O ESTADO E A QUALIDADE DA DEMOCRACIA
Talvez a nota mais saliente do 25 de Abril que passou seja o abissal afastamento entre a população e as instituições e os responsáveis políticos.
Este fenómeno prende-se com a questão mais geral e decisiva da qualidade da nossa democracia. Qualidade que se afere pela credibilidade das diversas instituições democráticas e dos agentes políticos.
O facto de essa credibilidade ser cada vez menor prende-se com a circunstância de os cidadãos perceberem que as políticas públicas são desenvolvidas ao arrepio das suas expectativas e das promessas eleitorais apresentadas a sufrágio, e são colocadas em causa e ultrapassadas por outros interesses que, no fundo, dominam o país. O principal desses interesses é o económico, uma questão que não é de agora – é estrutural e tem a ver, em particular, com a reduzida dimensão do país e do respectivo mercado, acentuada tradicionalmente por políticas que favorecem a concentração oligárquica e a promiscuidade em relação ao Estado -, mas que se vem agravando sobremaneira.
Esta situação e o seu agravamento devem-nos fazer reflectir, não nos termos da guerrilha ideológica – diria, epidérmicos -, que convidam ao esquematismo mais ou menos condescendente, mas antes à compreensão das suas causas mais profundas.
O problema real (sublinho real, não ideológico) do país é a excessiva intervenção do Estado, que oprime e esmaga a sociedade civil e as suas dinâmicas – designadamente empresariais – ou a sua subordinação e captura pelos poderes fácticos, o principal dos quais é o económico, que põem em causa o bem comum e uma política económica que zele pelos interesses do país?
Para ser ainda mais preciso: a intervenção do Estado é orientada pelo interesse geral e proporcional a esse interesse ou é dirigida segundo os grandes interesses económicos e em proporção a tal papel?
O verdadeiro problema não se colocará nestes termos: temos um Estado demasiado interventivo e regulador perante a sociedade e o poder económico ou temos um Estado enfraquecido e desarmado para assegurar o bem comum?
Quando vemos a acirrada guerrilha ideológica movida pelo governo e pelo seu aparelho de spin contra o Estado, mormente na sua dimensão social, não descortinaremos por detrás do furor e da poeira da batalha ideológica o perfil dos interesses económicos para os quais um Estado mais presente para assegurar o bem público e mais eficiente na sua função administrativa e regulatória seria um adversário temível?
Quereriam eles uma autêntica reforma do Estado?…
Farpas
Abril 26, 2013 at 8:48 pm
Parece que na 3ª feira o governo vai anunciar os cortes no estado. Cortes serão a tão anunciada r”eforma estrutural do nosso Estado”?
Abril 26, 2013 at 8:51 pm
Há bocado a S. de Estado quis sacudir a água do capote sobre os swaps, dizendo que a culpa foi do governo passado e fazendo de conta que ignoravam a coisa até agora.
Cheira a esturro por todo o lado!
Abril 26, 2013 at 8:53 pm
Estamos perante uma ditadura economica.
Abril 26, 2013 at 9:24 pm
Previsivel desde 2000 e picos.Uma sociedade que se rege por um ódio latente às pessoas e que adora números e especulação financeira não faz perspectivar qulquer tipo de futuro humano e social
Abril 26, 2013 at 9:30 pm
#1
A “reforma estrutural do Estado” que o governo prepara é o nome pomposo para uma operação político-ideológica que visa, simplesmente, facilitar a actuação da plutocracia (nacional e internacional), com um estado mínimo para uma sociedade mínima (reduzida à indigência material e cultural).
Abril 26, 2013 at 9:38 pm
#3
A política, as soluções políticas, vêm sendo marginalizadas e desvalorizadas em nome da ditadura orçamental, que o indescritível Gaspar reduz às folhas de Excel.
É um bom e fiel aluno, sem dúvida…
Abril 26, 2013 at 9:45 pm
Farpas, você acredita mesmo que, nesta situação, os nossos problemas e resolvem com mais estado?
A desgraça onde estamos não mostra que temos que tomar outro rumo?
Se não fossem os comunistas, você seria original. 😆
Abril 26, 2013 at 10:04 pm
Esta retórica do mais Estado ou menos Estado está viciada à partida porque não existe forma de controlar uma máquina que se alimenta dos seres humanos.
Tal como é um exercício arriscado separar as drogas leves das duras, assim também se torna difícil garantir que um Estado pode ser controlado e utilizado para servir a humanidade.
Acredito que certas drogas podem ajudar alguns rituais (tipo Xamanismo), mas nunca em larga escala e como forma de criar dependência e alienação.
Abril 26, 2013 at 10:17 pm
#7
Ai esses preconceitos ideológicos!
E os comunistas, esses papões!
Se olharmos sem palas ideológicas para a nossa situação, compreenderemos que “desgraça” em que estamos não se deve ao papel do Estado, mas à incompetência e à venalidade daqueles que têm estado à sua frente, seja no executivo, seja na administração em cargos de confiança política.
