… em que vários ministros da Educação já deste milénio se juntam em ambiente de tertúlia e exibem os seus pergaminhos em matéria de retrocesso da rede escolar do 1º ciclo em nome do progresso, da racionalidade económica e eficácia dos recursos.
Cada um no seu tom, reclamando o que é seu: David Justino relembrando que foi ele a dar novo alento um processo que já vinha do fim dos anos 80 (enquanto técnico camarário em 89-90 assisti ao início do processo), Maria de Lurdes Rodrigues a destacar que foi ela a principal encerradora de escolas e Nuno Crato a sublinhar que foi no seu mandato que se chegou onde nunca antes se chegara.
Algumas coisas podem dividi-los, mas esta é daquelas orientações políticas que os três partilham e defendem com o mesmo tipo de argumentos: os recursos são finitos, há margem para poupanças, os alunos ficam a ganhar com a deslocação para melhores instalações e assim até se combate o insucesso que será maior nas escolas mais remotas e menos equipadas.
Nem tudo o que afirmam é verdade, nem sequer foi cabalmente demonstrado que o sucesso específico dos alunos deslocados para os centros/caixotes escolares melhorou. Pode ser que tenha melhorado, mas até ao momento isso não foi demonstrado. Há mesmo elementos que indicam que as escolas de turma única têm resultados bem acima da média. E mesmo que sejam verdadeiros alguns argumentos, não foi demonstrado que não seria possível fazer melhor com outro tipo de acção.
Porque não foi demonstrado, por exemplo, que os encargos com o equipamento básico das escolas mais pequenas, de proximidade, é de tal forma incomportável que justifique a deslocação de miúd@s de 6 anos mais de uma ou duas dezenas de km, fazendo-os levantar-se e estar prontos (e regressar) quase uma hora antes (depois) do que precisariam.
A lógica desumanizadora e concentracionária, por baixar o custo médio por aluno, une a lógica da acção de todos os ministros, pois “quando se chega lá, há coisas que é impossível não fazer”.
Discordo.
Público, 24 de Junho de 2014
Junho 24, 2014 at 3:42 pm
Conheço os argumentos de cada uma das partes.
Compreendo as duas.
Mas alguma coisa me diz que manter escolas dispersas, com meia dúzia de alunos cada uma, não joga bem com os nossos tempos.
Junho 24, 2014 at 3:45 pm
#1,
A mim, o que parece que não joga bem com os tempos – ou será que joga – é um gajo andar por aqui a comentar de vestes a encobrir o rosto, com medo que saibam quem é.
E a mim alguma coisa diz que qualquer diz vai ter de mudar de nick para continuar a “espalhar” a mensagem.
Ouvistesssss?
Junho 24, 2014 at 3:50 pm
Um disparate, sem dúvida. A “educação” é um direito: se onde se suspeita que haja uma mulher disponível para parir se deve manter a maternidade, onde haja uma criança deve abrir-se (!) uma escola do “primeiro ciclo”.
Junho 24, 2014 at 4:14 pm
Como tudo na vida, no meio termo estará a virtude.
Se tem lógica concentrar os alunos e os recursos, a partir de uma certa dimensão, a desumanização e a massificação são uma ameaça para as crianças, jovens e adultos.
Mas como a finalidade da educação consiste cada vez mais em produzir zombies a custo reduzido, então temos a fórmula certa para o sucesso.
Junho 24, 2014 at 4:49 pm
Diz o Agnelo Figueiredo, diretor do Agrupamento de Escolas de Mangualde e que não sabe o que é uma sala de aula há tanto tempo que já nem se lembra, sobre a matéria:
– «Só vão fechar escolas que tenham uma turma»;
– «No ponto de vista pedagógico é favorável, claro que tem outro ponto negativo a desertificação da população, etc… Mas temos de colocar o interesse das crianças à frente dos interesses locais.»;
– «Ainda não sabemos onde estas crianças serão acolhidas.».
Além do português escorreito em que o homem se pronuncia, destaque para o facto de ele já ter feito uns inquéritos e tal para poder interpretar, com toda a liberdade, o «interesse das crianças».
O resto, pá, ainda faltam dois meses e tal até se iniciar o novo ano letivo e logo se vê onde se encaixotam estas crianças.
