visto que personalidades muito diversas e com trajectos políticos curiosos (desde logo o ex-especialista do IIE, então no CDS, e ex-secretário de Estado, então no PS, Valter Lemos) se podem associar a essa variante do discurso redondo e balofo sobre Educação, enquanto muita gente de Esquerda se distingue por abordagens rigorosas, concretas e substantivas (António Nóvoa, João Barroso). O “eduquês” é mais herdeiro de um abastardamento do discurso pós-moderno, no seu cruzamento com algumas pedagogias libertárias, realmente com raízes à Esquerda (Paulo Freire), do que necessariamente de uma corrente política. Basta verificarmos como há 15 anos o chamado “Estatuto do Aluno” continua preso a concepções teóricas confusas, com preâmbulos palavrosos e intenções fofinhas, tenha sido aprovado com maiorias à Esquerda (o anterior) ou à Direita (o actual).

Tudo isto para dizer que o actual MEC se destacou no combate ao tal “eduquês” e a sua subida ao poder foi vista como a possibilidade de inversão da lógica do discurso sobre Educação que se esconde atrás de subterfúgios de linguagem e apresenta o “sucesso” como um imperativo categórico, apresentando os professores como os principais obstáculos à sua concretização e forçando-os a legitimar burocraticamente todos os seus actos devido a uma radical desconfiança dos responsáveis políticos e especialistas de serviço a cada momento, acerca da má vontade da classe docente, no seu todo. E essa possibilidade parecia mais real quando Nuno Crato repetidamente criticava o centralismo do Ministério da Educação, os “comissários políticos” (inspectores) enviados às escolas para as controlares e prometeu a “implosão” do edifício burocrático-administrativo que estaria a asfixiar a Educação em Portugal.

Resumindo a coisa: tirando a criação das provas finais do 4º ano e a eliminação das ACND (sendo que de todas a Área-Projecto era a que representava a maior excrescência), nada mais se concretizou. O discurso manhoso sobre Educação, com as palavras a servirem de véu sobre a realidade e os números a serem usados de forma truncada e instrumental, manteve-se e a implosão do MEC só aconteceu ao nível da sua eficácia técnica em situações de regulação ou ao nível dos concursos, pois as estruturas de chefias intermédias se mantêm, apenas mudando de nome (de direcções regionais para direcções de serviços) e a estrutura orgânica do MEC ainda se tornou mais centralizada e piramidal, falhando por completo qualquer hipótese de efectiva descentralização ou desconcentração, que o discurso da “autonomia” não consegue esconder. Resumindo ainda mais: o “eduquês” enquanto estilo continua de boa saúde, apenas tendo mudado a substância da estratégia que serve. Antes servia um relativismo paralisante, agora serve um absolutismo das soluções únicas e incontestáveis. Em qualquer dos casos, o uso da “liberdade” como argumento é um enorme abuso.

Ainda com grande sucesso entre certos círculos de alguma pedagogice teórica, com chancela BSS.

Trata-se da páginas 23 a 25 da obra Nova Teoria Curricular de João Paraskeva (Edições Pedago, 2011), um autor que eleva o emaranhado discursivo a todo um novo nível de desnecessária complexidade, fazendo certamente empalidecer de inveja aqueles que cita (desculpem lá, mas foi foto que não me apeteceu digitalizar a preceito):

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Não tem de especialmente especial. Apenas é interessante no contexto e um MEC que vinha para romper com certos hábitos fofinhos e apenas acaba por romper com os professores em quem ele dizia confiaa antes da reconversão.

De: “DGIDC”
Data: 12 de Dez de 2012 16:09
Assunto: Educação para a Cidadania
Para:

Exmo(a). Senhor(a) Diretor(a) de Agrupamento de Escolas / Escolas não agrupadas

O Ministério da Educação e Ciência, através da Direção-Geral da Educação (DGE), elaborou as linhas orientadoras da Educação para a Cidadania e disponibilizou-as, na passada semana, no portal da DGE.

Em anexo segue a versão em formato PDF do referido documento, sem prejuízo da sua consulta no portal da DGE:

http://www.dge.mec.pt/educacaocidadania/index.php?s=directorio&pid=71

Esperamos que a disponibilização da versão pdf do referido documento contribua para uma mais fácil divulgação do mesmo junto dos membros da comunidade escolar do seu agrupamento de escolas ou escola não agrupada.

