Ano Escolar


Como implodir um novo ano escolar

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Cada arranque de um novo ano lectivo corresponde um leque de problemas e perturbações da mais variada natureza. Parece ser uma espécie de sina, de fado nacional. Este ano, tivemos um ministro a dizer que tudo corre de acordo com a “normalidade” e que eventuais “erros” serão corrigidos e um primeiro-ministro a afirmar que a imperfeição faz parte da natureza das coisas e que, por isso, é natural que o ano lectivo apresente alguns percalços.

Do lado das escolas e dos professores, bem das famílias dos alunos, voltámos a ter um coro de críticas à forma desastrada como o MEC conduziu diversas matérias, seja quanto às opções políticas tomadas, seja quanto às soluções técnicas usadas para as implementar.

Esta disputa não pode, contudo, decidir-se com base em critérios de afinidade ou agenda política, pois o que está em jogo é demasiado importante para os principais interessados num arranque efectivamente normal do ano lectivo, E os principais interessados são os alunos e suas famílias.

E quais são os seus interesses básicos, escrevendo eu como pai e professor?

Começar um ano lectivo e as aulas com acesso a escolas de qualidade na sua área de residência, podendo fazer as suas opções pressões para enveredar precocemente por esta ou aquela via, beneficiando de um trabalho de preparação do ano por parte de um corpo docente motivado e estabilizado, tendo a certeza de poder estar em segurança no espaço escolar e a garantia de existirem os meios necessários para dar resposta às necessidades de aprendizagem de todos os alunos.

Há quem considere que estas são aspirações apenas ao alcance de sociedades ricas, eu penso que estas são as condições básicas de um serviço público de ensino de qualidade. Que pode e deve existir, mesmo com constrangimentos orçamentais.

Em relação a alguns dos aspectos acima apresentados, como arranca este ano lectivo?

Quanto à rede escolar, foram fechadas mais de 300 escolas do 1º ciclo, escolas de proximidade, essenciais para a fixação das populações e para evitar que o país se torne cada vez mais desigual. Numa década, fecharam-se mais de 4000 escolas, com argumentos de racionalidade financeira, ignorando que essa opção levou a que muitos milhares de alunos tivessem de começar os dias mais cedo e acabá-los mais tarde, agravando situações de desigualdade de oportunidades para uma aprendizagem nas melhores condições.

Quanto à organização das opções disponíveis para os alunos, verifica-se que já a partir do 2º ciclo do ensino Básico se pretendem generalizar opções alegadamente profissionalizantes, afastando muitos alunos dos percursos “regulares”, como forma de “limpar” turmas e produzir “sucesso”, pois alunos com maiores dificuldades são afastados para uma via em que são dispensados de fazer exames.

Quanto à preparação atempada do trabalho com os alunos por parte dos professores, este foi um ano para esquecer, com um total desrespeito do MEC pelo trabalho de gestão a administração das escolar, ao atrasar de forma quase indefinida as decisões sobre os pedidos de rescisão dos professores, ao disponibilizar uma plataforma informática para concurso com enormes falhas e um modelo para a contratação de professores polvilhado de critérios duvidosos, falhas técnicas e com um cronograma errado. Há que entender que a estabilidade do trabalho dos docentes é essencial para o sucesso das aprendizagens dos alunos e que não é comunicando aos professores a 31 de Agosto se continuam ou não a dar aulas e contratando milhares de outros apenas com as aulas a arrancar que se protegem os direitos dos alunos.

Enquanto não se assumir que um serviço público de Educação, de acesso universal e gratuito, funcionando de acordo com uma lógica não mercantilista, é condição indispensável para uma sociedade livre e democrática, preferindo-se defender modelos que promovem a desigualdade, premiando os mais fortes e abandonando os mais fracos à sua má sorte, continuamos a caminhar um modelo de sociedade que aceita a erosão dos laços de coesão e solidariedade social.

O arranque de um novo ano lectivo não deve ser pretexto para disputas políticas. Nem para os decisores políticos se conformarem perante a imperfeição das coisas e a normalidade do erro.

Pois corremos o risco de a anormalidade se tornar quotidiana.

PG Sol19Set14

Sol, 19 de Setembro de 2014

… vai continuar este disparate de misturar exames, aulas, classificação de exames, reuniões de final de ano lectivo de uns anos e só depois de outros, apesar de já se ter percebido que ninguém nas escolas ganha com isso, a começar pelos alunos.

Não tendo sido por falta de aviso, é porque a burrice é voluntária.

É curioso como se lê e ouve tanta gente a remeter a discussão em torno da renovação ou termo dos contratos para os conceitos de ano escolar e ano lectivo.

Nos últimos tempos, a expressão ano escolar passou a  surgir na maioria dos documentos, em particular nos que regulamentam os concursos para colocação de professores.

