… já que apenas sobreviveram duas frases:
– Pequeno balanço de três anos de troika. O que correu bem? O que correu mal? Onde ficámos aquém da troika e onde fomos além?
Penso que a única coisa que correu bem foi a possibilidade da aliança PSD/CDS desenvolver o seu programa ideológico, justificando a maioria das medidas com a intervenção da troika, a qual foi decidida ainda em tempos do governo PS.
O que correu pior foi todo o conjunto de consequências sociais de medidas que atingiram a maior parte da população, sem tocar na maioria dos verdadeiros privilégios instalados na nossa economia e na nossa sociedade. Seguindo a lógica de que tirar algo a muitos rende mais do que reduzir as grandes rendas pagas pelo Estado a PPP e outras áreas de grandes negócios dependentes do Estado (incluindo outsourcing de serviços que deveriam ser assegurados pela função pública).
Na área da Educação, como nas da Segurança Social e Saúde, os cortes foram muito além do exigido inicialmente pela troika e levaram não a uma racionalização do aparelho do Estado no sentido da sua maior eficácia mas, pelo contrário, à degradação de serviços públicos básicos numa altura em que grande parte da população mais deles necessita.
– Como está o sector três anos depois da chegada da troika?
O sector da Educação foi o mais atingido pelos cortes, desde o desenho da rede escolar à remuneração de pessoal docente e não docente, passando pela manutenção de medidas de administração e gestão do sistema que o tornam mais distante e impessoal para alunos e famílias. O que alguns especialistas consideram ganhos de eficácia (financeira) correspondem a perdas de qualidade na prestação do serviço público de Educação e ao aprofundamento de algumas medidas herdadas dos mandatos anteriores que considero profundamente erradas com efeitos muito negativos a médio e longo prazo. As escolas estão a funcionar nos limites, muitos alunos a chegar às aulas sem condições mínimas que garantam o seu sucesso e os professores e o pessoal auxiliar estão mais desanimados, exaustos e mesmo zangados com o facto de serem sempre os maiores sacrificados. A ruptura entre os professores e a tutela é total.
– Que problemas, ou soluções, se antevêem de futuro?
Neste momento, parecemos apenas antever mais do mesmo com esta solução governativa e nada nos aparece de muito concreto como alternativa por parte do maior partido da oposição. Atravessamos um período de grande risco educacional para muitos alunos, colocando em risco o sentido do alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos. O maior problema é mesmo o facto de os governantes não estarem preocupados com isso, mas apenas com uma aparência de rigor, lançando medidas para a opinião pública que são pura demagogia e propaganda política, sem ganhos para as aprendizagens dos alunos, sendo o caso recente mais evidente o dos testes Key for Schools, implementados à pressa e sem uma planificação adequada.
Quaisquer soluções para o futuro teriam de corresponder a uma completa mudança de lógica política, em especial no que se refere ao modelo de administração escolar, do que se entende por autonomia e do que é essencial para mobilizar os docentes para qualquer verdadeira reforma de sucesso do sistema educativo.
– Momentos-chave destes últimos três anos (acontecimentos importantes, polémicos, ect).
Na área da Educação foram muitos os momentos importantes no sentido negativo e nenhum no sentido positivo. Não consigo singularizar, neste momento, uma medida positiva, implementada com a devida planificação. Momentos negativos houve muitos, desde logo a imposição de uma disparatada prova de ingresso na carreira e o confronto aberto com os professores acerca das alterações na componente lectiva, que culminou com o inesperado sucesso de uma inaudita greve às avaliações.. Mas outras medidas como o aumento do número de alunos por turma, a manutenção de uma lógica concentracionária ao nível da rede escolar – que só agrava as assimetrias já existentes no nosso país entre espaço urbano e rural, litoral e interior – a tentativa de imposição de um sistema de ensino vocacional, desadequado da nossa realidade económica e empresarial, a manutenção de um modelo de avaliação do desempenho dos professores que é uma completa encenação, os reajustamentos curriculares decididos apenas para reduzir horas lectivas, a forma indigna como têm sido tratados os professores contratados e o descuido em relação aos alunos com necessidades educativas especiais são apenas alguns dos muitos exemplos possíveis, de que o último será o do teste Key for Schools em que a escola pública cobra pela certificação de uma prova com origem numa instituição externa.