Informamos ainda que se procederá à divulgação dos referenciais ou outros documentos orientadores para as diversas áreas da educação para a cidadania à medida que forem sendo elaborados e aprovados, à imagem do que foi feito com o Referencial de Educação Rodoviária.

Com os melhores cumprimentos,

Lisboa, 12 de dezembro de 2012

                                                                    O Diretor-Geral da Direção-Geral da Educação

                                                            

                                                                                              Fernando Egídio Reis

Que bom… e vão aprender a falar alemão ou apenas a tocar caixa, já que o piano fica mais para os franceses…?

«Com as naturais adaptações à nossa realidade e com a preocupação constante de permeabilidade entre ofertas, de forma a permitir aos jovens no ensino profissional a passagem ao ensino científico-humanístico e vice-versa, a troca de experiências com as escolas e empresas alemães será certamente enriquecedora para o sistema educativo português», lê-se numa nota do gabinete de Crato enviada às redacções.

Incentivar a troca de informação sobre metodologias de trabalho e práticas, promover acções para o intercâmbio de alunos do ensino profissional, profissionais educativos e representantes empresariais e «criar um grupo de trabalho bilateral, composto por representantes dos dois países, com o intuito de coordenar, acompanhar e avaliar a implementação do Memorando de Entendimento» são alguns dos objectivos do acordo assinado esta segunda-feira em Berlim por Nuno Crato e pela ministra da Educação e Investigação da Alemanha, Professora Annette Schavan.

Quanto à nota de imprensa, o aroma eduquês é evidente (os intercâmbios de experiências e os grupos de trabalho bilaterais, os intuitos de coordenar, acompanhar e a avaliar o que nunca é avaliado, são quase marcas d’água), pois se usam demasiadas palavras para explicar o que se resolveria em duas linhas.

Só faltou mesmo qualquer coisa transversal, que nem toda a malta já lá vai mesmo na horizontal.

E andamos a perder tempo com isto às 6ªs feiras ao cair da noite…

———- Mensagem reencaminhada ———-
De: “DGIDC” <dgidc@escolas.min-edu.pt>
Data: 19 de Out de 2012 18:16
Assunto: Divulgação do Referencial de Educação Rodoviária para a Educação Pré-Escolar e o Ensino Básico
Para: <todos@escolas.min-edu.pt>

Exmo(a) Senhor(a) Diretor(a)
Junto se envia, em formato PDF, o Referencial de Educação Rodoviária para a Educação Pré- Escolar e o Ensino Básico, elaborado pela Direção-Geral da Educação (DGE), no quadro da Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária (ENSR) para 2008-2015 da responsabilidade da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária. Este documento foi produzido em parceria com as entidades representadas no grupo de trabalho responsável pelas ações previstas no objetivo operacional 1 – Desenvolvimento de uma cultura de educação para a segurança rodoviária – da referida ENSR.
 
Destinado aos docentes da educação pré-escolar e do ensino básico, o Referencial de Educação Rodoviáriapara a Educação Pré- Escolar e o Ensino Básico visa enquadrar a Educação Rodoviária no âmbito da Educação para a Cidadania e promover a sua operacionalização na escola, de forma ajustada à realidade de cada comunidade educativa e tendo em conta o desenvolvimento de parcerias e a participação das famílias. O Referencial de Educação Rodoviária(RER), que se constitui como um documento orientador e um instrumento de apoio à prática educativa, foiaprovado por despacho da Secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário, de 26 de junho de 2012.
 
O RER deve ser entendido como um documento curricular, de natureza flexível, que contempla os conhecimentose as capacidades que os alunos devem dominar no final de cada um dos níveis de educação e ensino. O documento organiza-se em torno de quatro grandes objetivos focalizados no indivíduo, enquanto cidadão, e na sua condição de peão, passageiro e condutor. Estes objetivos operacionalizam-se em cada nível de educação e ensino, tendo em conta as características de cada grupo etário.
 
