Vou periodicamente à secção de Ciências Sociais ou de Educação de umas quantas livrarias menos mainstream e com uma oferta para além do que vende em 15 dias.
E o que lá encontro em matérias tão caras para os críticos do poder que está e tem estado na área da Educação?
Uma produção muito substancial – a quase totalidade sobre tais temáticas – sobre avaliação do desempenho, sucesso escolar, novas lideranças educativas, supervisão pedagógica, etc, etc, de investigadores e especialistas claramente posicionados no que consideramos ser a Esquerda (a filiação ou simpatia partidária de muit@s nem sequer é especial segredo) que, em centros de investigação até muito recentemente tiveram os mais diversos apoios institucionais para as suas investigações e consequentes publicações, têm ocupado a maior parte do seu tempo a explicar como se operacionalizam práticas que eu pensava que eles não consideravam adequadas.
Dificilmente se encontra um investigador/teorizador “de Direita” a dinamizar aquelas conferências e debates, com muitas comunicações que depois são vertidas para volumes em que aparecem muito palavras como “liderança”, “sucesso” ou “desigualdade(s)”.
Há ali gente para todas as estações, para todos os grupos de trabalho, para todas as estruturas de missão, para todos os observatórios.
E percebo que o actual MEC apenas é um desastrado aplicador de teses que outros conhecem muito melhor, sabem explicar e fundamentar muito melhor e que, à primeira esquina eleitoral, lá estarão – alguns deles de novo na mó de cima – a aprofundar ainda melhor o aprofundamento que temos vivido daquelas políticas que todos os políticos “responsáveis” – ou os que tanto anseiam por assim virem a ser vistos – estão “obrigados” a desenvolver.
Se alguém acredita que há esperança na alteração da maioria das políticas nucleares actualmente em decurso na área da Educação, é melhor não exibir a ingenuidade que tanto gostaram de criticar a outros há bem pouco tempo.
Junho 14, 2014 at 5:09 pm
António Costa proferiu, há poucos dias, uma frase – uma frase-boomerang… – muito esclarecedora:
“Se pensarmos como a direita, quando chegarmos ao governo, governamos como ela”.
Em todas as áreas, o maior problema da esquerda – mormente da dita “moderada” – é ter-se deixado dominar, de uma maneira ou de outra, pelo pensamento, pelos argumentos, ideias e, em vários e significativos casos, pelas práticas da direita neo/ultraliberal.
No caso da Educação, torna-se cada vez mais evidente que a Escola que hoje temos é dominada globalmente por uma perspectiva utilitária e mercantilista – que parece já ter atingido o estatuto de pensamento único -, apresentando um perfil organizacional e um esquema funcional em que se reconhecem a racionalidade e os termos importados do universo da gestão empresarial (designadamente dos modelos taylorista e burocrático), subordinando as organizações públicas às finalidades e aos objectivos do mercado e confrontando-as com a capacidade competitiva das instituições privadas.
Com menos profundidade, porém, vêm sendo analisados os reflexos que tal perspectiva tem na própria natureza do ensino e do papel dos agentes que o ministram. Até porque essa análise tem sido obnubilada por uma série de formulações e conceitos provindos, quase invariavelmente de forma acrítica, da área Ciências da Educação, mas que encontramos disseminadas também em outras áreas (como se assinala no post).
Comecemos por notar que, seguindo os princípios e critérios gerencialistas, a escola terá por finalidade a produção de mais-valias, dispondo do ensino de uma forma eminentemente utilitarista, em nome das expectativas sociais e económicas projectadas a partir das supostas “exigências” ou “oportunidades” do volúvel mercado do trabalho.
Esta concepção arrasta consigo uma série de pressupostos e de consequências que, de modo geral, e não raro, de modo intencional, são deixados na sombra e ficam por dilucidar.
O suposto fundamental em que assenta aquela concepção prende-se com a redução do ensinar a algo da ordem do coisificável, do objectivável, instalando assim o ensino ao nível de uma pedagogia procedimental, traduzida numa série de operações técnicas, mais ou menos padronizáveis, que se podem decompor, quantificar e seriar, i. é, classificar, e cuja “produtividade” ou “eficácia” pode ser medida por “objectivos” e “metas”, todo um processo que reencontramos sob o dispositivo de “legitimação científica” das Ciências da Educação, ou, em registo diverso – mas não por acaso confluente: os supostos e os fins são os mesmos, os meios é que divergem acessoriamente – no dispositivo examocrático.
