Não se pode aprender de estômago vazio
Hoje à tarde, em conversa com um amigo com algum desafogo material e os filhos numa escola privada de topo (a todos os níveis, incluindo os preços cobrados), notava a incredulidade perante situações que lhe descrevi que começam a ser comuns nas escolas e nas salas de aula.
A chegada à escola com roupa desadequada ao frio, nem sempre com as melhores condições higiénicas, com escasso pequeno almoço… as dores de cabeça e a incapacidade de concentração ali ao dobrar do meio dia, a impaciência acima do normal para ir almoçar, a necessidade de partilha dos lanches que alguns conseguem trazer, a contabilização colectiva das moedas para verem o que é possível comprar, o pedido disfarçado para que alguns professores dispensem uns trocos, tornam-se mais comuns em escolas inseridas em ambientes carenciados.
Isto não se trata de demagogia. Trata-se de observação directa da erosão da condição material de muitas famílias ou da aparência de tal.
O aumento da pequena criminalidade (bastou ver a faixa etária da esmagadora maioria daqueles que estavam hoje à entrada do Tribunal Criminal de Oeiras), a atracção pelo furto como única forma de obstar às dificuldades crescentes, o endurecer do olhar de uns e a quebra da vontade de outros está em directa relação com o descolamento da realidade que este Governo começa a ter, na esteira dos anteriores.
O ar parado e automático de candidato da Manchúria parece ter-se apossado de quem deveria ter, e não apenas enunciar, sensibilidade social e solidariedade.
Não sou adepto do neo-realismo, mas sei que o panorama cada vez mais se presta a descrições como as de outrora e ainda 2012 ainda vai no adro.
E note-se que cresci da adolescência para a idade adulta na margem sul do Tejo em inícios dos anos 80, quando o padrinho político do actual PM era MAI e a polícia muitas vezes não hesitava em bater nos manifestantes que, muitas vezes, viviam situações dramáticas de salários em atraso em massa .
Estou, portanto, com o olhar vacinado.
Mas reconheço os sinais do que vi ser vivido.
Por isso considero serem verdadeiras obscenidades e do plano da pornografia política certas declarações de governantes que parecem ter pedido completamente a noção de serem representantes do povo e ser a sua função procurarem o melhor para os portugueses e não provar teorias que, algures, já sabemos terem falhado.
Fevereiro 6, 2012 at 10:11 pm
E as escolas geladas, as casas de banho sem papel higiénico ou sabonete, os almoços na cantina cada vez mais reduzidos,…
Fevereiro 6, 2012 at 10:20 pm
Por acaso pensei que o texto estava em tom neo-realista 🙂
Mas, vindo de quem vem e, lembrando-me que fiquei chocada quando nesses idos de 80 , ao passar pela margem sul rumo ao Algarve ,vi pessoas a vender paninhos de “crochet”, e bolinhos caseiros à porta de casa , calo-me bem caladinha …
Fevereiro 6, 2012 at 10:26 pm
Gostei bastante.
Muito bem, Paulo!
Fevereiro 6, 2012 at 10:27 pm
#2,
Eu consigo fazer neorealismo mesmo do mais puro e duro, ao pé do qual este post parecerá “fofinho”,com fotografias e tudo… E bastaria recorrer ao material que os miudos colocam no FB e no YTube…
Afinal li o Esteiros, o Gaibéus e tudo isso ali pelos 10 anos…
Fevereiro 6, 2012 at 10:31 pm
E o problema é que, ao que parece, de nada serviu passar por aquilo…
Muitos filhos e/ou netos vão ter de passar por parecido.
Raios… que depois dá vontade de fazer ou dizer coisas bem indecorosas aos engomadinhos dos secretários de Estado deste Governo, aos Catrogas, aos Bragas de MAacedo, aos Nogueiras Leites, aos Relvetes dos grupos de trabalho,
Confesso que… por vezes a corda estica muito…
Fevereiro 6, 2012 at 10:34 pm
A cada dia que passa mais revoltada me sinto!