Trata-se de um documento orientador que, no quadro da revisão da estrutura curricular do ensino básico e secundário, consagrada no Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, visa contribuir para:
– o “reforço do caráter transversal da educação para a cidadania, estabelecendo conteúdos e     
  orientações programáticas” (alínea m) do Artigo 3.º);
– a oferta de “componentes curriculares complementares com carga horária flexível” (Artigo 12.º);
– o desenvolvimento de “projetos e atividades que contribuam para a formação pessoal e social dos alunos, designadamente (…) educação rodoviária (…)” (Artigo 15.º).
Para além da dimensão transversal que caracteriza a Educação para a Cidadania em todos os níveis de educação e ensino, esta constitui, no 1.º ciclo do ensino básico, uma área não disciplinar de oferta obrigatória, podendo organizar-se, nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, como componente curricular complementar, de acordo com os critérios de cada escola.
A Educação Rodoviária, uma das áreas e dimensões da Educação para a Cidadania, pode, assim, ser alvo de abordagem curricular através de diferentes formas, sem prejuízo do desenvolvimento de projetos e atividades de iniciativa das escolas ou do envolvimento em ações da comunidade e entidades que intervêm neste âmbito. Em qualquer uma das situações, devem privilegiar-se abordagens diversificadas que se concretizem numa vivência diária e numa prática sistemática, transversal às atividades proporcionadas pela escola.
O Referencial de Educação Rodoviária para a Educação Pré-escolar e o Ensino Básico encontra-se disponível no site da DGE:
Brevemente será também disponibilizada a indicação sobre material informativo e outros recursos educativos de apoio aos docentes.
O presente documento destina-se à educação pré-escolar e ensino básico, como se referiu, prevendo-se, numa segunda fase, a elaboração do Referencial de Educação Rodoviária para o Ensino Secundário.
 DGE, 2012.10.19
O Diretor-Geral da DGE
Fernando Egídio Reis
.
Anexo: EDU_ROD_.

,,, mas uma vez sem exemplo vou transcrever uma parte de uma crónica de Inês Pedrosa, que é uma espécie de danieloliveirasampaio mas em estilo de mais feminil maternalidade coiso e tal.

Isto é tão bem intencionado e delicodoce que se me caíram dois pré-molares e a glicémia encostou nos 500.

Quando li o recheio da Formação Cívica com conceitos filosóficos  para activar os neurónios – e estamos a falar de crianças de 10 anos, desprotegidas perante o peso brutal de tamanha maternal infantilidade adulta – entrei em colapso e tive de pedir ajuda médica para concluir o post.

Neste momento estou a soro, com uma solução a ser administrada por via intravenosa para me baixar os níveis himalaianos de cólicas gastro-intestinal e evitar que me saiam fluxos de empastada luz cor de rosa acastanhada por todos os poros e alguns orifícios.

Estes exames nacionais servirão apenas para passar atestados de incapacidade aos mais desprotegidos – e é de crianças de 9 anos que falamos.

Crianças que têm que aprender a procurar o conhecimento e apaixonar-se por ele antes de serem arrastadas para o mundo da competição desenfreada. Ninguém pode ser considerado um falhado aos 9 anos sem que isso afecte gravemente o seu futuro.

Acresce que o mundo da infância é ainda, em Portugal, vulnerável e perigoso – ao superior interesse da criança sobrepõe-se sempre a voz e o sentido de posse dos adultos, com o que isso implica de inimaginável violência e repressão quotidiana.

A ideia de apontar e separar os ‘maus alunos’ é, nesta idade, catastrófica. Como a ideia de pôr as crianças com problemas de desenvolvimento em competição directa e desigual com as que os não têm: quem não tiver garras que se dane. É a lei da selva em todo o seu esplendor.

A eliminação da disciplina de Formação Cívica é outro sinal terrível: urgente seria rechear essa disciplina dos conteúdos filosóficos que moldam o carácter e activam os neurónios, preparando-os para serem melhores em todas as outras áreas.

O fim da obrigatoriedade da Educação Tecnológica no 3.º ciclo, num mundo cada vez mais moldado pelas novas tecnologias, é outro erro de fundo desta reforma educativa. O que se pretende? Criar uma geração acrítica e desesperadamente individualista, orientada apenas para o imediato do deve e do haver? Depois queixem-se.

E alguém explique à articulista o que é a Educação Tecnológica…

Neste momento, resta muito pouco…

Entre cortes e coisinhas fofas, os anti-crateses podem estar descansados.

A medida vai estar sobre análise (2’48”)? Ouvi bem?