– Qual a figura e uma frase que destacaria neste período?
Destacaria Nuno Crato e o momento da sua entrevista televisiva, em Setembro de 2013, em que declarou sobre os alunos com necessidades educativas especiais que “estão integrados na turma mas na verdade não estão. (…) Portanto é muito mais uma questão administrativa do que outra.”
– Olhando exactamente para o compromisso na área da educação na versão inicial do memorando (pag 24 e 25 do documento em português), o que é que na sua opinião correu bem e o que correu mal?
Na perspectiva do FMI tudo correu mais do que bem, pois os cortes e reajustamentos feitos foram muito para além do que tinha sido acordado.
Apenas a passagem sobre a revisão dos contratos de associação com os privados – que se ficou sem ter versão definitiva do que se entendia por isso (eu entendia que seria reduzi-los para poupar dinheiro, mas nem todos assim acharam) – e que ficou por fazer.
– Na sua opinião, quais as 3 ou 4 reformas/medidas/alterações importantes da educação desde 2011 e seu balanço.
Como principais reformas (independentemente do que penso delas) eu apontaria as seguintes:
1) Revisão da ADD no sentido de incluir avaliadores externos.
2) Introdução de exames no 1º ciclo.
3) Reajustamentos curriculares.
4) Introdução do ensino vocacional.
5) Alargamento dos contratos de autonomia.
6) Aplicação da prova de ingresso na docência que estava prevista anteriormente.
1) Foi uma cosmética destinada a legitimar um processo simplificado, em que a avaliação externa é feira na base do mais baixo custo possível, com professores a avaliar professores de escolas da mesma freguesia ou concelho, sem que isso altere grande coisa em relação ao modelo anterior.
2) É uma medida ainda em decurso com a qual estou de acordo. É cedo para um balanço rigoroso. Só ao fim de um período de 3-4 anos será possível estabelecer comparações válidas.
3) Foram feitos de forma casuística e destinada a cortar horários de professores. Do ponto de vista das aprendizagens nem esses reajustamentos, nem a flexibilidade anunciada na gestão dos tempos lectivos me parecem ter efeitos positivos nas aprendizagens dos alunos ou no funcionamento das escolas.
4) A experiência generalizou-se a partir de uma amostra muito pequena e, embora seja também cedo para um balanço sério, não me parece que traga especiais ganhos para os alunos ou escolas, pois muitos desses cursos foram criados à pressa e com escassa ligação à economia real.
5) Ainda falta muita da regulamentação indispensável para percebermos se os contratos de autonomia se limitam a atribuir mais “autonomia” apenas aos directores, consolidando um modelo de gestão centralizado e unipessoal que é uma das fontes de tensão nas escolas.
6) Já escrevi várias vezes que é uma prova que não cumpre os objectivos que anuncia, pois não é um exame escrito, ou mesmo dois, que definem a qualidade do trabalho de um docente em sala de aula. O modelo de formação de professores e a sua certificação é que precisam ser reformulados por completo nos currículos e estrutura.
– De lembrar que apesar das críticas, as médias das notas nos exames a português e matemática subiram no ano passado e a taxa de abandono escolar precoce tem caído…. Isto não prova nada?
As médias dos exames não devem ser analisadas nas suas evoluções anuais, mas numa perspectiva comparativa de média longa duração, em especial se os exames/provas forem comparáveis. O próprio director do IAVE admitiu já várias vezes que nem sempre isso acontece e a verdade é que as provas mudaram um pouco nos últimos anos, em virtude de um maior predomínio da SPM (em relação à Assoc. Prof. Matem.) na sua elaboração.
Os elementos de média duração mais neutros (porque internacionais e efectivamente padronizados) que temos, apontam para uma estabilização dos resultados entre 2009 e 2013.
– O ministro sempre defendeu a qualidade do ensino e sempre se justificou com o rigor que pretende introduzir na escola pública. Acha que isso foi alcançado?
Não, não acho. Temos uma aparência de rigor, feita na base do low cost que, se não for alterado nos próximos anos, conduzirá (como em todos os artigos de baixo preço para consumo imediato) a maus resultados em termos das aprendizagens dos alunos. Espero sinceramente estar errado, mas não me parece.