A questão, aliás, é mal colocada quando se põe em termos de “mais Estado”. O que se deve exigir é melhor Estado; em termos mais afirmativos pelas causas e interesses públicos e mais eficiente na sua função reguladora e fiscalizadora. Para ser mais explícito e exemplificando, ele está demasiado presente, na vertente fiscal, junto dos cidadãos comuns, para encobrir e compensar a sua ineficiência junto dos mais poderosos.
E não tenho nenhum problema ou preconceito em afirmar que, se o governo levar a sua avante, não tenho dúvidas que, no domínio das políticas sociais, além de melhor estado, precisaremos também de mais Estado.
Abril 26, 2013 at 10:32 pm
mais Estado e melhor Estado equivale a mais e melhor droga, ou a uma intoxicação voluntária
Não perceber isto é o destino trágico do funcionário burocrata, disposto a servir o amo que o alimenta e trata dele…
Abril 26, 2013 at 10:51 pm
#8
Permita-me a franqueza para lhe dizer que esse comentário é algo pueril do ponto de vista intelectual.
Releva de um enorme e indigente esquematismo o modo como representa o Estado, que aparece mitificado e hiperbolizado como o “devorador de pessoas”, apontado como a encarnação do Mal (inspirado no Leviatã hobbesiano?).
Por detrás, espreitará também o peconceito ideológico…
Mas também quero ser claro neste ponto: o Estado não é propriamente um fim em si mesmo, não deve constituir um fétiche ideológico.
O que sucede é que, na situação histórica que estamos, neste estádio de desenvolvimento das sociedades humanas, o Estado não se pode eliminar por um passe de mágica (só no “pensamento mágico infantil” isso seria concebível, mas nem o mais fanático dos ultraliberais se atreve a adiantar esse cenário para já…).
O que temos que pensar é nas formas de optimizar o seu papel e as suas funções, que, admito, a mais longo prazo, até o possam tornar mais discreto e invisível junto dos cidadãos.
Como disse JL Borges, haverá o dia em que mereceremos não ter governo…
Mas ainda estamos muito longe dele.
Abril 26, 2013 at 11:01 pm
#10
Isso é caricatura…
Uma coisa é ser funcionário do Estado; outra ser servo do Estado.
A segunda condição é para aqueles que criam que o Estado dos antigos paraísos do Leste era a encarnação do Socialismo ou da ideia do Comunismo por vir…
Abril 26, 2013 at 11:12 pm
Com a crise em que o país está, com a falta de dinheiro que o governo tem, é uma parvoíce pensar ainda em mais encargos para o estado.
Só a esquerda é que não quer ver isto.
Abril 26, 2013 at 11:15 pm
A esquerda é que se tem oposto à reforma do estado. O estado social é uma invenção da esquerda, uma bincadeira que nos está a custar muito cara.
Essa é que é essa!
Abril 26, 2013 at 11:21 pm
Um copo meio cheio
O programa dos banqueiros é muito mais ambicioso que o que até aqui foi implementado pelos resposnsáveis políticos. Estes sabem que têm sempre o lugar à disposição, enquanto aqueles não devem o seu posto a qualquer forma de controlo público, pelo contrário, aspiram a eximir-se, eles próprios, de tudo quanto consideram impecilhos legais ao seu poder discricionário.
Vitor Gaspar, conhecedor do plano dos banqueiros, tinha perfeita consciência do estado de irritação em que se encontravam os seus mentores pelos atrasos e tibiezas da implementação. Foi neste contexto que a decisão do Tribunal Constitucional provocou a maior desonrientação nas hostes destes serventuários dos interesses da banca privada. O plano, para avançar, precisa agora de afirmar-se abertamente contra as leis. Para piorar as coisas, o trabalho da Inspecção das Finanças trouxe à luz do dia os verdadeiros responsáveis pelas dívidas das empresas públicas, o que constitui mais um sério revés à campanha de propaganda contra os funcionários públicos. Apesar das limitações, a imprensa ainda consegue reflectir bastantes aspectos interessantes da realidade social em Portugal. Está em dúvida a possibilidade de o plano dos banqueiros ser executado em Portugal sem novas restrições às liberdades. Os banqueiros sabem que actuam contra o actual sistema jurídico e temem, sobretudo, pois seriam impotentes em tal caso, que surja um governo disposto a usar o seu poder de representação dos cidadãos para os condicionar, estilhaçando as suas aspirações ao saque dos bens públicos. Os banqueiros portugueses têm consciẽncia da sua pequenez no contesto da banca internacional e desesperam com a chegada da hora dos verdadeiros tubarões, pelo que também se vêm obrigados a não delapidar completamente algumas possíveis armas de defesa. Impossível, sem suspender a Assembleia da República e os actos eleitorais, avançar sem o apoio formal e comprometido do Partido Socialista.
Abril 26, 2013 at 11:26 pm
#13
Esse discurso reproduz a retórica oficial, que pretende escamotear o facto de que o martelo pilão da carga fiscal, em conjunto com os cortes cegos pela estatística, não tem como consequência “emagrecer” o Estado, tem como consequência “emagrecer” a sociedade e “emagrecê-la” onde ela era mais débil e onde o Estado seria mais preciso.