Não me importo de conceder o prémio de simpatia e fotogenia, mas quanto ao resto… (destacaria ali pelos 4’oo” a indefinição quanto ao coiso e tal)

De nada adiantam. Para aferição de desempenho chegavam, então, as provas. Mais um recuo por demais evidente, para alívio de todos os que andavam com receio dos exames e desataram a espernear.

O Ministério introduziu o exame de 6.º ano. Quanto vai valer na nota final?

Para já vai ter um peso de 25 por cento para a nota final, durante um período inicial, enquanto a medida e o seu impacto estiver sob análise. Quando se introduziu exames no 9.º também começaram por valer 25%. Para avaliar a resposta dos alunos, dos professores, o impacto que tem na avaliação e aprendizagem dos alunos. É o primeiro ano e vamos começar com peso mais moderado e depois teremos possibilidade de incrementar ou não essa ponderação para a nota final.

Esse peso na nota final não dá para passar ou chumbar de ano…

Não introduz diferenças, mas ajuda que professores e alunos trabalhem para uma meta clara, tendo consciência que, mesmo que a nota final não seja determinada pela prova de avaliação externa, para todos os efeitos tem o seu peso. Já existe aqui um elemento de avaliação externa comum todas as escolas. O segundo aspecto é que, mesmo não contando, estamos a habituar os alunos a trabalhar sendo avaliados. A ideia de que o nosso trabalho é submetido a avaliação e que nos devolve, sob a forma de resultados, quais as áreas em que o aluno está a aprender o que é suposto ou onde apresenta dificuldades, é também muito importante. É um excelente momento para detectar a nivel nacional quais as áreas em que há mais dificuldades. É bom para o professor, para determinar o plano de trabalho mais adequado àquela turma, como é útil para o sistema educativo.

Se bem repararmos, esta segunda resposta é redondinha, faz pirueta sobre si mesma e roda a 720º.

Do exame fica o nome. Ou seja, as provas de aferição passam a contar 25%, o que de nada adianta em termos práticos. Um elemento comum de avaliação (com o nome de aferição) já existia. Isto é eduquês puro, na variante do vazio de conteúdo recoberto com excesso de conversa.

O que diria Nuno Crato há uns meses se lesse uma resposta destas?

É o chavão fofinho do momento do discurso  sindico-eduquês sobre a ADD.
A mesma estirpe de vírus que atacou o discurso em torno da avaliação dos alunos a partir de final dos anos 80.
Curioso é o paradoxo de gente de barba rija a exigir rigor na avaliação dos alunos a aceitar alinhar nisto.

Mas é coerente com uma sondagem feita aqui há uma semana ou duas em que a maioria se declarou contra qualquer ADD.

Só falta pedirem uma Avaliação dos Afectos e, de caminho, darem formação, em Ateliers e Workshops dos Afectos.

Aqui, com passagens memoráveis, dignas de um daqueles livrinhos que se publicaram aos molhos nos anos 90. A lilás escrevi as partes mais fofinhas. Anoto, muito em especial, que agora a avaliação já deve ser, por norma, interna, que é tudo muito reflexivo, co-coiso, cheio de enfoques e perspectivas, formativas e participadas.

Para quem estiver mais distraído, foi este tipo de discurso e a prática que implica que levaram ao que, de forma quase consensual na actualidade, se considera ter levado a uma contínua  erosão das aprendizagens dos alunos. Isto é o caminho para a palmadinha nas costas e vai lá à tua vida, que ninguém se quer chatear.

Para quem estiver mesmo muito distraído, isto corresponde à parte II – designada Esquema Operatório do Modelo Integrador de Avaliação do Desempenho Docente – da proposta apresentada por João Paulo Videira em  2008 e que a Fenprof, muito a custo, lá apresentou como sua em Janeiro de 2009, por falta de encontrar melhor.

Nem sequer é trabalho original. É cola e tesoura. Quero ver agora certos alguéns a defender o trabalho de  quem tanto criticaram. Eu desde aquela altura que o acho conceptualmente errado.

2.º Credibilidade e reconhecimento

A Avaliação de Desempenho só será credível e reconhecida se orientada para a melhoria efectiva do desempenho e tiver no seu horizonte o desenvolvimento profissional dos docentes. Nesse sentido, terá de ser intrínseca aos Professores e Educadores, participada e co-construída pelos próprios.