– Em relação à autonomia das escolas – uma das questões assinaladas no memorando, o que correu bem e mal neste período?
Correu bem a expansão quantitativa dos contratos. Correu mal a falta de produção da regulamentação dessa autonomia para além das metas de sucesso estabelecidas pelas escolas. A autonomia na escolha de aulas de 45 ou 50 minutos ou arranjos dentro da mancha horário, cortando aqui para colocar ali não se pode considerar verdadeira “autonomia”. Para levar a sério essa medida era necessário as escolas terem capacidade para escolher modelos alternativos de se organizarem internamente e isso não existe. Mantém-se o modelo único herdado de MLR.
– O mesmo em relação ao ensino profissional /vocacional/ dual….
Também aqui correu bem a expansão quantitativa este ano, estando por provar se isso corresponde a um salto qualitativo nas formas “alternativas” de cumprir a escolaridade. Penso que o modelo do ensino dual foi pensado para retirar alunos problemáticos das turmas regulares – o que acaba por estigmatizar tal via – e para captar verbas do Min. Economia para pagar aos professores e formadores envolvidos.
Podemos concluir, em resumo, que a passagem da troika pela educação se traduziu basicamente em cortes? Corte de professores, corte nos orçamentos com impacto nas escolas ao mais variado nível… E o objectivo da qualidade e do rigor que Crato tanto insiste? Foi alcançado?
As medidas na Educação tiveram como princípio básico a redução de encargos. Nem sequer aqui falei da redução salarial dos professores na ordem dos 20%, enquanto aumentou o seu tempo de presença na escola e se retiraram da componente lectiva componentes que antes lá estavam.
O rigor passa, no fundo, pela questão da “avaliação” (de professores e alunos).
Ora, em relação aos alunos, a introdução de exames no 1º e 2º ciclo quebra uma linha de análise comparativa com as provas de aferição. Só ao fim de um ciclo de 3-4-5 anos é possível fazer uma análise minimamente fundamentada.
Quanto aos professores, as aposentações, rescisões e não entrada de gente nova nos quadros, leva a que a avaliação que está actualmente a ser implementada seja o elemento menos relevante na selecção dos que ficam. Colocar como avaliadores de outros, professores com mais um ou dois anos de serviço apenas porque no passado já foram avaliadores é uma enorme mistificação.
Quanto à prova de ingresso, já referi que não passa de um artifício low cost destinado a aparentar que algo se fez, quando o principal continua por fazer: monitorizar a sério o funcionamento dos cursos de formação de professores. Os professores devem ser avaliados fundamentalmente pelo trabalho em sala de aula, não por um exame escrito de conhecimentos ou por duas aulas assistidas (no caso da avaliação de desempenho).
(…)
As taxas de retenção podem descer ainda mais desde que nos estejamos nas tintas para qualquer rigor a nível da avaliação interna. Há gente que já se rendeu e produz sucesso a rodos.
Abril 17, 2014 at 12:58 pm
2) Introdução de exames no 1º ciclo
O exame do 4º ano já vale 30% e os alunos que “chumbarem” ficarão em período extra letivo até à segunda chamada. Aparentemente a medida seria para alargar este ano letivo ao 6ºano, não foi e bem.
A falta de confiança nos PROFESSORES que na sua maioria acompanharam alunos quatro anos letivos seguidos é assustadora. Num país de brandos costumes onde se vê maior capacidade de fugir à lei entre os mais ricos, não compreendo como é possível duvidar da palavra de um professor que acolheu e trabalhou em média 725 dias com um aluno. Valha-nos a segunda oportunidade para castigar o que pode ser um problema pessoal do aluno, lidar mal com a pressão e não mostrar o que vale. Mas como “de pequenino é que se torce o pé do pepino” vamos acreditar e fingir que tudo continua bem no reino do ministro dos exames.
Abril 17, 2014 at 1:13 pm
#1,
eu até aceito isso, se me garantirem que nas provas de aferição não há alunos que, por mero acaso, se esquecem de parecer…
Abril 17, 2014 at 2:04 pm
A questao 30 alunos por turma deveria aparecer em TODAS as frases do artigo.