Junho 24, 2014 at 4:51 pm
Não me parece que as contas que pretendem justificar esta lógica concentracionária no ensino básico estejam certas. Aliás, se isto fosse tudo uma questão de contas, e com tantos “contabilistas” que há neste país, já há muito que estaríamos entre os mais desenvolvidos da Europa. E veríamos medidas semelhantes a serem adoptadas na generalidade dos países que têm melhores resultados educativos e uma gestão de dinheiros públicos mais rigorosa. O que não sucede.
Mas o problema continua a ser, essencialmente, económico, pelo que interessará perceber que tipo de contas é que são feitas, por todos os partidos do arco governativo, para impor a lógica dos caixotes escolares desde o 1º ciclo e nalguns casos até no pré-escolar.
E assim, olhando para a rubrica das despesas certas e permanentes, o que teremos é alguma poupança em número de professores, resultado das turmas maiores que se consegue formar nos centros escolares e maiores gastos nos transportes escolares. Isto basicamente é subsidiar empresas de camionagem e nalguns casos táxis e empresas municipais com verbas do orçamento da educação que se conseguem retirando professores do sistema.
E depois há os custos acrescidos da construção e manutenção dos caixotes escolares, uma forma de esbanjar recursos orçamentais e comunitários, pois se a população escolar está a diminuir, como noutros contextos não se cansam de nos recordar, então nunca se justificaria construir mais escolas. Ainda para mais quando sabemos que praticamente todas as escolas que agora encerram tinham as condições necessárias para a prestação de um bom serviço educativo.
Finalmente, mas não menos importantes, os custos humanos de obrigar as crianças a levantar-se mais cedo e a chegar mais tarde a casa, impondo precocemente os custos da interioridade e do isolamento aos miúdos das famílias que ainda persistem em viver nas aldeias do interior.
Junho 24, 2014 at 4:54 pm
Ora muito bem, desta vez, h5n1, no seu comentário #4! Concordo.
Lembro-me quando comecei a dar aulas há 35 anos atrás era mto penoso, para mim, ir parar a escolas mto isoladas. Quase não havia transportes, às vezes tínhamos q ficar mesmo a viver na escola e só vir aos fim de semana, na melhor das hipóteses, andar p caminhos de cabras, sem luz, escolas mt frias, crianças ainda descalças. Claro que o momento histórico era outro!
Mas havia um certo espírito de “missão” de muitos colegas em ensinar e dar cultura aquelas populações “remotas”… Na altura tantos e diferenciados incentivos propus, mas ficaram quase todos na gaveta dos ministérios. Para os profs: subsídio de deslocação, contagem de tempo de serviço bonificada, prioridades no concurso, etc… Para as escolas: Apetrechá-las bem, pedagogicamente e com conforto, integradas na comunidade. Não seria preciso 1 magalhães para cada uma, não seria preciso mudar os computadores de ano a ano… levar as crianças a centros comerciais, pizzarias e interesses económicos locais… enfim, passou-se do 8 para o 80, do consumismo! Não se incentivaram profs e começou a surgir aquela coisa de uma escola ter n profs que iam adoecendo… e os alunos a ficarem sem aulas. Porque era uma “lotaria” calhar nessas escolas.
Nas Escolas, como na Saúde… não se dão incentivos à fixação no interior…
Junho 24, 2014 at 5:22 pm
David Justino, no Governo de Durão Barroso, encerrou 472 escolas. Maria de Lurdes Rodrigues, primeiro, Isabel Alçada. a seguir, fecharam mais 2500 e 711, respetivamente. Nuno Crato decretou 500 encerramentos no primeiro ano e agora prepara-se para acabar com mais 311 escolas.
Destaca-se aqui, em primeiro lugar, o primado de um critério economicista: comprimir despesas (mas sem nunca determinar que poupanças efectivas foram feitas…), que implica que se desvalorizem ou escamoteiem as consequências desse impacto em termos humanos, culturais e de coesão e equilíbrio territorial.
É que nessa escala de valores, com efeito, não predominam apenas os económicos: há ainda, em sintonia com estes, uma outra axiologia, impositiva, tendencialmente totalitária, que se prende com as concepções de vida, de sociedade, no fundo, de homem.
As recentes declarações de NC – a sua formação marcadamente tecnocrática faz sobressair o que nos antecessores ficou subentendido – são bem reveladoras a tal propósito.