Este processo implica e supõe a burocratização da função docente, subordinando-a a regulamentos, a rotinas e a padrões de desempenho, facilitando o constrangimento formal e hierárquico, como é reconhecido e instituído pelo actual modelo de direcção unipessoal.
A chamada “cultura meritocrática” constitui a armadura ideológica que dá a cobertura final ao sistema, visando, antes de mais, naturalizar o conceito e a prática da “avaliação”, que emerge como uma das figuras ideológicas mais recorrentes, tão impositiva que se alçou à constelação do politicamente correcto, a ponto de “não querer avaliar ou ser avaliado” se volver um anátema…
A retórica meritocrática confunde amiúde os meios com os fins, e quando afirma que “o mérito tem que ser avaliado”, esquece que a avaliação é um meio e não um fim em si mesma e, como tal, deve ter apenas um estatuto instrumental. Verifica-se então uma subtil, mas decisiva, troca de enunciados e propósitos, sendo aquela afirmação substituída por esta outra: “mérito é aquilo que pode ser avaliado”, ou seja, é meritório aquilo que é classificado ou classificável, e apenas nessa medida.
Esta meritocracia mais não pretende, afinal, do que promover o controlo individual mediante o estímulo da competição condicionada.
E o modelo de professor que é assim visado e promovido corresponde, em síntese, ao perfil de um “funcionário” ou de um “tecno-burocrata” do ensino.
Junho 14, 2014 at 5:30 pm
A “avaliação de competências” e a avaliação por objectivos são uma criação da “esquerda”, numa altura em que o suposto “pragmatismo” decalcado da práxis da Formação Profissional fazia sentido para um grande doutrinador da escola para todos como Perrenoud.
A esquerda não tem nada para oferecer em relação à autonomia dos seres humanos e à sua emancipação, a não ser uma total subjugação aos critérios científicos e materialistas que supostamente determinam o mundo e que só os Sacerdotes do Colectivo conhecem.
A escola, enquanto lugar privilegiado de propaganda precoce do Estado, é o campo preferido de aferição e formatação das crianças e dos jovens, embora isso possa parecer bizarro a personagens como o António Duarte, que vocifera contra os exames, esquecendo-se da emulação e da excitação permanente a que estão sujeitos os seres e as coisas num quadro de planeamento socialis
O utilitarismo da educação foi uma ideia filosófica da esquerda, que tornava a escola um instrumento de “empregabilidade” ao serviço da economia. A eficácia e a avaliação vieram a seguir, com a ideia de uma gestão tecnocrática e adaptada aos tempos modernos, que dispensavam os saberes tradicionais da burguesia e das elites.
A esquerda abriu e desbravou o terreno para a escola de todos e para todos,entendida como um enorme parque zoológico de abastecimento do sistema capitalista planeado e gerido em regime de ditadura.
Quem conhece a historia da educação pode consultar os manuais e compreender a origem do problema que agora enfrentamos.
Junho 14, 2014 at 5:32 pm
Não tinha lido o comentário do Farpas, mas penso que se completam…
Junho 14, 2014 at 5:33 pm
Como decorre da minha análise, a discussão “pró” ou “contra” os exames, se ignorar ou não dilucidar devidamente os supostos fundamentais da política e da filosofia educativas que estão em jogo, torna-se fútil e estéril, como de resto se verifica a maior parte das vezes.
Muitas pessoas, que se dizem ou supõem em barricadas opostas (pró/contra), comungam afinal de uma mesma ideia fundamental de Escola. Mas, entrincheirando-se na sua barricada (por simples teimosia, inclinação de preconceito, cedência ao espírito de querela ou de facção), acabam por aceitar ou caucionar ideias e princípios dos quais, se reflectissem, discordariam.
Junho 14, 2014 at 6:11 pm
Um texto interessante onde se aborda a origem do conceito de “competências” na educação e a sua relação com as correntes de esquerda que se refugiaram nas Ciências da Educação para doutrinar o mundo na vantagem em adoptar um modelo de gestão mais “progressista” da escola (conteúdos-alunos-professores), em contraste com a escola elitista “do passado”
Junho 14, 2014 at 8:02 pm
Perspetivar a educação em termos de esquerda e/ou direita é, desde logo, inquinar o assunto. A única ideologia que a educação deve servir (ou de que deve servir-se) é a autonomia, a liberdade de escolha.
Quanto à dificuldade em aceitar a avaliação por mérito, eu diria que é uma guerra perdida. Ousaria até alertar para o facto de que, se a escola pública não tiver a coragem de adotar, quanto antes, a cultura da “malfadada meritocracia”, pelo caminho que as coisas levam, correrá o risco, a muito breve prazo, de ficar sem alunos.