Abril 17, 2014 at 2:04 pm
bem que ontem chamei à atenção para a edição de hoje do jornal de negócios… mas fui ver… e não me pareceu o suficiente para o comprar… o resultado está demonstrado com esta entrada de perguntas e respostas…!
🙂
no que me parece um balanço equilibrado… independentemente da opinião que cada um formalize sobre elas.
Abril 17, 2014 at 2:59 pm
Ora bolas, lá queres tu estragar o negócio da Educação aos homens!…
As coisas não correm bem na Educação? Paciência, os negócios são mesmo assim: umas vezes correm bem, outras mal…
O país? Ora, o país pode passar muito bem sem a Educação. Diminua o défice e cresçam as exportações, que o resto – que também não tem grande importância… – logo se comporá.
Ah, quão mais felizes éramos todos se copiássemos a visão dos simples. Oiçam, oiçam o Camilo Lourenço ou o Bruno Maçães…
Abril 17, 2014 at 3:07 pm
“SNS escolhe entre curar 80 doentes e poupar 4,5 milhões” (DN).
– Ora aqui temos um bom exemplo de um falso dilema! Perguntem ao Lourenço ou ao Maçães e eles dizem-vos logo, sem pestanejar, o que interessa: “a Economia, estúpidos!”.
Abril 17, 2014 at 5:39 pm
e quanto às diferenças salariais?
Abril 17, 2014 at 6:25 pm
#6,
Quais diferenças salariais?
Os cortes?
Abril 17, 2014 at 9:03 pm
essas também…
mas há as diferenças de escalão; as diferenças da componente letiva… e vejo muita redução do 79 a não ficar com os cargos, porque dão muito trabalho e são os que não têm redução que os asseguram … por obrigação.
depois ainda há o número de alunos que não é tido em conta, e há horários com desdobramentos que têm no máximo três turmas, e os outros que têm mais alunos num ano que muitos em cinco…
basta por vezes ter cinco anos de diferença de idade…para ver reduzir o salário, mas não o trabalho e a responsabilidade… e ainda por cima tem que levar com as “cuspidelas” destes…
como alguém diz: quem fica com a carne deveria ficar com os ossinhos…
(há excepções, claro, como em tudo nesta vida…)
Abril 17, 2014 at 10:14 pm
# 9
Por acaso, concordo, embora nesta altura de coisas mais graves seja coisa de relativa importância… por acaso acho um pouco abjecto que 2 turmas (com desdobramentos) façam um horário de 22h… por acaso não gosto que existam colegas que não prescindem das suas turminhas e respectivos desdobramentos, enquanto outros “alombam” com 7, 8 ou mais turmas….
Abril 17, 2014 at 10:21 pm
#9 e 10,
Essas são micro-guerras que devem ser travadas a nível local, pois é por aí que se definem os horários, em concreto.
Agora, resta saber se há por vezes a capacidade de choque para as queixas não se ficarem pelos corredores…
Abril 17, 2014 at 10:23 pm
# 11
Paulo, que fique bem claro que falo sem interesse pessoal … mas tenho olhos na cara e custa-me observar certos egoísmos… por acaso no meu grupo disciplinar (400) não há esses desdobramentos 🙂
Abril 17, 2014 at 10:31 pm
#12,
Não coloquei em causa questões de tipo pessoal.
Apenas que há muito tempo que acho que há lutas nível local que são bem mais duras do que as outras.
Desdobramentos no 400?
Onde?
Quero!!!
Abril 17, 2014 at 10:39 pm
micro guerras? Nível local?
meu caro Guinote, isto passa-se no ensino nacional público. A sua escola é que deve ser uma excepção, ou então só tem 2.º e 3.º ciclos.
Abril 18, 2014 at 1:10 am
#14
Isso ocorrerá sempre e jamais haverá regulação nacional desses aspetos. E vendo bem só os professores de ciências e um ou outro de artes conseguem ter horário completo com duas turmas.
Tomando o exemplo da minha escola há casos desses, justificados, diga-se, já que nem todos conseguem ensinar FQA ou Geometria, sem condenaram os alunos a notas péssimas nos exames…