Fevereiro 6, 2012 at 10:34 pm
PAULO EM 88 ESTAVA E NA BAIXA DA BANHEIRA E A FOME SINGRAVA POR ESSA BANDAS..NOS CAFÉS APRECIAM POR VEZES PUTOS A PEDIR BOLOS E PÃO..E NÓS PAGÁVAMOS DEVE EM QUANDO A UM E A OUTRO …PENSEI QUE JAMAIS TORNARIA A VER SEMELHANTE PANORAMA..ENGANEI-ME REDONDAMENTE…PIOR..O QUE AÍ VEM TALVEZ ULTRAPASSE E BEM OS DITOS ANOS 80 ONDE UM BISPO VERMELHO NÃO TINHA PAPAS NA LÍNGUA..HOJE NEM ISSO EXISTE POR AÍ..
Fevereiro 6, 2012 at 10:35 pm
Eu acho que a maior parte das pessoas já previa que as coisas iam ser difíceis nos tempos que se avizinhavam.
– Mas torná-las insuportáveis com frases/declarações que não lembram ao pai-dos-cornudos é de uma estupidez sem tamanho!
Querem utilizar a língua?
– Gastem-na toda a lamber as botas da Merkel!
Que é o que de “melhor” têm feito até agora.
…
Fevereiro 6, 2012 at 10:38 pm
Mas isto não é de agora.
Há tanto tempo…
O problema talvez seja agora os subsídios não serem para tantos.
Mas, mesmo no tempo dos subsídios para todos, havia tantos miúdos que me apareciam na escola de fato treino todos encharcados pela chuva.
E havia tantos que comiam o pequeno almoço pelo caminho: quase sempre um pão com chouriço ou uma caixa de donuts de chocolate.
Para além da pobreza, existe uma terrível incompetência familiar. Enqto D.T. da minha antiga escola, falei várias vezes nas reuniões de pais da necessidade de lhes darem um pequeno almoço conveniente: um pão co queijo ou fiambre e um leite chocolatado. Respondiam-me que não tinham tempo para ir comprar pão. Como? A maior parte estava desempregada. Sugeri-lhes que congelassem pão. Nunca tinham feito isso.
Estas famílias desaprenderam as coisas básicas. Ninguém compra pão, por exemplo.
Os míudos, esses só queriam comer aqueles bolos e beber icetea.
Há tanto a fazer…
Fevereiro 6, 2012 at 10:42 pm
Um exemplo de neo-realismo puro e duro era uma aluna minha, nascida na cadeia, que vivia com um avô e mais não sei quantos tios e que um dia me perguntou qual a diferença entre pequeno almoço, almoço e jantar. Comia batas fritas e outras porcarias e tinha os dentes todos podres.
Levei-a ao centro de saúde, à médica de família e perguntei-lhe o que se poderia fazer por aqueles dentes, A médica respondeu que não havia nada a fazer. Só arrancá-los todos. Tinha 13 anos.
Fevereiro 6, 2012 at 10:43 pm
Este vídeo está bom..devíamos fazer algo semelhante também..
Fevereiro 6, 2012 at 10:45 pm
Outro vivera em pequeno com os pais. O pai foi preso, passados uns meses foi a mãe. Foi para uma avó. A avó também foi presa. Mudou para a bisavó. Passado um tempo morreu. Qdo o apanhei, vivia com uma tia.
Esse, um dia sentiu-se mal por ter comido um dancake inteiro de manhã. Pedi um chá a uma empregada que mo trouxe. Quando viu o chá, desatou aos berros que não bebia uma porcaria daquelas quente. Nunca tinha bebido chá quente. No intervalo, saiu e foi comprar um ice tea.
Fevereiro 6, 2012 at 10:48 pm
#7,
Pois… mas quase 25 anos estamos a caminho do mesmo…
Fevereiro 6, 2012 at 10:52 pm
É pá, não sejas piegas!
🙂
Passos pede aos portugueses para serem “menos piegas”
Ler mais: http://aeiou.expresso.pt/passos-pede-aos-portugueses-para-serem-menos-piegas=f703170#ixzz1le3HXcyZ
Fevereiro 6, 2012 at 10:52 pm
Em história aprendemos que existem ciclos e que os mesmos se repetem mudando só o tempo e o cenário e o argumentos não mudam muito…
entretanto pelo El dorado do Brasil..talvez comece a acontecer por cá um deste dias…
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=3i8JAEfWIf4 …
Fevereiro 6, 2012 at 10:52 pm
Concordo inteiramente.