E a razão de fundo é sempre a mesma: ou saímos do euro ou cumprimos as suas regras.
Querer apenas o melhor dos dois mundos não é possível.
O nosso povo diz: não se pode querer sol na eira e chuva no nabal!
Junho 14, 2014 at 8:27 pm
O JB revela ter compreendido bem o meu comentário num ponto: os governos de direita e esquerda (se concedermos tal designação ao PS…) têm promovido políticas educativas semelhantes porque comungam dos mesmos pressupostos e apontam a finalidades que, no fundo, são semelhantes – relevam de uma visão utilitária e mercantilista da Educação.
Mas daí não se segue – como ele pretende – que a distinção esquerda/direita seja irrelevante. E logo por coincidência quem não gosta dessa distinção é a… direita. Ou não tivesse sido com tal estratégia que, ideologicamente, ludibriou e “engoliu” a esquerda.
E também por acaso, a “liberdade de escolha” e a “autonomia” são, precisamente, fetiches ideológicos… da direita.
“se a escola pública não tiver a coragem de adotar, quanto antes, a cultura da “malfadada meritocracia”, pelo caminho que as coisas levam, correrá o risco, a muito breve prazo, de ficar sem alunos.”
Ah, os contratos de associação meritórios vão, “a muito breve prazo”, subir em flecha. (Não será confundir o desejo com a realidade?).
Junho 14, 2014 at 8:48 pm
Escola pública, esquerda, direita, exames, meritocracia, autonomia, filosofia educativa, blá-blá. Apenas uma guerra pelo poder.
Junho 14, 2014 at 8:57 pm
#8
Ah, ainda não tinha percebido que havia uma relação entre a Educação e a política e o poder?…
Essa articulação, que está longe de ser superficial ou circunstancial, é, precisamente, um ponto sobre o qual convém bem reflectir. Os professores, amiúde, negligenciam-na. Os resultados disso saltam à vista…
Junho 14, 2014 at 9:02 pm
#7
Não acha que identificar autonomia/liberdade de escolha com “fetiches ideológicos” é uma contradição nos termos?!
Q. – “(Não será confundir o desejo com a realidade?)”.
R. – O tempo o dirá. E, contra factos (se for caso disso), as intenções pouco importam. É por isso que fazer juízos de intenção também não importa muito.
Junho 14, 2014 at 9:18 pm
Se fizermos as contas, a lobotomizacão generalizada das crianças das classes inferiores sai mais barata do que a educação e até ficam mais aptas para o mercado de trabalho da União Europeia…
Junho 14, 2014 at 9:21 pm
Quem há muito diz que Crato apenas aprofunda Maria de Lurdes Rodrigues… não sou apenas eu, mas… há quem queira fazer crer que não, para fazer voltar a “ganga” rodriguista-valteriana ao poder.
Até podem parecer suaves, pois tudo o que iniciaram foi desenvolvido a contento, excepção feita às NO, transmutadas em outra coisa que nem se percebe o que é, e à “festa” da Parque Escolar.
O resto?
O resto é um continuum.
Junho 14, 2014 at 10:12 pm
O que até faz sentido h5n1 porque os alemães e holandeses que andaram pela África do sul os boers e os afrikanders tinham um bom sistema -segundo eles- por lá..como acabou tratam agora de fazer dos pretos do sul da europa os seus criados…ora para isso para que educá-los?? … Alguns ainda vá…talvez civilizá-los como antes se dizia para com os africanos…
Junho 14, 2014 at 11:57 pm
a pescadinha de rabo na boca equaciona-se de um modo simples: a igualdade de oportunidades no acesso ao ensino, significa igualdade no acesso ao sucesso escolar?
Não, não significa, e nunca significou.
As razões encontramo-las em contextos transversais que vão das políticas, à economia, às representações sobre o que é ensinar, aprender, avaliar… e claro, o que se entende por sucesso escolar…
há inevitavelmente um preço que a escola pública (ou muitas escolas públicas) vão pagar bem alto ( e respetivamente quem fica sem horário e/ou vaga em outras escolas), ao ficar sem alunos …
entretanto por essas escolas vai-se brincando aso “egos”, às “lideranças” à pseudo democraticidade e colegialidade, de quem está sempre do contra, mas nunca assume a *erda de responsabilidade ou compromisso…
e fico por aqui… mas sinceramente a argumentação da esquerda-direita… começa a cansar… essa é uma pescadinha que dispenso.
Junho 15, 2014 at 3:30 pm
#14
A esquerda precisa da direita assim como a pescadinha precisa do rabo…