3.º Matriz formativa

A avaliação não depende das questões laborais e de carreira. Ao contrário, estas surgem como consequência natural, caso a avaliação tenha sido efectivamente reflexiva e criteriosa. Um modelo orientado para a melhoria de práticas tem de detectar insuficiências de desempenho e despoletar os mecanismos para a sua superação, na sequência de autopropostas e propostas de intervenção.

(…)

5.º- Transparência e Auto-avaliação

O processo de avaliação deverá ser transparente e partir do próprio avaliado. Assim, todos os critérios e vectores de avaliação terão de ser controlados pelo avaliado. O trabalho de auto-análise é indispensável a um modelo eficaz que pretenda reflectir e influir no desempenho real, pelo que o processo deverá partir do procedimento de auto-avaliação.

6.º Co-avaliação na base de um modelo integrado e participado

A prática da co-avaliação implica que todos os elementos de uma determinada comunidade educativa participem no processo de avaliação. A co-avaliação deverá resultar do trabalho desenvolvido pelas estruturas intermédias de gestão das escolas – sendo inadequadas as actuais, designadamente os mega-departamentos existentes – e dá resposta ao problema do reconhecimento da autoridade do avaliador. A opção por avaliador de escalão superior ou de escola diferente não só não o legitima, como é inexequível, havendo experiências anteriores que o confirmam.

(…)

8.º Avaliação integrada e não individualizada

A avaliação do desenvolvimento pessoal e profissional do Educador/Professor deve ser contextualizada, integrada nas suas experiências pessoais e ter em conta vectores e condicionantes da escola e da comunidade em que se insere. Tem de ser perspectivada num quadro mais amplo do que o pessoal, pois pressupõe a melhoria do serviço prestado pela instituição em que trabalha.

9.º Avaliação de um processo e não de um produto

Na sequência do princípio antes enunciado, o enfoque avaliativo deve incidir na avaliação qualitativa de um processo e de um serviço prestado e não na aferição de um produto individual.

10.º Avaliação, por norma, processo interno às escolas

A avaliação de desempenho docente é, por norma, um processo interno às escolas, salvo quando está em causa a verificação do carácter excepcional (positivo ou negativo) do desempenho docente. Neste caso, haverá lugar a intervenção externa, assentando, neste carácter excepcional, o princípio da diferenciação.

11.º Diferenciação e melhoria de práticas

A diferenciação deverá ser considerada num plano qualitativo e potenciador da melhoria de práticas. Por esse motivo, não pode implicar qualquer exclusividade ou inibição no desempenho de cargos pedagógicos, por razões de paridade, igualdade de oportunidades, flexibilidade na gestão do serviço escolar e reconhecimento do princípio da igualdade profissional. Não pode implicar, igualmente, cisões ou divisões profissionais ou de carreira.

12.º Por norma, o desempenho docente é positivo devendo ser reconhecido como tal

O desempenho docente é, por norma, positivo, devendo ser considerado Bom. Excepcionalmente, encontram-se situações que se diferenciam positivamente e negativamente. Assim, o novo modelo de avaliação de desempenho docente deverá reflectir essa realidade, prevendo a possibilidade de atribuição de três menções: Muito Bom, Bom e Não Satisfaz. Esta é a solução que, com êxito, foi acordada para o Ensino Particular e Cooperativo.

Ao contrário do que alguns gostam de dar a entender, por eduquês não se devem entender práticas pedagógicas destinadas a dar uma atenção diferenciada aos alunos e a diversificar as estratégias de transmitir conhecimentos, competências e atitudes aos alunos, por forma a eles melhor conseguirem assimilar o que deles se espera ou que aos mesmos garante sucesso nas aprendizagens (e aqui já teríamos um mundo imenso de debate para a verborreia eduquesa).

Por eduquês entende-se, antes de outra coisa, um discurso nevoento sobre a realidade observável, envolvendo-a num manto de (auto)referências e num aparato de pretensa erudição, cujo objectivo essencial é legitimar políticas que assegurem o sucesso através da recusa da utilização de um qualquer padrão que sirva para medir (palavra horrível para muitos) o desempenho dos alunos.

A obra que em seguida apresento (não é por acaso que é coordenada pelo autor de uma das obras do post anterior e contém um artigo do autor de outra) é apenas uma entre muitas passíveis de serem usadas como exemplificadoras deste tipo de discurso, com matizes mais suaves ou mais densas.

