Para a peça do Jornal de Negócios de hoje:
- Primeiro, peço que me aponte as falhas que identifica nas estatísticas/dados apresentados no relatório do FMI.
Existem três tipos de falhas:
a) Desactualização de alguns dados, que remetem para o ano de 2009/10, que é um ano singular por ter resultado de algumas medidas eleitoralistas de José Sócrates, que permitiram o descongelamento da carreira e aumentos da função pública acima da inflação, levando a um aumento da despesa no sector, que distorce qualquer análise que se pretenda rigorosa sobre a situação em 2013. Pelo que o valor para o peso relativo no PIB é muito acima do actual, depois de 3 anos de cortes, bastando para isso consultar os orçamentos do MEC. O mesmo para os rácios professor/aluno e o peso do docentes na população activa.
Cf.
https://educar.wordpress.com/2013/01/09/o-rigor-do-estudo-tipo-fmi-2/
2) Erros a partir dos próprios dados do relatório com vários quadros a conterem dados que não batem certo uns com os outros ou que conduzem a cálculos diferentes dos apresentados no texto.
Cf.
https://educar.wordpress.com/2013/01/09/o-rigor-do-estudo-tipo-fmi/
3) Truncagem abusiva de dados, para justificar propostas sem fundamentação empírica, sendo mais notável a proposta de expandir os contratos de associação, com base em valores completamente desactualizados.
Cf.
https://educar.wordpress.com/2013/01/09/o-essencial-da-encomenda-sobre-educacao-do-estudo-do-fmi/
- Mesmo que ignoremos os rácios da OCDE e façamos as contas utilizando os dados da tabela cedida pelo MEC e MF continuamos a apresentar um rácio abaixo da média da OCDE. Isto significa, na sua opinião, que temos professores a mais?
Depende da forma como analisarmos o que fazem os professores nas escolas portuguesas e nas escolas de outros países. entre nós, são “professores” todos os que trabalham com alunos, incluindo da “Educação Especial” (nos outros países há técnicos especializados), nas Bibliotecas e em outros gabinetes de apoio aos alunos. Em Portugal isto é tudo feito por professores e explica o paradoxo entre uma dimensão média das turmas dentro da norma e depois um rácio abaixo da média.
Há professores a mais nesse sentido, a compensar muitos outros meios humanos a menos. por exemplo, se comparar o rácio de psicólogos escolares em Portugal e nos países do norte da Europa encontrará uma situação inversa.
Mas na Suécia o rácio não é assim tão diverso:
https://educar.wordpress.com/2011/11/17/professores-por-aluno-na-suecia/
- Como se justifica a diferença de rácios. Na Finlândia, tida como exemplo, o rácio é bastante mais alto…
Analise a composição do pessoal de uma escola finlandesa e numa portuguesa. Veja o que falta nesta, sendo compensado pela presença de “professores” que são tudo e mais alguma coisa.
Por exemplo… as Equipas de Saúde Escolar são formadas em Portugal quase em exclusivo por professores que assim surgem nas estatísticas (e foram tendo horas para esse trabalho essencial, bem como nas equipas de Educação Sexual ou no Plano Tecnológico da Educação). É assim em outros países? Não, bem como os apoios prestados aos alunos são muito mais alargados, mesmo a nível de acompanhamento médico e psicológico.
- A existência de horários zero nas escolas não é também uma prova de que há professores a mais? Admite a colocação desses professores na mobilidade especial?
A questão dos horários-zero não se coloca nesses termos por uma razão simples. Se há neste momento ainda 700 professores com horário-zero, como se explica a abertura de um concurso “extraordinário” para 600 professores? Má distribuição de pessoal? De quem é a responsabilidade da abertura dos concursos e definição das vagas e a sua localização? Do Ministério.
Para além disso, se no ano passado foi cortada a componente lectiva do currículo em 10%, isso significa que o número de professores em alegado excesso foi criado em virtude de uma decisão político-administrativa de redução de encargos e não em critérios emanados das escolas.