Portugal nunca foi um país rico, mas estamos a empobrecer dramaticamente.
Fevereiro 6, 2012 at 10:52 pm
Grande verdade:
…” e ainda 2012 ainda vai no adro.”
Miséria total ,mas cheios de fibra óptica.
Fevereiro 6, 2012 at 10:52 pm
O problema dos governantes é considerarem que governam de motorista.
Não governam, esses reis momos.
Fevereiro 6, 2012 at 10:53 pm
Fevereiro 6, 2012 at 10:56 pm
Tenho para mim que o pior vai ser em finais de 2012 e por 2013. adentro..
e Junho não vai haver subsidio de férias..mas ainda vai haver muita gente com algum IRS a disfarçar…mas em Dezembro nada…e pior os privados a partir de Janeiro de 2013 podem vir a sofrer um corte nos ordenados ou nos subsidio..na Grécia é isso que está a atrasar o acordo..a troika pretende isso..logo 2013 vai ser o ano de todos os perigos ou pior de grande fome…fui..noites serenas enquanto ainda podemos …
Fevereiro 6, 2012 at 10:56 pm
Espanta-me o espanto de quem não olha para os lados, se é que me faço entender…
Fevereiro 6, 2012 at 10:59 pm
Tenho um aluno que me disse que o “não sei quantos” ia ao hipermercado comer e fiquei com a ideia que não era “gamar” para comer cá fora: era mesmo pegar em “coisas”, como abrir os pacotes “com arte” e petiscar alguma coisa.
Dizer o quê a este aluno ao qual perguntei:
“Vais almoçar?”
Resposta:
“Não, não tenho dinheiro”
(um murro no estômago)
Fevereiro 6, 2012 at 11:07 pm
Dizer o quê a uma mãe (quase a chorar…) com 3 filhas e que recebe entre 300 a 400 euros.
Mãe esta com um marido cujo subsídio de desemprego já sofreu 2 cortes e está no fim, um homem com 50 anos que procura trabalho na construção e não encontra.
Fevereiro 6, 2012 at 11:08 pm
Nem sei que dizer…
Vivi esses anos na margem sul. E cá continúo. Eu, como muitos de vós, vi a pobreza. E não esqueço.
Ainda hoje, a meio de uma aula, pelas dezasseis e qualquer coisa, uma miuda, daquelas com muita genica, fraquejou. Não comera nada no dia de hoje. E não fora por mera distração…
Piegas é a tua tia, puto ignorante. Tu sabes lá o que é ter fome! Tivesses 7000empregados da Lisnave em manifestação na tua frente, equipados com ferramentas ou os mineiros do Alentejo a apontar-te as lanternas e fugias que nem um coelho. Pela minha parte ainda não perdi a esperança e lá estarei como estive tantas vezes. Lacaio.
Fevereiro 6, 2012 at 11:10 pm
E o Passos Coelho ainda me chama piegas?
Fevereiro 6, 2012 at 11:12 pm
Os magalhães não se comem.
Fevereiro 6, 2012 at 11:34 pm
Pois é, pois é…
Há quem só goste de falar da liberdade de escolha – mas então e a igualdade de oportunidades?
Terão essas crianças desfavorecidas oportunidades iguais às mais favorecidas?
Terão elas responsabilidade moral pela sua situação de desvantagem objectiva? Terão que arrostar com esta?
Não há que ter medo dos fundamentalistas ultraliberais: temos que olhar para um imperativo de Justiça, procurar proporcionar uma igualdade equitativa de oportunidades.
Fevereiro 6, 2012 at 11:37 pm
Passo a passo, sedimentando o poder a cada novo avanço, foi como o Partido Nacional Socialista corroeu a República de Weimar. A crise financeira desempenhou o seu papel: desemprego crescente, trabalho cada vez mais precário, concentração dos agregados familiares para aliviar as despesas, incremento da hostilidade a grupos sociais específicos apontados como bodes expiatórios da degradação da situação económica. Um padrão descrito com precisão cirúrgica nos filmes de Ingmar Bergman.
Fevereiro 6, 2012 at 11:39 pm
grande texto e nem por sombras neo-realista (aliás, qual seria o mal, para além do anacronismo?)
