“No limite da dor” 40 anos depois
Sábado, 1 de Fevereiro, 9h30. Em trânsito, ligo a Antena 1 e sou surpreendida pelo programa “No limite da dor” de Ana Aranha tendo como interlocutor o padre Luís Moita, que recorda os seus tempos de preso político, sujeito a intermináveis torturas físicas e psicológicas e a meses de isolamento em terríveis circunstâncias, em que nem direito havia a ter papel e caneta, um jornal, fosse o que fosse.
As suas palavras atingem-me como um murro no estômago. De repente, a mente faz a ponte para os últimos acontecimentos relacionados com os fenómenos de bulling e de praxe universitária em Portugal. A violência parece ter-se instalado na Escola, com contornos perversos, e quase com um perfil de inevitabilidade, agora também entre jovens adultos.
A palavra tortura ganha todo o seu sentido nas palavras graves de Luís Moita: ”O prazer em fazer mal ao nosso semelhante é dos maiores enigmas da condição humana”.
Promover a indignidade humana a tradição que (aparentemente) não se pode abandonar ou proibir, parece-me um péssimo sinal de futuro.
A tortura não é um jogo, não é um ritual de passagem ou de crescimento, não pode converter-se em estratégia para qualquer pretensa subida hierárquica num edifício repleto de vazio e de inconsistência. É assustador constatar a existência de fenómenos vindos de uma geração que não só se dispõe a aceitar, como a procurar, experiências de subserviência cega e acrítica ao ponto de se deixar morrer… por nada!
O que terá falhado na passagem do testemunho da geração da revolução para os seus afortunados filhos nascidos em liberdade? O que parece ter ficado esquecido foi, afinal, o fundamental: noções básicas de direitos humanos, capacidade crítica, o dever/direito de recusar a injustiça.
Que desilusão devem sentir todos aqueles que, como Luís Moita, lutaram por valores que os jovens de hoje, de ânimo leve, desprezam!
De súbito, surge-me a ideia desconfortável de que esta geração aguarda apenas que um líder mais carismático e persuasivo nos atire a todos de novo para uma ditadura. E quem sabe se, nesta imagem de ficção (?), não serão os mesmos lutadores de Abril que se levantarão para dizer: NÃO!
Helena Martinho
Educadora de Infância
Fevereiro 9, 2014 at 1:56 pm
Subscrevo as suas palavras, Helena.
Muitos jovens comportam-se como se não conseguissem decidir e pensar por si. Só assim se compreende que, a seis meses do início das aulas, as praxes continuem activas . Se eu fosse aluna, e tivesse aceitado fazer as tristes figuras que presenciei em setembro, no recinto de uma faculdade , hoje sentir-me-ia muito mal. Trata-se de poder e humilhação. Aquilo não é integração.
Falta a muitos jovens aprender a dizer não. Provavelmente, porque ao longo da sua vida também o não ouviram suficientemente.
Fevereiro 9, 2014 at 3:08 pm
Gostei imenso do texto.
Fevereiro 9, 2014 at 5:06 pm
A fazer lembrar aqueles que, mais afortunados, vão deixando os seus concidadãos morrer por via do empobrecimento…
Todos, à sua maneira, vão esperando por um salvador da pátria. Um mau exemplo para os jovens…
Fevereiro 9, 2014 at 5:42 pm
Não compreendo o ultimo parágrafo.
Se a geração de Abril criou as condições para a situação calamitosa em que nos encontramos hoje, como vai poder actuar de um modo diferente e subversivo?
Considerar uma geração inteira perdida é tão absurdo quanto o admitir que a “geração de Abril” constitui uma entidade coerente com uma responsabilidade directa pelo derrube da ditadura.
Por alguma razão o Salgueiro Maia pediu para ser enterrado numa campa rasa, porque de facto o seu exemplo foi solitário e faz-nos recordar a irrelevância dos Grandes homens e verdadeiros heróis, no espectáculo e na feira de enganos que se seguiu ao 25A.
Fevereiro 9, 2014 at 6:14 pm
” tendo como interlocutor o padre Luís Moita”
Luis Moita já não é padre há muitos anos.
Fevereiro 10, 2014 at 11:52 pm
Acreditar que é necessário uma grande desgraça para toda uma geração acordar e encontrar o norte, é sarcástico demais!