Por exemplo, se for em frente um modelo de ensino profissional que retira às escolas parte da formação, haverá professores em excesso apenas porque assim se deseja e porque se pretende desorçamentar a área de pessoal do MEC, passando parte do pagamento de salários para o Ministério da Economia.A colocação na mobilidade especial não é admissível num contexto de abertura de vagas e, muito especial, com base em decisões de uma equipa ministerial e em serviços (como a DGAE) que nos últimos meses se parece ter especializado em produzir imensos disparates sob a forma de notas explicativas, esclarecimentos e mesmo sugestões de mobilidade interna com critérios sem sentido (ordem de chegada dos mails).
- O que significa isto de ter professores a mais? é bom ou mau? Qual é o “bom” rácio? Quem nos diz que a média da OCDE é a correcta e o facto de Portugal estar abaixo é sinal que tem professores a mais e podem ser dispensados?
A expressão “professores a mais”, como atrás lhe disse, não tem qualquer sentido, quando resulta de medidas de amputação curricular e redução de apoio a alunos. Não há “professores a mais” ou “professores a menos” em termos absolutos, mas em função do conceito de escola e de currículo que se tem.
Em certas zonas do mundo talvez possamos ter um professor para 40 alunos… porque não os há em quantidade para ter um modelo melhor.
Não há “bons” ou “maus” rácios, sem uma contextualização.
Melhor do que o rácio temos a “dimensão média” das turmas, que dá um retrato muito mais real do quotidiano de um professor que lecciona e não está num gabinete do MEC ou a fazer outro trabalho.A padronização e homogeneização dos critérios quantitativos em matéria de Educação resulta de uma certa “transnacionalização” da Educação, como se uma sala de aula em Portugal, na Finlândia, em Singapura ou no Sudão fossem a mesma coisa.
Há que olhar cada realidade como única, mesmo se devemos procurar bons exemplos no exterior, adaptáveis à nossa realidade.
O “bom” rácio é o que obtem bons resultados. De acordo com os testes PIRLS e TIMMS de 2011 estávamos no bom caminho, quando comparados com 1995…
Agora, deixei de saber.
Fevereiro 18, 2013 at 10:32 pm
Brrrr…. http://lishbuna.blogspot.pt/2013/02/the-horror.html
Fevereiro 18, 2013 at 10:47 pm
Remando contra a maré.
Que os braços nunca te doam e o ânimo jamais te faleça!
Fevereiro 18, 2013 at 10:59 pm
Este estudo não tem preço!
(É muito bonito que o meu país continue a poder contar com um pequeno diamante que reluz num amontoado de calhaus!)
Fevereiro 18, 2013 at 11:13 pm
Começo por afirmar que não considero que haja professores a mais. Há, sim, professores muito mal aproveitados, o que é diferente.
A ligação que estabeleces entre os seiscentos e tal horários zero e a abertura de novas vagas é completamente demagógica. Tenho a certeza que sabes disso e é por isso que não te deixo passar o falso argumento em claro.
Com excepção dos professores de EVT, EV e EM, os professores que ainda estão com horário zero são os que entendem que têm direito a permanecer numa escola, haja horário ou não e não aceitam deslocar-se. A prová-lo, estão os vários professores contratados em todos os grupos onde há horários zero.
As vagas que abriram, foram apenas em grupos onde há necessidade de professores. Não vais querer ir ao cúmulo de achar que um professor de EVT pode dar Matemática, Português ou uma outra qualquer disciplina, pois não?
Volto a dizer-te: com tantos e tão bons argumentos em que se pode pegar, cada vez que falas do concurso extraordinário espalhas-te ao comprido. Ainda hei-de, um dia, perceber porquê! 😉
Fevereiro 18, 2013 at 11:39 pm
#0 “Melhor do que o rácio temos a “dimensão média” das turmas,”
O custo médio por aluno, até porque custos sempre é economês, também lé simpático.
Fevereiro 18, 2013 at 11:56 pm
#4,
E eu já te tentei explicar que as vagas poderiam abrir perfeitamente no concurso “ordinário”…
Teimosia só olhares para o teu “umbigo”… 🙂
Fevereiro 19, 2013 at 3:18 am
Na generalidade, de acordo.
Na questão do rácio alunos/professores parece-me que era importante salientar também que se os alunos portugueses têm mais horas de aulas e mais disciplinas precisam de mais professores. Pelo que, em termos comparativos, era importante relevar o número médio de alunos por turma em detrimento do rácio alunos/professor.