Fevereiro 6, 2012 at 11:41 pm
Piegas é a tua…Paços
Alguém um dia deixa a agressividade-passiva no bolso e faz uma asneira da grossa…é isso que eu temo. Brandos costumes my ass
Fevereiro 6, 2012 at 11:46 pm
#26 Pois não, mas com “papas e bolos se enganam os tolos”!
Fevereiro 6, 2012 at 11:56 pm
Cambada de maricas. Ponham os vossos olhos no Djaló, Um homem que aceitou emigrar para procurar uma oportunidade. Não se deu bem mas não desistiu. Regressou ao seu país e aceitou ingressar numa equipa de terceira categoria onde nem sequer tem colegas que falem a sua língua.
Fevereiro 7, 2012 at 1:02 am
#25
Mas que raio de frase é esta que aperece nesse artigo da pieguice?!
http://aeiou.expresso.pt/passos-pede-aos-portugueses-para-serem-menos-piegas=f703170#ixzz1le3HXcyZ
.
Este Passos quanto mais abre a boca, pior é!
Está a tornar-se mais do que insuportável, irra!!!
O primeiro-ministro pegou ainda no exemplo da escola e do ensino para defender que “se criou a falácia” de que as grandes reformas levam anos a produzir efeitos.
“Não é verdade. Em cada aula que se dá, tudo pode mudar. As pessoas ajustam-se rapidamente à mudança. Mas tem de haver uma mudança. Agora se se arranjam sempre desculpas e explicações para os maus resultados…”, afirmou.
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Mas o que é que Passos Coelho percebe do Ensino para estar a falar?!
Fevereiro 7, 2012 at 1:13 am
CUSTE O QUE CUSTAR!
(a alguns, ainda muitos, custará muito pouco… )
ESTAMOS POBRES. Quais de vós ainda não deram conta disso?
(alguns, ainda muitos e muitos pseudo-liberais que endeusam os mercados, estarão podres de ricos à pála do estado – deve ser a economia social virada para o lado deles…)
Fevereiro 7, 2012 at 1:14 am
…”pala”…
… “economia social”…
Fevereiro 7, 2012 at 8:59 am
O que vale são os jantares… à borla!
PSD, PSD, PSD…
Fevereiro 7, 2012 at 9:22 am
#36,
Também me ofereceram outros… nem todos aceitei.
Muito menos quando colocam logo o preço ao lado.
Fevereiro 7, 2012 at 9:46 am
# 0
Mais uma vez, subscrevo integralmente.
Sem estarem satisfeitas as necessidades mais básicas e elementares (alimentação, vestuário,saúde, higiene…) torna-se uma “miragem” a aquisição de competências escolares.
E agora já nem nos podemos queixar??? OK, já percebi: devemos aguentar e com cara alegre.
Estes senhores que vivem nos seus castelos dourados não têm a menor noção de como está o país real. Esperava-se muito mais de alguém (supostamente) Social Democrata. Ou será que já se esqueceram dos princípios mais elementares dessa corrente política???
Fevereiro 7, 2012 at 11:47 am
Concordo com o que disse a Reb. Muitos pais quase sem recursos depois não sabem coisas básicas, para rentabilizar o pouco que têm. Talvez até por uma angústia que se acumulou, não sei, não têm estratégias. Parecem anestesiados. Esta vaga de pobreza penso que irá ser a pior de sempre, porque será uma pobreza numa altura em que se pensava que tal não voltaria a acontecer. E hoje, com os meios de comunicação, todos sabem até que ponto são pobres, porque sabem aquilo a que não têm acesso. Antes não era assim. As pessoas, falo pela minha aldeia, viviam confinadas, os vizinhos e aqueles com quem conviviam tinham uma situação semelhante. Só os patrões tinham mais, eram os ricos.
Fevereiro 7, 2012 at 12:57 pm
Potugal vai vencer custe o que custar e a fome faz bem a muita gente. Cuidado … cuidado professores … a vossa vez vai chegar
Fevereiro 7, 2012 at 3:09 pm
Pois… mas o grande problema não era o Sócrates?!
Depois… bem, depois, só o céu nos iria parar!
Tão “entiligentes”, em especial a Rute Lima!