“A reorganização [escolar] não tem custos diretos para o Estado. Podem haver algumas poupanças e, em algum caso ou outro, algum acréscimo de custos por causa de transporte, mas não é isso que nos move. O que nos move, acima de tudo, é dar melhores condições de educação e sociabilização aos alunos. (…).
Jovens que crescem quatro anos com 10 ou 20 colegas são jovens que têm uma diversidade de experiências muito menor do que jovens que estão integrados em centros escolares de maior dimensão, onde contactam com muitas dezenas de colegas e que, por isso, têm uma troca de experiências, conhecimento e sociabilização que daí advém”.
Temos aqui uma concepção que privilegia a massa em relação ao indivíduo: este será tanto mais “realizado” quanto maior for o grupo em que está inserido ou diluído, quanto maior for o número das suas interacções possíveis. A sua interioridade, a sua singularidade são postergadas em nome de uma socialização forçada, quantas vezes artificial, em que a diferença é subsumida. A estrutura cognitiva – organização psicológica interior- adquirida como resultado das experiências num determinado meio social passa a ser decisiva para determinar o comportamento do indivíduo: toda uma “sociologia e psicologia da aprendizagem”, da uniformização do pensamento, do gesto, do gosto, enfim, da coerção identitária.
A escala social, qualitativa, proximal, afectiva, é, assim, substituída por uma escala meramente quantitativa, em nome de um limiar de “possibilidades de experiências” indefinido, quer dizer, anódinas, despersonalizadas. Detecta-se aqui uma perspectiva sociológica positivista, que subestima a dimensão compreensiva, que negligencia as intenções e motivações do indivíduo perante os contextos relacionais.
Que, finalmente, esta política de concentração da rede escolar seja levada por diante sob a inspiração da doutrina “liberal” não deixa de ser uma terrível ironia…
Junho 24, 2014 at 7:30 pm
Giro é os 24% que se calaram.
Só houve acordo para o encerramento de 67,5 por cento das 311 escolas
Graça Barbosa Ribeiro
24/06/2014 – 18:29
O secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar revelou, em declarações à TSF, que em relação 24% dos estabelecimentos de ensino as autarquias não se pronunciaram e que em relativamente a 8% houve desacordo. A Associação Nacional de Municípios assegura que não houve diálogo, o ministro cririca “radicalizações ideológicas”.
(…)
Ler mais:http://www.publico.pt/sociedade/noticia/so-houve-acordo-para-o-encerramento-de-675-por-cento-das-311-escolas-1660330
Junho 24, 2014 at 7:44 pm
24% de escolas “nim”?!
Junho 24, 2014 at 8:07 pm
Gosto sempre que o “JB” percebe que está a mais na conversa.
Junho 24, 2014 at 8:34 pm
«a ANMP deixou claro que só aceitava o fecho de estabelecimentos se daí resultassem “melhores condições de aprendizagem, de sucessso educativo e da vivência escolar dos alunos”».
– Como apuram o cumprimento dessas condições?
Para o MEC, a questão é fácil: dá essas condições como satisfeitas à priori…
Cheira-me que para as pressurosas autarquias o critério não será, no fundo, diferente: aceitarão o facto como consumado se receberem algumas contrapartidas…
Junho 24, 2014 at 8:40 pm
#11
😆
Junho 24, 2014 at 9:56 pm
O apagamento das escolas incendeia os montes
Junho 24, 2014 at 10:15 pm
O curioso é que muita gente, mesmo que crítica dos recentes governos, acha esta medida de encaixotamento uma coisa (das poucas) positiva.
É como diz o Paulo: que estudos mostram que é pior estudar, aos 6, 7 anos, numa escola enraizada com 10 ou 20 alunos do que numa com centenas, à molhada?
Que género de socialização acham ser necessária para crianças destas idades? irão de seguida avançar para o Erasmus Infantil?
Junho 25, 2014 at 3:00 am
“Cada um no seu tom, reclamando o que é seu: David Justino relembrando que foi ele a dar novo alento um processo que já vinha do fim dos anos 80 (enquanto técnico camarário em 89-90 assisti ao início do processo), Maria de Lurdes Rodrigues a destacar que foi ela a principal encerradora de escolas”
Um almoço que junte o monga e a avantesma está, independentemente da ementa, condenado a provocar indigestão. Terá, necessariamente, de reunir apenas os dois bestuntos.