Fevereiro 19, 2013 at 8:53 am
Excelente explicação. Agora, será que o leitor médio desse jornal entenderá?
Fevereiro 19, 2013 at 9:08 am
“O bom rácio é o que obtém bons resultados”…
Enquanto “leitor médio” deste blog custa-me a entender que insista tanto nos números enquanto a educação mergulha desastrosamente no abismo do utilitarismo mais selvagem em estilo de gestão empresarial.
Ou seja, aceita-se que a educação é uma questão que se discute e se resolve com métodos tayloristas, definição de funções e contabilidades de custo-benefício.
Foi assim que chegámos onde chegámos, com a esquerda e a direita a entenderem-se sobre o mesmo modelo de escola, diferindo apenas em questões de números.
Fevereiro 19, 2013 at 9:22 am
Estou farto de dizer (no círculo restrito onde exerço o meu magistério de influência…sim, há um Soares em cada um de nós), farto de dizer que aquela ideia, tão modernaça e apelativa para tantos professores, de que “o trabalho na escola não é só dar aulas” (pronunciar “dar aulas” com nojo e desdém) abriu as portas para que toda a espécie de tarefas e de porcarias nos caísse em cima, subvertendo as nossas funções e carregando-nos com trabalho de utilidade duvidosa, como se fôssemos bestas de carga. Além de ensinarmos Física, Filosofia, Matemática, História, etc. ainda nos tem sido pedido que tratemos da educação rodoviária, ferroviária, para a saúde, para a sexualidade, para o consumo, educação para tudo, que sejamos animadores culturais, psicólogos, orientadores profissionais, gestores de conflitos, assistentes sociais, polícias, advogados para instruir processos e fazer averiguações, etc.
O ministério que empregue especialistas para desempenharem a parte dessas funções que é realmente importante, e quanto ao resto poupe os professores a tanto folclore.
Para cúmulo, essa trabalheira toda, muita dela inútil, acompanhada por um sem número de reuniões e de relatórios, vem servir agora para o governo propagar, à má fé, que há professores a mais…
Fevereiro 19, 2013 at 9:46 am
#9,
Por “bons resultados” eu não entendo apenas “bons resultados nos exames”.
Mas não afsto essa variável.
“Bons resultados” são coisas que funcionam. Numéricas, mensuráveis ou outras…
Fevereiro 19, 2013 at 1:01 pm
#0
“Em certas zonas do mundo talvez possamos ter um professor para 40 alunos… porque não os há em quantidade para ter um modelo melhor.”
Certo.
O problema é quando esses obtêm melhores resultados que nós com 1 prof para 10 alunos !!!
Fevereiro 19, 2013 at 1:19 pm
12
Pois, se calhar esse mesmo prof, que em Portugal dá aulas a 10 alunos e tem maus resultados, teria resultados tão bons como os profs que têm nessas outras zonas do mundo 40 alunos por turma! Logo, o que é que quer verdadeiramente dizer?? Eu já tive turmas no ensino nocturno de 38 alunos e tinha melhores resultados do que tenho agora com turmas de 10 alunos, precisamente. Ah, e não é porque eu envelheci. Porque entretanto sei incomparavelmente mais das minhas matérias e ainda não perdi as forças…! Achei por bem fazer este esclarecimento da ordem do etário!
Fevereiro 19, 2013 at 1:21 pm
Bem, e lá vou eu comprar o jornal, se bem que as análises do director me deixam normalmente de cabelos em pé.
Fevereiro 19, 2013 at 3:01 pm
Boa análise, sobretudo nos argumentos para desmontar a “ideia feita” de que há professores a mais.
E se nos defendermos com os “rácios” os “resultados” e os “números” continuaremos a ser completamente cilindrados á semelhança dos últimos anos.
Nunca conseguiremos apagar a “imagem” de que só trabalhamos 18 ou 22 h por semana, ou de que temos 4 meses de férias que nos pretenderam colar sem nos defendermos com as mesmas armas.
E se “chegámos onde chegámos” foi por não nos sabermos defender com os mesmos números. Parece que agora se começa a inverter esse processo e o PG começa a dar um contributo precioso .