É que o empobrecimento maciço produzido pelo austeritarismo provoca o efeito (surpreendente ou paradoxal para os crentes), não de tornar o Estado menos preciso, mas de o tornar mais necessário na sua vertente social.
No final, não ficará um Estado mínimo, mas um Estado disforme, que desperdiça pela sua neoplasia mais do que o Estado “gordo” que havia antes.
Abril 26, 2013 at 11:36 pm
Essa imputação de que o Estado Social é uma “invenção da esquerda” tornou-se tão comum que passa por verdadeira. Porém, parte de uma premissa ideológica totalmente errada.
O Estado social moderno nasceu com o chanceler Bismarck, numa Alemanha recentemente unificada. Bismarck era profundamente hostil a tudo o que cheirasse a “socialismo”, mas integrou a classe operária alemã no contrato social através da Lei dos Seguros de Saúde (1883), da Lei do Seguro de Acidentes de Trabalho (1884), da Lei do Seguro de Velhice e Invalidez (1889).
A segunda premissa, também errada, que está implícita no seu comentário é a de que os períodos de crise não aconselham a pensar-se no Estado Social.
Acontece, todavia, que o impulso para o Estado social foi dado no meio das ruínas da Grande Depressão dos anos 30, com altos níveis de desemprego e a queda brutal do PIB. Foi em 1933 que Salazar lançou o Estatuto do Trabalho Nacional. Foi em 1935 que Roosevelt fez aprovar o Social Security Act. Foi em 1936 que, na França governada por Léon Blum, os trabalhadores tiveram férias pagas e na Suécia se efetuou o grande acordo entre patronato e sindicatos que ainda hoje explica como esse país se tornou um farol de civilização.
Abril 26, 2013 at 11:37 pm
#17 é para ripostar a #14.
Abril 26, 2013 at 11:55 pm
Na mesma altura em que Passos Coelho ensaia uma campanha de descrédito contra o Tribunal Constitucional, considerando-o como o responsável pelo empobrecimento do pais, e invoca liberdade para o fazer, esquecendo completamente a função de soberania nacional de que está investido e assumindo o papel de um inofensivo comentador de café, chega a ser ridículo que o PSD pretenda agora exigir ao Partido Socialista que peça desculpa pela afirmação de que o Presidente da República não facilitou, antes dificultou, o consenso entre os partidos. Mas essa exigência é também sintomática do desnorte absoluto em que os partidos da Direita (que assim se assumem) se encontram neste momento.
Abril 26, 2013 at 11:56 pm
Não entendo como ainda se pode achar que se pode aguentar este estado que come toda a nossa riqueza.
E o governo tem que dizer que sim, gramar com ele, orientá-lo contra as suas ideias?
Abril 27, 2013 at 12:04 am
#20
A verdadeira questão não é essa, isso é simplismo, é antes a de competência política governativa e de conhecimento da administração pública.
O Governo tem, manifestamente, poucos membros com sensibilidade e com experiência de administração pública, e não compreende que um aparelho administrativo profundamente desmotivado e fragilizado implica, entre outras consequências contraproducentes, a redução da operacionalidade da administração pública face às medidas que o próprio governo quer implementar (vejam-se, como exemplos significativos, os casos da lei das rendas ou das medidas para fiscalizar o RSI, para já não falar da “reforma” do ensino).
E este erro compromete também muito seriamente – isto convém ficar bem sublinhado – o relançamento de um processo de desenvolvimento, que é reconhecidamente vital para o país, além de que não revela efeitos correctivos significativos no défice
Abril 27, 2013 at 12:12 am
#19
Cavaco está totalmente comprometido com a degradante situação política e social que o país atravessa.
Se alguns pensavam que era apenas por omissão, agora fica mais claro que também é por cumplicidade activa.
Abril 27, 2013 at 12:39 am
Concordo com a análise lúcida do Farpas e com os comentários subsequentes.
Mas detive-me também a ler as objecções dos avençados governamentais, que apesar de fraquinhas são reveladoras.
Destaco o #13, que quando refere “a falta de dinheiro que o governo tem” enuncia o grande problema desta gente que nos desgoverna: a despesa do Estado é excessiva porque o governo fica sem dinheiro para gastar, não onde é preciso ser gasto, mas onde eles gostariam de o fazer. E com quem eles querem.
Devem ter uma grande inveja dos socratinos, que apesar dos desvarios ainda iam adjudicando obra visível. Estes agora continuam a gastar o nosso dinheiro encomendando estudos, relatórios, pareceres, ou seja, papel e mais papel. E folhas de excel maradas…
Por isso, ao contrário da discussão já muito batida em torno do mais ou menos Estado, eu defenderia melhor Estado, ou seja, focado nos serviços públicos de qualidade e nas garantias sociais para todos os cidadãos; mas também melhor Governo, isto é, maior qualidade da decisão e acção política, com clara noção das realidades, dos objectivos a prosseguir e das estratégias a desenvolver.