Ao contrário de algumas opiniões, eu não considero que o ano escolar não corresponda ao ano lectivo, muito menos que seja mais curto.

Se formos à etimologia da expressão, ano lectivo (letivo) é que corresponderia ao ano de actividades lectivas, enquanto o ano escolar se aplicaria a todo o ano que decorre desde 1 de Setembro de um ano civil até 31 de Agosto do ano civil seguinte (algo que substituiu o velho ano lectivo a iniciar-se a 1 de Outubro e a terminar a 30 de Setembro). Em nenhum  lado está algo em contrário, pelo menos que eu conheça.

Durante o ano escolar há muitas actividades não-lectivas nas escolas que implicam o trabalho dos professores e cada vez mais isso passou a acontecer durante o mês de Agosto (basta lembrarmo-nos dos exames, vigilâncias, classificação, revisão, mas também de como os Cursos Profissionais se podem prolongar com os respectivos estágios). Não se entende como, saída do nada, aparece a data de 31 de Julho como sendo o fim de qualquer coisa (em termos estritos o ano lectivo terminaria com as aulas e avaliação dos alunos, enquanto o ano escolar só termina a 31 de Agosto).

De acordo com o decreto-lei 20/2006 que é base da regulamentação dos concursos, a expressão e conceito ano escolar aparece repetidamente, sendo que em nenhuma das situações se entenda outra coisa diferente de um ano completo com 12 meses. Aliás, em vários pontos do diploma, quando se fala da plurianualidade das colocações, se subentende vagamente outra coisa diferente do que anos sucessivos, sem interrupções pelo meio.

Veja-se, por exemplo, o nº 3 do artigo 54º:

3—A colocação, em regime de contratação, é efectuada pelo período de um ano escolar, sendo renovável por iguais e sucessivos períodos, precedendo apresentação a concurso, desde que, cumulativamente, se trate de docente portador de habilitação profissional, se mantenha a existência de horário lectivo completo e exista concordância expressa da escola relativamente à renovação do contrato.

Nesse aspecto, o decreto-lei 51/2009 não alterada nada de significativo e também em todo ele o conceito de ano escolar surge associado à ideia de um ano completo. Tomemos outra vez o artigo 54º (nºs 3 e 4) como exemplo:

3 — A colocação, em regime de contratação, é efectuada por contrato de trabalho a termo resolutivo.
4 — A colocação é efectuada pelo período de um ano escolar, renovável por iguais e sucessivos períodos, até ao limite de quatro anos escolares, incluindo o 1.º ano de contrato.

No caso do decreto-lei 35/2007 de 15 de Fevereiro também se lê apenas o seguinte:

2 – O período mínimo de duração do contrato de trabalho é de 30 dias.
3 – A duração do contrato de trabalho tem por limite o termo do ano escolar a que respeita.
4 – O contrato destinado à substituição temporária de docente titular da vaga ou horário vigora até ao 3.º dia útil a contar do dia imediato ao da apresentação deste, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
5 – No caso de o titular da vaga ou horário se apresentar durante o período de realização dos trabalhos de avaliação ou durante os 30 dias imediatamente anteriores, o contrato mantém-se em vigor até à sua conclusão.

A única limitação acontece em relação aos contratados para a leccionação de disciplinas de cursos profissionais e tecnológicos por módulos.

6 – O contrato destinado à leccionação das disciplinas ou módulos de uma disciplina de natureza profissional, tecnológica, vocacional ou artística dos ensinos básico e secundário vigora apenas pelo período de duração do serviço lectivo distribuído e dos respectivos procedimentos de avaliação.

O aviso 9514-A/2011 – abertura do concurso anual com vista ao suprimento das necessidades transitórias de pessoal docente para o ano escolar de 2011 -2012 – mantém o mesmo conceito de ano escolar, sendo isso notório nas passagens em que trata das situações relativas a professores dos quadros, nomeadamente os casos de DACL e DCE. Em nenhum ponto se assume ano escolar como um ano amputado ou truncado no seu final.

Complementarmente podem consultar-se ainda o despacho normativo 36/2002 de 4 de Junho ou o despacho relativo à organização do calendário para o ano escolar de 2011-12 e nada se encontrará contra a data de 31 de Agosto como a de final do ano escolar. Apenas se lê – erradamente – que os estabelecimentos de ensino encerram para férias de Verão durante o mês de Agosto. O que não é verdade.

Resumindo: em caso de dúvida parece-me evidente que o ano escolar se estende de 1 de Setembro a 31 de Agosto, estendendo-se no tempo para além do que se considera ser o ano lectivo no seu sentido mais estrito de período do ano escolar com actividades lectivas.

O resto é poeira nos olhos.