Quem leu em devido tempo alguma da boa ficção científica do pós-Segunda Guerra Mundial com as suas projecções bio-políticas e bio-éticas (a referência óbvia é Philip K. Dick, mas não reneguemos Issac Asimov, Ray Bradbury, Clifford D. Simak, Poul Anderson, Philip José Farmer, o mais divertido Heinlein, o científico Arthur C. Clarke ou mesmo a ecologista Le Guin – e, sim, estou a deixar muitos de lado como o Stanislaw Lem) sabe que muitas das consequências do “progresso” podem ser regressivas.

E quem observar a História do mundo ocidental com um bocadinho de atenção não tem dificuldade em perceber que a partir dos anos 80 do século XX se instalou uma forte tensão entre a tendência para o alargamento dos direitos políticos, sociais e económicos dos indivíduos e para uma democratização do acesso aos benefícios do “progresso” e uma reacção destinada a conter essa mesma tendência, em nome dos encargos que ela acarreta.

Ao mesmo tempo que projectava os seus valores democráticos para o resto do mundo, o Ocidente dava início a um processo interno de regressão no combate às desigualdades e no acesso generalizado ao que de melhor pode ter o avanço científico e tecnológico para a Humanidade, se excluirmos os gadgets da equação.

Por isso, não nos entusiasmemos pois muito do que se anuncia como fazendo parte de uma aurora cantante destina-se a um nicho “de mercado” muito restrito.

As pernas biónicas do Pistorius convivem de muito perto com milhões que nem as vacinas essenciais ainda recebem.

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Visão, 9 de Janeiro de 2014