Escolhi uma longa citação do artigo de A. M. Magalhães e Stephen Stoer que se pode encontrar nas páginas 37 e 38 da obra. É longa e espirala em torno de si mesma, podendo resumir-se a «tomem atenção às diferenças (culturais, sociais) dos alunos, respeitem-nas e tentem ensiná-los como indivíduos e não como peças de uma engrenagem».

Eu acho que era mais simples, mas citar Rorty (faltou Habermas) é mais giro.

Os exemplos poderiam ser outros, pois as referências são variadas. Colhi estes porque estavam mais à mão na estante. Fazem parte da corrente de sociologia da Educação que a partir dos anos 50 na Inglaterra e dos anos 60 nos EUA e França, acusaram o sistema de ensino de reproduzir desigualdades, de estar formatado para servir os interesses das classes dominantes e manter as classes dominadas num estado de apatia e controle ideológico, através de mecanismos de classificação e selecção em ambiente escolar.

Foi uma corrente que, em especial nos anos 70, se cruzou com a denúncia do neocolonialismo, etc, etc. Podemos sempre afirmar que, apesar do olhar ideológico comprometido, as intenções de emancipação dos oprimidos eram as melhores.

Uma coisa é certa: ainda escreviam com clareza o que pensavam e ao que vinham. Ler estas obras é um exercício relativamente simples, mesmo para leigos e mesmo que discordemos de algumas passagens e raciocínios.

Isto não se confunde com o que, mais tarde, se convencionou chamar eduquês. Apenas forneceu as bases teóricos e a contextualização histórica para uma evlução específica do discurso pedagógico.

Sempre contra as mistificações que deturpam a memória.

Há, muitas vezes, a sensação de que as pessoas que giram em torno da Educação são quase sempre as mesmas.

Não é só isso. eles, no mundo da Educação, conhecem-se todos uns aos outros. E têm os seus ódios internos, os seus amores e as suas desavenças. Isso está permanentemente a vir ao de cima. Por exemplo, com aqueles que não gostam das Ciências da Educação (sou insuspeito nesta matéria, porque sou engenheiro mecânico e tenho uma tese sobre o comportamento mecânico de materiais, por isso estou completamente fora dessas questiúnculas), isso é perfeitamente notório.

Por isso é que não fala eduquês?

Pois. Nunca falei. Mas, dentro do mundo das pessoas que falam sobre Educação, que fizeram teses sobre Educação, há escolas entre eles, conhecem-se dos júris, das teses, das faculdades, dos estudos que fizeram no estrangeiro, etc. Escrevem coisas que, muitas vezes são o reflexo das posições que têm à partida e não propriamente o que pensam em relação ao tema específico. Este é mais um pretexto para voltar a afirmar determinada posição contra o senhor tal ou a senhora tal.

Marçal Grilo, Difícil é Sentá-los, p. 274

Declaração de interesses: sou doutorado em Ciências da Educação, na modalidade de História da Educação.

… contra a reescrita da História que está a tentar ser feita por alguns…

Nunca sentiu falta dessa formação em ciência da Educação?

Não. Nunca me fez falta. Acho que as Ciências da Educação têm um contributo muito importante para o futuro da educação, mas têm uma linguagem e uma forma de abordar os problemas… Não me faz falta, e não sei se faz falta a alguém, em termos de política educativa (…)

As Ciências da Educação são uma área… Conheço uns textos, mas a linguagem… Há uma coisa em alguma da sua mensagem que me faz um bocadinho de impressão. Talvez seja heresia o que estou a dizer: à educação e formação das pessoas está ligado trabalho intenso, esforço, algum sacrifício. O estudar ou formarmo-nos não é sempre uma coisa agradável, muito colorida. O rigor, a disciplina, fazem parte do processo educativo e, quanto mais cedo se aprende isto, melhor. Acho que, aqui, as Ciências da Educação simplificam um bocadinho.

No sentido da permissividade?

Não, mas no sentido em que há uma super-vontade de aceitar tudo e de tudo desculpar, e de tudo entender, e de tudo compreender, e de tudo justificar.

Marçal Grilo, Difícil é Sentá-los, 2001 (4ª edição, 2002) pp. 272-273.

