Como dizer o silêncio?
Se em folhagem de poema
me catais anacolutos
é vossa a fraude. A gema
não desce a sons prostitutos.O saltério, diletante,
fere a Musa com um jasmim?
Só daí para diante
da busca estará o fim.Aberta a porta selada,
sou pensada já não penso.
Se a Musa fica calada
como dizer o silêncio?Atirar pérola a porco?
Não me queimo na parábola.
Em mãos que brincam com o fogo
é que eu não ponho a espada.Dos confins, o peristilo
calo com pontas de fogo,
e desse casto sigilo
versos são só desafogo.E também para que me lembrem
deixo-os no mercado negro,
que neles glórias se vendem
e eu não sou só desapego.Raiz de Deus entre os dentes,
aí, pára a transmissão.
Ultra-sons dessas nascentes
só aves entenderão.
[Natália Correia]
Setembro 2, 2011 at 12:16 am
Do Sentimento Trágico da Vida
Não há revolta no homem
que se revolta calçado.
O que nele se revolta
é apenas um bocado
que dentro fica agarrado
à tábua da teoria.
Aquilo que nele mente
e parte em filosofia
é porventura a semente
do fruto que nele nasce
e a sede não lhe alivia.
Revolta é ter-se nascido
sem descobrir o sentido
do que nos há-de matar.
Rebeldia é o que põe
na nossa mão um punhal
para vibrar naquela morte
que nos mata devagar.
E só depois de informado
só depois de esclarecido
rebelde nu e deitado
ironia de saber
o que só então se sabe
e não se pode contar.
Natália Correia, in “Poemas (1955)”
Setembro 2, 2011 at 12:18 am
Cidadania
Buquê de ruídos úteis
o dia. O tom mais púrpura
do avião sobressai
locomovida rosa pública.
Entre os edifícios a acácia
de antigamente ainda ousa
trazer ao cimo a folhagem
sua dor de apertada coisa.
Um solo de saxofone excresce
mensagem que a morte adia
aflito pássaro que enrouquece
a garganta da telefonia.
Em cada bolso do cimento
uma lenta aranha de gás
manipula o dividendo
de um suicídio lilás.
Natália Correia, in “O Vinho e a Lira”
Setembro 2, 2011 at 12:23 am
começa bem.
Setembro 2, 2011 at 12:25 am
A Natália era daquelas poetisas que teria nos dias de hoje uma postura decente, lá nas arcadas pútridas da Assembleia da Resprivada. Faz-nos falta! Cá te deixo, Paulo, um momento (não de luta) poético. É só para que o dia respire verdadeira humanidade.
http://silenciosasdiscussoes.blogspot.com/2011/09/quinta-feira-falei-te-ao-coracao.html
Boas leituras e continuem todos a pensar esta… treta de país!
Setembro 2, 2011 at 12:29 am
A carne que os guindastes
suspendem, minha,
rente à fosforência
no abismo dos dias,
a mesma onde a rasura
do tempo abre interstícios
estendendo-a no mármore,
as máquinas que os astros
perfuram erguem-na às alturas
do espaço ou das colunas
de que se nutre o tempo,
noite onde os astros
escondem as raízes
ou ramo de glicínias
em dedos sufocados, carne
onde inda vibram
do extinto amor, os ecos.
Luís Miguel Nava
Setembro 2, 2011 at 12:29 am
Boa escolha.
Eu hoje, estou mais clássica. Por estas e por outras é que a História só tem 90mn e qualquer dia desaparece. A literatura, idem. Os textos utilitários servem melhor a ignorância.
Grande Eça, Grande Junqueiro…
“Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
[…] Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro […]
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
[…] A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;
Dois partidos […] sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, […] vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar…”
Guerra Junqueiro
1920
Setembro 2, 2011 at 12:30 am
#4
Não me chamo Paulo, embora não deteste.
Fafe, óvistes?
Pés de burro…
Setembro 2, 2011 at 12:32 am
#7
Oh, Fafe!
Passa então a mensagem ao Paulo, ok?
Pés de Burro só no talho de São Bento, por aqui não há!
Setembro 2, 2011 at 12:34 am
O poeta abre
a boca
e fecha
os olhos.
Tira os sapatos ao final do dia,
e é de pantufas que escreve
sobre o nevoeiro
e a morte dos vivos.
Bebe, fuma
e passeia-se pela cidade,
sentindo a doce melancolia
de se distanciar dos transeuntes
ao mesmo tempo que
lhes absorve
– ou assim se arroga pensar –
o gesto, a expressão,
as vidas.
Olha demoradamente
os sem-abrigo
e os descurados da natureza
de quem se sente irmão.
Enfia as mãos nos bolsos
e ruma a casa.
Está na hora de medir a tensão.
Isto foi escrito
agora mesmo
para que todos passem os olhos
por aqui
sem que seja verdadeiramente lido.
Afinal, o que interessa,
é mostrar empatia
e amar a poesia,
por mais raquítica que seja.
Aladdin Sane, 0033 (ou o poetão)
Setembro 2, 2011 at 12:42 am
#8
Outro a perorar sobre os pés de burro…
Assim que eu mostrar – que ninguém me quis ajudar – é só entendidos!
Qual S. Bento!
Setembro 2, 2011 at 2:08 am
Começa a haver meia-noite, e a haver sossego,
Por toda a parte das coisas sobrepostas,
Os andares vários da acumulação da vida…
Calaram o piano no terceiro-andar…
Não oiço já passos no segundo-andar…
No rés-do-chão o rádio está em silêncio…
Vai tudo dormir…
Fico sozinho com o universo inteiro.
Não quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anticitadino! —
Antes, recluso,
Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua…
Um automóvel! — demasiado rápido! —
Os duplos passos em conversa falam-me
O som de um portão que se fecha brusco dói-me…
Vai tudo dormir…
Só eu velo, sonolentamente escutando,
Esperando
Qualquer coisa antes que durma…
Qualquer coisa…
Álvaro de Campos