Por muito que alguns defendam que não devemos usar métodos tayloristas, a questão é que só podemos destruir os precpnceitos que criaram à nossa volta, desconstruindo-os com os mesmos métodos:
“Não há “bons” ou “maus” rácios, sem uma contextualização.”
disse PG.
Ora essa contextualização tem que assentar nas análises quantitativas das funções que os professores desempenham… (Ver #10)
Dos resultados obtidos pelos alunos… (“O “bom” rácio é o que obtem bons resultados. De acordo com os testes PIRLS e TIMMS de 2011 estávamos no bom caminho, quando comparados com 1995…”)
Do tempo que cada país leva nesse caminho… nós levamos menos 70 ou 80 anos que os países de referência e já ultrapassámos alguns…
Ou das nossas experiências e testemunhos… ( repare-se no que coloco de seguida… datado de 6 de Maio de 2012 aqui no Umbigo)
Fevereiro 19, 2013 at 3:05 pm
Transcrevo comentário de 6 de Maio de 2012:
“1. Manuela Says:
Maio 6, 2012 at 11:09 pm
# 39
Em menos de três meses (2º Período), preparei e dei 103 aulas (5 turmas) de literatura e de gramática, elaborei 10 testes com a construção das respetivas correções e fiz uma ação de formação de 50 horas. Uau!
Não esquecer ainda a correção dos testes intermédios (não substituíram o 2º teste dado a matéria não ser a de 12º).
Só em composições foram 325 000 palavras (1250 testes + 50 intermédios * 250) contadas, lidas e corrigidas (Grupo III – 200 a 300 palavras).
Refira-se que são turmas de 11º e de 12º, o que se deduz pelo formato do Grupo III dos testes, acima mencionado.
Contemos os dias que compuseram o 2º Período (de 3 de janeiro a 23 de março): 56 dias úteis (sim, retirei os 3 dias do Carnaval). Tendo em conta que se está fisicamente na escola 25 horas por semana, tendo em conta que 56 dias correspondem a 11,2 semanas, estive na escola 280 horas, sem contar as reuniões.
E a preparação das aulas, dos materiais, dos testes? E a leitura “obrigatória” de livros para nos atualizarmos?
Voltemos aos testes. Se cada teste demorar em média 15m (alguns precisam de 30m, face às correções e aos comentários de que necessitam), os 1250 testes precisaram de 312,5 horas. Ao dividirmos estas horas por 3 (um serão corresponde a 3 horas), temos cerca de 104 serões, mas nós só tínhamos 56 dias úteis… Pois é… temos os fins de semana e as madrugadas. Temos todo um acréscimo de trabalho não valorizado pela sociedade, nem sequer pelos colegas de outras disciplinas ou de outros níveis de ensino.
Senti necessidade de contabilizar estas horas pela primeira vez na minha vida, depois de alguém questionar o nosso tempo livre, as nossas férias (Carnaval, Páscoa, Natal). Estas férias reequilibram a nossa dedicação quase exclusiva à escola, permitem-nos respirar e preparar o Período seguinte (ou corrigir testes, como no caso do Carnaval).
Quantos profissionais trazem todos os dias trabalho para casa? Quantos profissionais são obrigados a estar sempre a estudar para se manterem atualizados?
Parem de procurar tempo livre onde ele não existe, parem de denegrir uma profissão extraordinária feita de gente dedicada e de valor. Incompetentes, irresponsáveis e medíocres há em todo o lado, em todas as áreas, com muito e com pouco tempo para se manifestarem.
Deixem-nos em paz e façam a vossa parte.
Não nos sentimos escravos, caro tt (totalmente totó), sentimo-nos vilipendiados por julgamentos desonestos como os que por aqui veicula.
Nota: Não perca tempo a fazer as contas às horas de trabalho acima indicadas, pois se não estiverem corretas, o erro será por defeito.
Manuela
https://educar.wordpress.com/2012/05/06/das-substituicoes/#comments
Não se pode discutir se há professores a mais sem olhar a estas realidades.
Fevereiro 19, 2013 at 7:12 pm
Excelente! Bem haja, Paulo Guinote!