É só dar uma voltinha (curta, que são pouquinhos) pela blogosfera docente fenprofiana (em particular o Miguel parece ter perdido as estribeiras, o que é surpreendente, porque de outros nada se espera de coerente), para se perceber que as saudades do benaventismo estão aí de boa saúde.

Afinal, o eduquês não é aquele discurso redondo, fofo, palavroso, inconsequente, que Marçal Grilo cunhou entre nós, mas sim o discurso dos afectos, que se deve defender. Subitamente, há lutadores duríssimos que se desfazem em eloquências, baralhando as coisas a seu bel-prazer, dando a entender que o eduquês tem alguma coisa a ver com as teorias pedagógicas de um Dewey, mesmo se lá foram beber alguma coisa.

Afinal, agora o rigor é a palavra a abater e os exames um bicho-papão. E assim se prova que o eduquês, aquele a que Marçal Grilo se referiu de forma jocosa e irritada, nunca existiu. E a ter existido, a sua origem está a ser reescrita por quem bem sabemos, por razões que bem se entendem.

A partir daqui, porque no site do Público não encontro a peça completa:

“Há uma percentagem relevante de alunos no sistema, que é difícil de quantificar, que tem reiteradas dificuldades em acompanhar os conteúdos curriculares que as escolas oferecerem. Se calhar deveriam ser justificadamente retidos, mas em muitos casos não o são. Mas é preciso dar resposta a estes casos”, defende. Dirigentes da CNIPE, da Federação Nacional de Educação (FNE) e da ANDE admitem a introdução de mais exames nacionais no percurso escolar obrigatório, nomeadamente através da transformação de uma ou duas provas de aferição, actualmente realizadas, em exames de avaliação. A Fenprof, no entanto, considera esta hipótese “um disparate total” e avisa: “Se esse for o caminho do novo Governo, vão muito mal”, diz Abel Macedo, do secretariado nacional. PSD e CDS já anunciaram que tencionam aumentar o número e o peso das provas nacionais e o novo ministro da Educação, Nuno Crato, é um defensor férreo da introdução de mais exames no percurso escolar obrigatório, nomeadamente no 4.° e 6.° ano. Uma visão oposta à da Fenprof: “O que dizemos é que os exames são a maneira mais pobre de aferir e avaliar os resultados dos alunos, porque não têm nada a ver com a evolução dos alunos ou com o contexto em que se ensina e que se aprende”, afirmou Abel Macedo ao PÚBLICO, antes de conhecer o nome do ministro da Educação.

Aguarda-se, portanto, a exposição da forma mais risca, ou remediada, de aferir e avaliar os resultados dos alunos. Sendo que, se é para avaliar os resultados, se fique sem perceber o que Abel Macedo quer dizer. O que está em causa é aferir e avaliar o desempenho dos alunos (e nesse caso é necessário apresentar uma alternativa aos exames e provas) ou os resultados desse desempenho (e nesse caso já foi feita qualquer coisa, exame ou outra).

Não é rara certa confusão conceptual nestas matérias, na pressa de falar sobre o que até é simples. Abel Macedo não costuma ser um dos casos mais graves de declarações impensadas, mas neste caso alia-se o enviesamento ideológico com a incorrecção prática.

Porque, ao que parece, para Abel Macedo os exames são acontecimentos singulares, esporádicos e interpretáveis sem atender a trajectos e contextos.

Ora, a introdução de uma cultura de avaliação periódica de final de ciclo deve ser feita, exactamente, com o objectivo de avaliar a progressão dos alunos ao longo do tempo e, sempre que possível, contextualizando e ponderando os resultados com variáveis externas que nem se devem limitar às económicas, mas igualmente às culturais (que equipamentos culturais têm os alunos à sua disposição na escola e fora dela, por exemplo).

Algo tentado, mas falhado, por uma equipa dirigida por Sérgio Grácio nos tempos do ministério de David Justino.

O discurso eduquês padrão contra os exames passa por apresentar os resultados dos exames como algo singular, isolado no tempo e no espaço. Ora, qualquer professor habituado a, no plano interno da escola, analisar a evolução dos resultados dos seus alunos ao longo do tempo (quer do mesmo ano de escolaridade ao longo do tempo, quer da coorte de alunos ao longo do seu trajecto), sabe bem que as coisas não são assim.

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